GLBT quer fim da exclusão sexual

Grupo de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros acredita que fim do preconceito virá com nova sociedade

Por Luciana La Fortezza, Jornal da Cidade

O preconceito contra o homossexualismo está intrinsecamente ligado à natureza excludente e opressora da atual organização social e só pode ser definitivamente combatido com a desconstrução do capitalismo.
Essa foi a idéia discutida num debate que marcou o lançamento público em Bauru da secretaria Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT) do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que ocorreu na sexta-feira, na sede do partido.
Cerca de 40 pessoas participaram do evento que, de maneira inédita na cidade, se propôs debater a questão de maneira aberta, sem ficar recluso ao movimento GLBT.
Participaram do debate “A homofobia no capitalismo e seus aspectos psicossociais” o militante da secretaria nacional GLBT do partido Leandro Paixão, a integrante da secretaria local do grupo Isabel Carvalho e o psicoterapeuta e especialista em orientação sexual Ricardo Mokdici.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Jornal da Cidade – É mais difícil montar um grupo de GLBT no Interior?

Leandro Paixão – Estou percebendo o contrário.

Ricardo Mokdici – Principalmente no Interior do Estado de São Paulo, as pessoas estão se conscientizando. Há uns três anos, só tinha uma boate gay em Bauru. Hoje você tem em toda a região. O que precisa, agora, é trazer esse pessoal para a consciência de que a vida não é só badalação.

Isabel Carvalho – Também não dá mais para ficar recluso a guetos. Isso gera a própria discriminação.

Leandro Paixão – O movimento GLBT surgiu com as grandes cidades. A pessoas fugiam dos locais onde todo mundo as conhecia para as cidades grandes. Assim surgiram os movimentos, os primeiros bares. (…) Só tem um milhão de pessoas na Parada Gay porque muita gente do Interior e de outros Estados vêm para São Paulo.

JC – A Parada virou um grande mercado?

Leandro Paixão – A parada virou um grande mercado que movimenta muito dinheiro. Ela é conglomerado de várias coisas. Acima de tudo, a Parada Gay é política. A parada tem virado um carnaval. O que é o carnaval? É onde você extravasar o que você não extravasou durante todo o ano. Lá você tira todas as máscaras do dia-a-dia. Lá você vive quem você é. É uma coisa limitada, só naquele dia.

JC – A medida que a liberdade sexual for introduzida de forma despreconceituosa, esse movimento pode sofrer uma mudança?
Leandro Paixão – Pode nem existir. Se é necessário você extravasar nesse dia é porque você vive um ano inteiro de opressão. É impossível você desconstruir só a homofobia isolada do resto dos problemas sociais. Todos estão interligados. A homofobia, assim como todas as formas de opressão, têm a mesma razão de existir.

JC – Que é?
Leandro Paixão – Que é a necessidade de manter setores inteiros sociais desmobilizados para que não modifiquem a forma de ser, para que não contestem. Eles estão contidos naquele grupo, têm uma identidade e ali o mercado vê espaço de ampliação.

JC – É essa relação que vocês tentaram mostrar quando propuseram a discussão sobre capitalismo e homofobia?

Leandro Paixão – Você não consegue acabar com a homofobia se você não desconstruir o capitalismo para construir uma outra história. (No capitalismo) você não tem controle sobre sua vida. Não decide. É o interesse do mercado, do capital. O objetivo é mostrar como está intrinsecamente ligada a questão da homofobia com a forma de organização social, com a estrutura social.

Não se acaba com a homofobia sem desorganizar essa estrutura, excludente e opressora.

JC – Como buscar essa desconstrução?
Leandro Paixão -Você tem que construir uma ferramenta para construir uma outra história. O que vai acontecer possivelmente com o futuro: (…) se o governo continuar com essa política, (a população) vai ter uma grande decepção e acontecem explosões sociais. Os trabalhadores precisam ter uma ferramenta para guiar essas explosões. Precisam destruir isso que está aí e construir uma sociedade socialista. A gente acredita que essa ferramenta seja um partido revolucionário.

JC – O PSTU está apoiando a criação de um novo partido de esquerda?
Leandro Paixão – O PSTU tem chamado, há algumas semanas, esse movimento por um novo partido, que reúna toda a esquerda. Se não, a explosão vem e os mesmo que estavam controlando ontem, mudam a cara e continuam controlando amanhã.

JC – Só é possível que a liberdade sexual se concretize numa outra sociedade?

Leandro Paixão – A liberdade é uma coisa que não existe no capitalismo. Tudo tem sem preço, seu valor. Até as pessoas.

JC – Como mudar essa ordem mundial?

Leandro Paixão – Tem que ver por onde é possível (mudar) e por onde não é. As vezes a gente acha que precisa fazer alguma coisa e faz qualquer coisa. Você precisa ver qual é a razão do problema e de que forma pode resolvê-lo. Mas se é uma luta que não sai do lugar porque não há espaço, tem que olhar se potencialmente é o melhor que você pode fazer.

JC – Como formar as pessoas sem preconceito?

Ricardo Mokdici – Eu também estou tentando formar uma ONG. Uma ONG de homens que fazem sexo com homens. Queremos orientar que a discriminação é crime inafiançável e que não pode existir. A idéia é levar isso para as escolas, para as empresas e trabalhar em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com integrantes do PSTU.
Muitas vezes um homossexual lesado não quer se expor, mas vai poder recorrer a um grupo, a um partido, a uma ONG, que vai defendê-lo, entre tantas outras coisas.

Leandro Paixão – Nós não temos os espaços institucionais para fazer essa formação. A única forma de você destruir o preconceito onde ele se propaga é na escola, na família. Se a gente não tem como entrar nos espaços institucionais, a gente tem que entrar na classe que pode mudar alguma coisa, que são os trabalhadores. Uma revolução da classe trabalhadora é diferente de todas as outras que já aconteceram até hoje. Onde a gente tem que formar? É no sindicato, é no movimento estudantil, nos setores mais de vanguarda. É na periferia, onde tem movimento sem-teto.

JC – Enfim, qual é a conclusão?

Leandro Paixão – A questão é estudar onde meu trabalho rende mais para mudar essa estrutura social. Não adianta trabalhar isolado. Você tem internacionalizar a sua forma de ver as coisas. A vida está rolando e logo vai terminar. Se a gente não fizer coisas que valem a pena, não vale a pena passar pela vida.

Entrevista publicada em 08/09/2003, no Jornal da Cidade, de Bauru (SP)