Uma reforma para liquidar a Democracia Sindical e a Autonomia dos Sindicatos

1 – Introdução

O primeiro objetivo deste texto é fazer uma breve análise das propostas sobre a Reforma Sindical que vem sendo construída dentro do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), e identificar, a partir daí, as conseqüências da implementação destas propostas, para o movimento sindical combativo em nosso país, que há 23 anos fundou a Central Única dos trabalhadores. Parte desse objetivo é esclarecer também o lugar da chamada Reforma Sindical dentro da estratégia do governo Lula e dos empresários, de avançar com a flexibilização/eliminação de direitos trabalhistas em nosso país.

O segundo objetivo é estabelecer o contexto mais geral em que se dá esta discussão, em que quadro político ela acontece, identificando a relação da luta contra essa reforma com as lutas mais gerais da classe trabalhadora brasileira neste momento.

Em terceiro lugar, apontar algumas propostas que precisamos empunhar, em alternativa à essa reforma de caráter neoliberal, e em quarto, sugerir passos concretos sobre como avançar no sentido de unir forças para essa luta, na medida em que as Centrais Sindicais (a CUT inclusive) transformam-se em parceiras do governo e dos empresários em mais este ataque contra os interesses da classe trabalhadora brasileira.

2 – Uma Reforma Sindical que Afronta Princípios Fundamentais da Tradição Cutista

Está em fase de finalização no Fórum Nacional do Trabalho (FNT) a construção da proposta de Reforma Sindical do governo Lula. A reunião da executiva Nacional da CUT aprovou o conteúdo desta proposta, em sua reunião de 4 e 5 de fevereiro, em completa contradição com princípios fundamentais da Central que ajudamos a fundar em 1980.

Um primeiro acordo feito entre governo, representação das centrais sindicais e representação empresarial desmembrou em duas fases a discussão e implementação da chamada Reforma Sindical e Trabalhista. Num primeiro momento, com proposta a ser enviada ao Congresso Nacional ainda em fevereiro ou março deste ano, seriam feitas as mudanças na legislação sobre organização sindical e relações de trabalho – a chamada reforma sindical. Num segundo momento, provavelmente em 2005, as mudanças na legislação sobre direitos trabalhistas – a Reforma Trabalhista.

Não por acaso foi feita essa divisão. Trata-se de uma negociação que prevê fazer agora concessões importantes à cúpula do movimento sindical, para depois modificar, flexibilizar ou mesmo eliminar direitos trabalhistas – seja na segunda fase da reforma, seja através de negociação coletiva – com a colaboração ou participação das centrais.

E as concessões à cúpula sindical não são pequenas. Na verdade elas já vêm sendo efetivadas na forma de cargos para dirigentes, na facilitação de acesso a verbas públicas para financiamento de projetos de serventia mais que duvidosa para os trabalhadores, na autorização para as centrais constituírem os seus fundos de pensão etc. No entanto, agora se trata de concessões estruturais que podem – se efetivadas – levar a profundas transformações no sistema de organização sindical e de relações de trabalho do país.

E estas transformações não apontam no sentido das mudanças pelas quais sempre lutamos, no sentido de buscar mais liberdade e autonomia sindical para fortalecer nossas organizações para a luta em defesa dos direitos e dos interesses da classe trabalhadora brasileira. Ao contrário, estamos frente à possibilidade de um retrocesso histórico que, de resto, pode comprometer de vez o projeto de central sindical que começamos a construir em 1983, quando fundamos a Central Única dos Trabalhadores.

O que pode mudar com a “reforma” sindical

São muitas as mudanças em discussão no FNT. Aqui, até por um problema prático (tamanho do texto), vamos tratar de cinco questões que consideramos fundamentais. Ao final do texto indicamos onde conseguir mais informações acerca dos debates no Fórum Nacional do Trabalho.

a) A Negociação e a Contratação Coletiva

A atribuição de negociar e contratar em nome dos trabalhadores, que hoje é exclusiva dos sindicatos de base (e submetida à aprovação de assembléia dos trabalhadores) passaria a ser exercida também pelas Centrais Sindicais. Aquele que é o poder mais importante da representação sindical – o de definir no contrato ou na convenção coletiva as regras de relações de trabalho, ou seja, os direitos dos trabalhadores – seria deslocado para a cúpula das centrais, ainda mais distante do controle da base.

