A relação de subordinação dos países latino-americanos aos países hegemônicos do sistema mundial inicia-se com o “descobrimento” no final do século XV. A história dessa opressão econômica, política e social encontra-se retratada em numerosos estudos que abordam as diversas expressões que essas relações assumiram no decorrer de mais de cinco séculos. A relativa independência que os países conquistaram deu-se no decorrer do século XIX de forma bastante desigual.

Poucas foram as épocas em que as tentativas de elaborar políticas soberanas e independentes tiveram lugar. Entre elas, podemos lembrar as teorias da dependência, que possuíram relativa importância nas décadas de 60 até 80 na América Latina, que de alguma maneira refletem a intencionalidade dos governos em construir uma perspectiva desenvolvimentista com traços de redistribuição da riqueza (nunca realizada). A partir dos anos 80, no conjunto dos países latinos, implementa-se um novo padrão de construção do Estado, qualificado enquanto neoliberal e seguindo os exemplos de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos. O precursor desta modalidade na América do Sul foi o governo totalitário de Pinochet, no Chile e posteriormente o México.

Existe um consenso sobre o fato de que aconteceram profundas mudanças no âmbito econômico e político nas últimas três décadas em nível internacional. Para os trabalhadores essas transformações traduzem-se em maior desemprego, arrocho e instabilidade social que se aprofundam em todos os níveis. Já para a burguesia essa situação apresenta-se como uma ampliação das oportunidades para as realizações individuais respaldadas nas capacidades e aptidões que os indivíduos apresentem na arena do mercado.

As explicações mais comuns sobre esse processo tem sido apresentadas como parte do processo da chamada globalização, que tenta ser continuamente afirmado enquanto um processo irreversível, natural e, ao mesmo tempo, como a única e melhor forma de organização mundial. Mas, o conceito de mundialização do capital, de François Chesnais, explica de forma certeira a apropriação intensiva da riqueza através dos mecanismos do capital financeiro. Não estamos vivendo o “fim da história” como os arautos do sistema tem afirmado na década de 1990, em verdade continuamos vivendo sob o domínio da fase imperialista do capital, como Lênin tinha exposto nos anos 1920, obviamente que com mudanças nas formas de implementação desta hegemonia, mas grande parte dos seus traços permanecem ou tem se aprofundado. Essa visão romântica da atual realidade parece nos dizer que não existe alternativa a não ser mergulhar de cabeça na democracia liberal, tecendo ilusões irrealizáveis de melhoria nas condições de vida da população em geral. Nesta maré, a grande maioria dos partidos de “esquerda” também abraçaram essa lógica.

Mas, retomando a história de submissão da América Latina observamos que a o desempenho de papéis de subordinação tem sido a constante no cenário internacional. Mas o que afirmamos na atualidade é que essa situação aprofunda-se com as novas características que assumem as relações políticas e econômicas. Neste sentido, Casanova (2000), considera que “a reconversão em curso na América Latina é em grande medida uma recolonização”. Pois o que se vislumbra é um considerável aprofundamento da ausência de controle dos governos sobre a produção nacional – ainda que anteriormente esse processo tenha sido muito débil também. Isto seria agravado pelo aprofundamento das transações desiguais no mercado mundial, o crescente endividamento – que se expressa em forma de dominação colonial através do crédito – e o processo de privatização dos setores públicos de fornecimento de políticas sociais.

Um traço característico do presente estágio reside na redução drástica do grau de liberdade na perspectiva de construir um processo autônomo e soberano de consolidação dos Estados nacionais dependentes, retomando condições clássicas do período colonial. O aumento das decisões realizadas fora do país está também relacionado com o papel que as empresas transnacionais tem conferido no presente período às suas filiais nos países periféricos.

Diversos e conhecidos são os mecanismos econômicos de transferência de riquezas produzidas pelos latino-americanos, que se acentuaram nas últimas duas décadas: sustentam-se no pagamento de juros à longo prazo da dívida externa em grande escala; transferência massiva de lucros derivados dos investimentos diretos e de carteira; compras e aquisições de empresas públicas lucrativas e de empresas nacionais com problemas financeiros; cobrança de royalties e direitos de licença sobre uma ampla variedade de produtos, patentes, mercadorias culturais, etc.; balanços de conta corrente favoráveis baseados na dominação das corporações e bancos dos Estados Unidos na região.

Desta maneira, o papel que os países periféricos são chamados a desempenhar exclui as perspectivas do desenvolvimento nacional, sendo que, cada vez mais são obrigados a reduzir as resistências à livre circulação do capital internacional, assim como também incentivados a elaborarem políticas para restringir o êxodo de migrantes rumo aos países centrais, evitando eventuais situações de instabilidades nestes últimos. Ao mesmo tempo em que os países periféricos exercem o papel de reservas de riquezas naturais, as quais os países centrais podem dispor, tornando-se os locais factíveis de reduzirem tensões internas a estes.

Um outro aspecto importante do processo recolonizador observa-se no desmantelamento do aparelho estatal, através do discurso da “reforma do Estado”, que vem reduzindo o número e os direitos dos trabalhadores estatais que respondem pela sua administração direta e indireta. Isto, aliado ao processo crescente de privatização e terceirização que conduz a uma crescente mercantilização dos serviços públicos. Ao mesmo tempo em que elaboram-se leis que restringem os investimentos sociais (como a Lei de Responsabilidade Fiscal) e continua-se incentivando, por parte do Estado, programas de incentivos e empréstimos para empresas sediadas no país.

Finalmente, sem a pretensão de ser exaustivo, é indispensável mencionar uma outra função estratégica do Estado que vem sendo progressivamente deixada de lado, a denominada Segurança Nacional. Vislumbra-se a crescente instalação de bases militares estadunidenses em território latino-americano, aliado a um crescente sucateamento das forças armadas nacionais. O exemplo brasileiro é a Base de Alcântara, controlada pelos EUA, e que desenvolve atividades sem conhecimento do governo nacional, tornando-se um novo enclave colonial. Assim, perante mobilizações que possam ameaçar a legitimidade dos governos, não conseguindo controlá-las dentro das regras do jogo institucional vigente, os países latinos encontram-se a mercê das denominadas “forças multilaterais”, que não são mais do que a máscara da intervenção estadounidense.

Nestes termos, o aprofundamento da dependência econômica e política dos países latino-americanos, deslocando o poder decisório sobre as políticas nacionais em benefício do capital internacional – sendo refém do capital financeiro -, é o que denominamos enquanto um processo de recolonização. Isto significa que, cada vez mais, as políticas sociais e econômicas não somente são elaboradas fora do espaço nacional como elimina as possibilidades de elaboração de um projeto minimamente viável de desenvolvimento nacional, pois a lógica subjacente privilegia o mercado em detrimento de quaisquer outras variáveis.

Referências

  • CASANOVA, Pablo González. Globalidade, neoliberalismo e democracia. In:
  • GENTILI, Pablo (org.). Globalização Excludente. Petrópolis: Vozes, 2000.
  • LÊNIN, Vladimir Ilich. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1991.
  • Petras, James e Veltmeyer, Henry. El capitalismo al fin del milenio. Disponível em www.rebelion.org/petras/milenio-petras.htm.
  • SAMPAIO Jr., Plínio de Arruda. Entre a nação e a barbárie: os dilemas do capitalismo dependente em Caio Prado, Florestan Fernandes e Celso Furtado. Petrópolis: Vozes, 1999.