Resistência e luta para alcançar a liberdade e uma nova vida. Esses são os sentimentos que acompanham o sociólogo haitiano Franck Seguy, que esteve na abertura do 29º Congresso do ANDES -SN, iniciado no dia 26 de janeiro, no Centro de Convenções da UFPA.
Ele concedeu uma entrevista exclusiva à ADUFPA Seção Sindical, falando sobre a coragem de voltar para o Haiti, mesmo após a sua destruição com os terremotos ocorridos em janeiro. Seguy é símbolo de coragem e de persistência em continuar a viver, seja na alegria ou na tristeza.

Como você recebeu a notícia sobre o terremoto no Haiti?
Franck –
Boa parte do país está destruída, sobretudo a capital Porto Príncipe que é a região mais populosa e o sudeste do Haiti. No informe oficial do governo, falou-se de 150 mil pessoas mortas, mas a contagem não considera as pessoas debaixo dos escombros. Eu estava com viagem marcada para o dia 16 de janeiro (quatro dias depois da tragédia). Na verdade, tentei comprar minha passagem de volta para o dia 12, quando ocorreu o primeiro terremoto, mas a empresa não tinha mais vaga. Livrei-me por pouco, mas essa situação me prejudica muito porque já estou com a passagem de volta comprada. Não tenho mais nada para fazer aqui a não ser esperar que a situação se regularize. Da última conversa que eu tive com alguém do Haiti, falaram que não tem condições de ninguém entrar ou sair do país. Tem que dar um tempo para melhorar a situação. Talvez quatro ou seis meses. Faz um ano e dez meses que estou aqui no Brasil para fazer o mestrado em Serviço Social na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Já defendi a dissertação antes do prazo. Eu estava quase louco querendo voltar porque a família está lá, meu pai, minha mãe, minhas irmãs, meu irmão e todo mundo na cidade de Porto Príncipe. Em um primeiro momento, consegui manter contato por e-mail, mas quatro dias antes falei por telefone com a minha família e eles estão bem, no geral. Mas um tio meu morreu com a mulher dele e uma prima minha que se casou recentemente. O marido dela morreu também. A casa dos meus pais ainda está em pé. Com o medo que esse terremoto deixou na população, todo mundo está deixando a cidade. Com isso, acho que vão surgir mais dificuldades ainda. Porto Príncipe foi uma cidade construída para receber 250 mil pessoas, mas 3 milhões moram lá. Essas pessoas deixaram a região natal para morar na capital. No Haiti, existe uma expressão “República de Porto Príncipe” pra dizer que o país está reduzido à capital. A universidade pública está lá, os hospitais estão lá, a administração pública também. A vida para onde vão não será fácil porque tudo estava concentrado em Porto Príncipe e agora se vêem na obrigação de deixá-la para voltar ao lugar que deixaram antes.

Como deve ser esta experiência de voltar a sua terra após a destruição?
Franck –
Tem algumas coisas que a gente não consegue explicar. É essa situação que me afasta do Haiti que me dá mais vontade de voltar ao meu país. Para um haitiano que está fora do Haiti e resolveu ficar onde estava é uma solução individual e que não resolve nada. Na minha opinião, o Haiti vai precisar da solidariedade de outros países. Os haitianos têm primeiro de voltar ao país de origem para fazer o que eles podem fazer. A minha área é o ensino e eu acho que tenho de voltar para ensinar o mais breve possível. Eu já fiz uma escolha na minha vida: eu não vou viver com medo, de ninguém e de nada. Eu nasci um dia e vou morrer um dia. Esta é a certeza que eu tenho na vida. A violência mostrada na televisão não é do povo haitiano. No Haiti, você pode andar normalmente. Você deixa as grandes cidades e não vai encontrar um policial. Eu conheço um município que tem somente quatro policiais.

A calamidade que se instaurou no Haiti veio abrir os olhos do mundo para a pobreza da população?
Franck –
Eu acho que não. Calamidades já aconteceram várias vezes no Haiti. A intensidade dos últimos terremotos e a quantidade de pessoas mortas são excepcionais, mas calamidade no Haiti é regra. O Caribe é uma região onde acontecem todos os anos muitos furacões. Em 2008, passaram quatro furacões pelo Haiti. A pobreza no Haiti é uma construção sociohistórica. Ocorreram duas colonizações: a espanhola e a francesa. Essa última destruiu 45% do meio-ambiente haitiano. No início do século XX, o Haiti recebeu uma primeira ocupação militar dos Estados Unidos. Durante 19 anos, os Estados Unidos e suas empresas destruíram sistematicamente o meio-ambiente haitiano Uma parte do território do Haiti se transformou em deserto em decorrência dessa ocupação. No final dos anos 70, os Estados Unidos mataram todos os porcos haitianos porque o porco era a maior facilidade dos camponeses para se sustentarem economicamente e eles (EUA) precisavam de mão-de-obra para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar da República Dominicana, precisavam da mão-de-obra haitiana. As terras dos camponeses foram roubadas e transformadas em desertos. A pobreza no Haiti não é algo que vem do Céu ou de outro lugar. É uma construção sociohistórica de 200 anos. Após a independência do Haiti, houve três ocupações militares. Houve derramamento de sangue. Qualquer pessoa que conseguiu se organizar contra as ocupações foi assassinada. Então, a pobreza é uma construção sociohistórica. Eu gosto muito como o Eduardo Galeano (jornalista e escritor uruguaio) fala: o Haiti está pagando um preço muito alto por ter sido o primeiro país a se libertar da escravidão. No Haiti, a escravidão foi abolida primeiro. O Brasil, por exemplo, tornou-se independente e depois aboliu a escravidão. A chamada Comunidade Internacional se liga contra este exemplo que ela não quer mais ver se repetir na História. Querem mostrar que o Haiti errou. Deveria ter esperado o país se libertar para libertar seus escravos. Esse exemplo que ele deu ao mundo foi errado. Até esses terremotos estão sendo usados contra a população do Haiti. Já ouvi sobre muitos brasileiros solidários que doam comida e água, mas o Exército Brasileiro não as entrega como o povo brasileiro esperava.

Você acredita que o Haiti será um país sólido no futuro?
Franck –
Eu acho que vai acontecer duas coisas: ou o Haiti vai desaparecer ou vai se libertar. Na consciência do povo haitiano, não há outro meio como viver. Para o povo falta o meio para lutar por sua liberdade agora. Mas isso é uma coisa que está até escrito na bandeira haitiana: “Viver livre ou morrer”. Não conheço outra opção. Há outros esforços que incentivam outra opção. Mas o haitiano conhece apenas essas duas opções.

Fonte: ADUFPA Seção Sindical, republicado pelo portal da Conlutas