Não há uma única linha escrita (em qualquer dos relatórios e informes das discussões do FNT) estabelecendo que estas negociações estariam submetidas às assembléias de base. E, por mais que um ou outro dirigente diga que essas negociações também dependeriam de aprovação de assembléias de base, é evidente a dinâmica que se abre, de buscar cada vez mais autonomia para a cúpula sindical negociar à revelia do que pensam os trabalhadores na base.

Já no Boletim 17, da secretaria de organização da CUT, ao informar os consensos alcançados no FNT, encontramos o seguinte: “as negociações de nível superior, quando existirem, deverão indicar as cláusulas que não podem ser modificadas em nível(is) inferior(es), observadas as peculiaridades de cada âmbito de representação e de empresas”. Ou seja, o pacote vai vir pronto de cima.

Seria a liquidação de um princípio fundacional da CUT – a autonomia e a soberania das assembléias dos trabalhadores na base – e a implantação no atacado do famigerado “sindicato orgânico” que a Articulação Sindical tentou implantar na CUT alguns anos atrás e não conseguiu pelo rechaço generalizado que esta proposta mereceu das bases da Central.

Não param aí os problemas. O mesmo boletim 17 informa que é “princípio” do processo negocial a “obrigatoriedade da negociação” e que “havendo recusa à negociação por parte das entidades representativas, pode ser conferida a outra representação sindical dos trabalhadores ou dos empregadores a titularidade da negociação”.
Ora, isso significa que se um sindicato se nega a abrir negociação reivindicada por uma empresa, sobre o direito ao décimo terceiro salário, por exemplo, ele pode ter sua representação transferida para outra entidade? O mesmo boletim 17 informa (como que a responder à essa questão) que a obrigatoriedade de negociar não significa obrigatoriedade de se chegar a um acordo. Ótimo! Mas o próprio boletim informa também que não havendo acordo entre as partes o processo vai à arbitragem. Arbitragem privada (escritório de advocacia, por exemplo) ou pública (justiça do trabalho). Bem, isso significa que a manutenção de um direito (como o décimo terceiro do exemplo acima) ficará na dependência do que resolver a arbitragem?

Em verdade o que se prepara são as condições para que os sindicatos, melhor dito, as Centrais Sindicais, possam negociar os direitos dos trabalhadores estabelecidos em Lei. O governo anterior tentou estabelecer esse critério com a mudança do artigo 618 da CLT e não conseguiu devido à resistência dos trabalhadores. Parece que o governo atual, com a apoio das Centrais volta à carga.

Aliás, o mesmo boletim 17 informa que, na proposta do FNT, entre os princípios estabelecidos para a negociação coletiva, está o de que “A lei não poderá cercear o processo de negociação coletiva”, e que “os instrumentos normativos decorrentes das negociações coletivas, desenvolvidos na forma da lei, terão plena eficácia e reconhecimento jurídico”. Nunca é demais lembrar que a flexibilização da jornada de trabalho através da lei do “banco de horas” (aprovada ainda no governo anterior) foi precedida por acordos de banco de horas assinado por sindicatos, inclusive alguns da base da CUT.

b) – O Controle da Estrutura Sindical nas Mãos da Cúpula Sindical

O segundo aspecto é a transferência para a cúpula das centrais do controle de toda a estrutura de representação sindical. Longe do princípio cutista e do sindicalismo combativo de defesa da liberdade e autonomia sindical, o acordo, negociado no FNT, simplesmente transfere o monopólio de representação hoje assegurado às atuais entidades pela “unicidade sindical” para a cúpula das centrais.

O que está escrito nos relatórios (boletim 16 da secretaria nacional de organização da CUT) é que se estabelecerão critérios para reconhecimento de uma entidade sindical, para que ela tenha acesso à atribuição de negociar e contratar em nome dos seus representados (não bastaria, portanto, a decisão dos trabalhadores, conforme prevê o princípio da liberdade e autonomia sindical). Haveriam critérios para reconhecimento de Centrais Sindicais, Confederações e Federações e Sindicatos.
“O reconhecimento das Centrais se daria a partir do cumprimento de 03 (três) dos seguintes critérios de representatividade:

a) A soma dos trabalhadores empregados sindicalizados NOS SINDICATOS de base da Central deve ser superior a 22% da soma dos trabalhadores empregados nas bases de representação de seus sindicatos.

b) A Central Sindical deverá contar com sindicatos reconhecidos em pelo menos 18 Estados da Federação, contemplando as cinco regiões do País.

c) Em pelo menos 12 desses Estados, a soma dos trabalhadores empregados sindicalizados nos sindicatos pertencentes a Central deve ser superior a 15% da soma dos trabalhadores empregados em cada um desses Estados.

d) Em pelo menos 50% dos setores de atividade econômica (07 setores), previstos na legislação, a soma dos trabalhadores empregados sindicalizados nos sindicatos de base da Central deve ser superior a 15% da soma dos trabalhadores empregados em cada um desses setores em âmbito nacional.”

Como se pode ver, isso passa longe de qualquer critério baseado na liberdade e autonomia sindical. Aliás, por estes critérios nem a CUT seria reconhecida legalmente no momento em que foi fundada, em 1980. Para o reconhecimento de Confederações e Federações, são estabelecidos critérios com o mesmo grau de rigor.

Mas vamos aos critérios para reconhecimento dos Sindicatos, que creio ser mais importante. O boletim 16 informa que todo sindicato novo, fundado após a aprovação da Reforma, para ter direito à representação sindical (ou seja direito de negociar) precisa ter pelo menos 18% da base que representa associada à entidade e, no período de 3 anos atingir pelo menos 22% de sindicalização. Ora, para não ir mais longe, seria preciso responder a uma pergunta muito simples: quantos dos atuais sindicatos filiados à CUT, no setor privado, seriam reconhecidos se no momento da sua fundação os critérios exigidos fossem estes? E mesmo que consiga obedecer a todos estes critérios, os sindicatos que vierem a ser criados não terão exclusividade de representação, ou seja, poderão ser criadas outras entidades na mesma base.

Mas a coisa não para por aí. Esta discussão atinge também os sindicatos já existentes, da seguinte forma: “Os sindicatos que aprovarem a exclusividade também deverão CUMPRIR os critérios de representatividade dentro do prazo de transição (3 anos), ou seja, 18% de sindicalizados na promulgação e 22% após os três anos. Ao término desse prazo o não cumprimento dos critérios de representatividade resultará na perda da EXCLUSIVIDADE, podendo nesta base serem constituídos outros sindicatos.” (boletim 16 da secretaria de organização da CUT). Ou seja, mesmo as entidades já existentes estarão sujeitas à perda da sua representação sindical para outra entidade, caso não cumpra os critérios baseados em número de sindicalizados.

No entanto, estes critérios não parecem aplicáveis a qualquer circunstancia. O “consenso” a que se chegou no FNT também estabelece que “Cada Central poderá constituir, a partir de seus sindicatos, estruturas organizativas próprias: Confederações Nacionais; Federações Nacionais, Estaduais e Interestaduais; Sindicatos Nacionais, Estaduais, Interestaduais, municipais e intermunicipais” (boletim 16, pg2, da secretaria de organização da CUT, acerca das discussões no FNT; o grifo é meu). Apesar de os dirigentes da CUT que estão no FNT negarem, o que está escrito aqui dá direito às Centrais Sindicais de constituírem os “seus” sindicatos, independentemente de qualquer critério.

Sendo assim, a exigência de “representatividade” acabaria valendo só para quem funda um sindicato sem a aprovação de alguma Central, ou seja só para a base. Em contrapartida, se qualquer Central (“reconhecida”, obviamente) quiser, poderá constituir suas estruturas próprias, ou seja, a cúpula estaria dispensada da exigência de representatividade na base para constituir seus sindicatos.

E há um outro aspecto tão grave quanto, que é estabelecer como critério para aferir representação o número de sindicalizados que tiver a entidade. Grave porque esse critério abre um espaço imenso para interferência do empresário na definição da representatividade ou não do sindicato. São inúmeros os exemplos conhecidos na base da CUT, de entidades do setor privado, que tem imensas dificuldades em sindicalizar trabalhadores porque as empresas simplesmente ameaçam com demissão quem for sindicalizado. Que o digam os companheiros do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim/MG, que há anos lutam contra a truculência da FIAT Automóveis que impede a sindicalização dos trabalhadores da empresa.

Este critério como está proposto favorece os sindicatos pelegos, que “não criam problemas para a empresa” e, portanto podem sindicalizar mais livremente. Só se poderia trabalhar com esse critério para aferir a representação das entidades quando houver a proibição da demissão imotivada ou estabilidade no emprego (bandeiras, aliás, abandonadas pelas Centrais neste momento da discussão). Sem isso a relação dos trabalhadores com o seu sindicato sempre estarão mediadas pelo poder de pressão das empresas.

Agora vejam bem o quadro que se forma se ligamos as coisas: 1) os sindicatos que vierem a ser criados precisarão obter pelo menos 22% de sindicalização na base, e mesmo assim não terão exclusividade de representação (poderão ser criados outros); 2) os sindicatos atualmente existentes precisam ter pelo menos 22% da sua base sindicalizada para não perder a exclusividade de representação; 3) alem disso os sindicatos não poderão recusar-se a negociar sob pena de perderem sua representação para outra entidade; 3) as centrais poderão constituir seus próprios sindicatos. É óbvio que estas regras colocam o controle de toda a estrutura de representação sindical, inclusive o sindicato de base, nas mãos da cúpula das Centrais Sindicais.
Ao contrário do que estabelece o princípio da Liberdade e Autonomia Sindical que nós defendemos historicamente na CUT, aqui não se busca criar facilitar as condições para que os trabalhadores de base tenham mais “liberdade e autonomia” para definir como querem se organizar. O que está em curso é uma maior centralização, pela cúpula, do controle da estrutura de organização sindical, para que as direções das Centrais venham a obter autonomia completa em relação à base, seja para negociar, seja para contratar em nome dos trabalhadores, sem ter que consultá-los para isso.

c) – Sobre o Financiamento da Estrutura Sindical

As mudanças na forma de financiamento da estrutura sindical obedecem ao mesmo padrão. Apresenta-se como uma vitória a extinção do malfadado imposto sindical (que leva do trabalhador um dia de salário ao ano no mês de março, o que corresponde a 3,3% de um salário mensal). Também seria eliminada a contribuição assistencial cobrada em muitas entidades no período das campanhas salariais, e que não era obrigatória.

No entanto, aquilo que se negocia em contrapartida é um desconto, por ocasião das negociações coletivas que seria obrigatório a todos (sócios e não sócios). E essa contribuição pode chegar a até 12% (ainda se discute no FNT a possibilidade de este teto ser elevado a 15%) de um salário mensal. Parte desse desconto será destinado diretamente às Centrais.

Alem deste presente de grego, tampouco se esclarece quem faria a arrecadação, pois na medida em que as Centrais poderão negociar e esta seria uma “taxa negocial” isto que dizer que as Centrais passariam também a substituir os sindicatos nessa arrecadação? Se a Central assinar um acordo, e nele estabelecer um desconto no valor de 12% (teto máximo) do salário dos trabalhadores afetados por esse acordo, isso significa que os sindicatos de base estariam impedidos de fazer qualquer outro desconto alem da mensalidade social?

d) – Sobre o Exercício do Direito de Greve

O que vem sendo alardeado pela imprensa é que se extingue a possibilidade de a justiça julgar “abusiva” uma greve. No entanto, o que está em discussão, acerca dos direitos, deveres e obrigações dos dirigentes sindicais e trabalhadores em greve, pode levar a um engessamento ainda maior dos trabalhadores, obstaculizando ainda mais o acesso ao exercício do direito constitucional de greve.

As propostas em discussão estabelecem que “nos serviços essenciais, a comissão de trabalhadores e os empregadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (proposta da bancada do governo endossada pela bancada dos trabalhadores no FNT, relatada na “Sistematização dos GTs Organização Sindical, Negociação Coletiva e Composição de Conflitos” apresentada à reunião da direção nacional da CUT em dezembro passado). Ora, sabemos perfeitamente que este tem sido um artifício usado recorrentemente por empresários e governos, para cercear o direito de greve dos trabalhadores. Agora passa a ser uma regra defendida por nós?

Essa mesma “Sistematização” informa que houve acordo entre as bancadas do governo e dos trabalhadores em propor mudanças na lei vigente, no sentido de estabelecer que, em uma greve “os meios adotados por empregadores e empregados não poderão violar ou constranger os direitos e garantias de outrem” e que “as manifestações e atos de persuasão utilizadas em razão do movimento grevista não poderão causar dano à propriedade ou à pessoa”. Vai ser difícil, dentro dessa lógica, justificar a utilização dos piquetes. Greve de ocupação, então….

Não adianta afirmar que a justiça do trabalho não poderá mais declarar “abusiva” uma greve, e, do outro lado, aceitar um “consenso” entre as bancadas do governo, dos trabalhadores e empresários estabelecendo que “a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos, ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civíl ou penal” (“Sistematização dos GTs ……..apresentada à direção nacional de dezembro passado).

É evidente que estabelecido isto em lei ficaria imensamente reforçada a capacidade da justiça comum intervir nos conflitos coletivos, com medidas como o “interdito proibitório”. Já há inúmeras decisões dessa natureza (que hoje acontecem ao arrepio da lei) em que juizes chegam a proibir os dirigentes sindicais de aproximar-se a menos de cem metros da portaria de uma empresa. Agora passaria a haver o embasamento legal, com as mudanças que “nós” estamos propondo na legislação!

e) – A Negociação e a Greve no Serviço Público

Sobre estas questões o que existe de informação dá conta do seguinte: Primeiro que a discussão sobre as especificidades do exercício do direito de greve dos servidores públicos deve ser remetida ao Ministério do Planejamento (a “Sistematização” apresentada à direção nacional de dezembro informa que houve acordo das três bancadas em torno à esta questão).

Segundo, que “devem ser definidos procedimentos especiais de negociação coletiva para os trabalhadores nos serviços e atividades essenciais e no serviço público, a serem fixados em lei”, conforme informa o boletim 17 da secretaria de organização da CUT.

Mais uma vez relega-se ao esquecimento as nossas bandeiras históricas de defesa do direito, pleno e efetivo, à negociação, contratação e à greve dos servidores públicos.

3 – Uma Reforma Sob Medida para o FMI, e que Prepara a Retirada de Direitos Trabalhistas

Como fica claro diante do exposto, não estamos diante de uma proposta de Reforma Sindical construída pelos trabalhadores para fortalecer sua luta em defesa dos seus direitos e interesses. Estamos diante de uma Reforma na Estrutura Sindical e no Sistema de Relações Trabalhistas preparada pelo governo e empresários, com a cumplicidade das direções das Centrais Sindicais. O objetivo é facilitar a flexibilização/eliminação dos direitos dos trabalhadores. Um modelo de organização parecido com o de alguns países europeus, adequado a uma prática sindical de colaboração e conciliação de classes presente lá e, cada vez mais, presente aqui também.

A Reforma Sindical, por um lado, faz concessões a estes dirigentes com o objetivo óbvio de cooptação e, por outro lado, dá à estes dirigentes a condição, que eles não tem hoje, de ajudar na flexibilização dos direitos dos trabalhadores através da contratação coletiva (hoje eles não podem faze-lo, pois só o sindicato de base tem a prerrogativa da negociação e contratação, sempre submetido à assembléia dos trabalhadores na base). A intenção é retirar direitos dos trabalhadores para “diminuir o custo Brasil” e, dito em bom português, aumentar o lucro dos empresários. Para ter mais facilidade em cumprir essa “tarefa” o governo quer a colaboração dos dirigentes sindicais, mais precisamente das direções das Centrais Sindicais.

Assim, é muito importante entendermos essa reforma que se está preparando no âmbito do FNT, como mais uma mudança que se faz no sentido de ajustar o Estado brasileiro e todo o seu ordenamento jurídico, aos moldes neoliberais, como foi também a mudança feita na Reforma da Previdência, na Reforma Tributária, e também com a anunciada Reforma Universitária, etc.

Essa é a relação dessa Reforma Sindical com o conjunto das demais políticas defendidas e aplicadas pelo atual governo. É conseqüência da obediência “canina” aos acordos com o FMI (construídos para assegurar a continuidade do pagamento da dívida interna e externa), às diretrizes do Banco Mundial, e voltadas para preparar o nosso país para a implantação da ALCA (que exige a uniformização, por baixo, dos direitos trabalhistas em todo o hemisfério).

A luta, portanto, contra essa Reforma Sindical deve ser entendida como parte inseparável da luta enfim, da luta por melhores salários, pelo direito à saúde, educação, à uma vida digna para os trabalhadores; da luta, portanto, contra o pagamento das dívidas e pela ruptura dos acordos com o FMI; da luta contra a Reforma Universitária e da continuidade da luta contra a Reforma da Previdência; da luta contra a ALCA e em defesa da soberania do nosso país.

4 – Construir a resistência contra essa Reforma Sindical e Trabalhista

a) Uma Alternativa dos Trabalhadores

A construção dessa resistência exige em primeiro lugar a compreensão clara acerca da natureza da proposta construída no FNT e sobre a necessidade de derrota-la globalmente. É uma proposta de natureza neoliberal, portanto globalmente contrária aos interesses dos trabalhadores.

Mas exige de nós também, a apresentação de uma alternativa dos trabalhadores, que possa se transformar na bandeira a ser empunhada pela nossa classe, em sua luta contra essa Reforma e para defender e buscar ampliar seus direitos.

Neste sentido, é importante que resgatemos as nossas propostas históricas a respeito das mudanças na legislação trabalhista e sindical. Ou seja, em alternativa às propostas que vem sendo construídas no FNT apresentaremos para o debate na nossa base e na sociedade, o conjunto de nossas propostas, construídas em base aos nossos princípios – da defesa da liberdade e autonomia sindical; a defesa da unidade da classe trabalhadora como pilar básico de sua organização sindical; e na defesa da democracia sindical, que implica o respeito às decisões soberanas tomadas pelos trabalhadores em seus organismos de base.

Mas, ao mesmo tempo devemos manter a exigência de que o governo e o Congresso Nacional adotem os pressupostos aprovados no 8º CONCUT, para que a reforma em discussão em nosso país não se transforme num processo de eliminação e flexibilização dos direitos dos trabalhadores em benefício dos empresários. São estes os pressupostos:

– Manutenção da garantia em lei, de todos os direitos sociais e trabalhistas da nossa classe, sendo que o processo negocial somente poderá modifica-los para cima, para melhora-los e não no sentido da flexibilização;

– Garantia em lei da estabilidade no emprego, ou como mínimo a proteção contra demissão imotivada;

– Redução da jornada de trabalho, sem redução salarial;

– Eliminação de todo o entulho “flexibilizador” deixado pelo governo anterior, com revogação imediata da lei do banco de horas, do contrato temporário, da demissão temporária, etc;

– Garantia do direito à organização dos trabalhadores no local de trabalho;

– Garantia plena ao direito de exercício da atividade sindical, dos dirigentes sindicais e dos representantes de base, dentro e fora do local de trabalho;

– Garantia plena do direito de negociação e contratação para os trabalhadores do setor público;

– Garantia plena ao exercício do direito de greve para os trabalhadores do setor público e privado, com o fim da criminalização da atividade sindical (multas, interdito proibitórios, demissões de dirigentes e representantes de trabalhadores, etc);

Estabelecer estes pressupostos como exigência prévia para esse debate significa a recusa em discutir de forma pontual e fatiada a reforma sindical e trabalhista, pois levaria seguramente à prejuízos para os trabalhadores. Nossa luta não pode, portanto, reduzir-se à busca de promover mudanças pontuais ou emendas nesta proposta, deve ter como objetivo derrota-la globalmente, inviabilizar a sua aprovação.

Para nós está claro que a conquista da Liberdade e Autonomia Sindical é inseparável de todas essas garantias apresentadas nessa resolução como pressupostos. Não acreditamos que haverá liberdade de organização sem que haja garantia de emprego, direito de organização na base e livre exercício da atividade sindical, inclusive direito de greve.
Por outro lado, é muito importante que a luta contra a Reforma Sindical e Trabalhista aconteça de forma plenamente integrada com as lutas mais gerais a que os trabalhadores do nosso país estão chamados hoje: a luta contra o pagamento das dívidas, externa e interna, pela ruptura dos acordos com o FMI, contra a ALCA, pela retirado do Brasil dessas negociações e pela convocação do plebiscito oficial para 3 de outubro deste ano, contra a Reforma Universitária, etc.

Enfim, a luta contra a Reforma Sindical tem que ser entendida pela nossa base, e por toda a sociedade, como parte da luta dos trabalhadores e do povo pobre desse país contra um modelo econômico que escraviza o povo e recoloniza o país, para atender interesses dos grandes grupos econômicos internacionais.

b) Organizar a Mobilização

Está claro, depois de tudo que está dito acima, que não podermos contar com a direção das Centrais Sindicais para resistir contra essa reforma. Pelo contrário, ter clareza que as direções das Centrais, inclusive da CUT, serão nossas adversárias nesta luta é importante para buscarmos construir o processo de mobilização desde a base, fugindo da paralisia que poderia ser gerada em torno à expectativa do que a direção da CUT (nem vale a pena falar das outras Centrais) vai fazer. A prática da direção da CUT, desde a posse do novo governo já demonstrou, uma e outra vez, a sua política de subordinar nossa Central às políticas do governo Lula. O que estamos assistindo agora é um aprofundamento e um salto neste processo, com conseqüências trágicas para o movimento sindical brasileiro.

Precisamos então organizar o nosso próprio processo de lutas, apoiado nas entidades, dirigentes e ativistas, de sindicatos filiados ou não à CUT, que tenham disposição de lutar contra mais esse ataque aos trabalhadores e de defender as bandeiras históricas da nossa classe no que diz respeito à essa questão: liberdade de organização; unidade dos trabalhadores em seus sindicatos de base; autonomia dos sindicatos frente aos patrões e aos governos; democracia sindical e soberania das decisões da base em suas assembléias.

Para isso é importante constituir um espaço de articulação (desculpem a falta de uma palavra melhor) que permita unir e colocar em movimento todos os que querem lutar. Que, a partir daí, fortaleça nossa capacidade de discussão e convencimento junto à nossa base e à toda a sociedade, para dessa forma construirmos uma massa crítica que dê base à uma grande mobilização capaz de derrotar essa Reforma.
Não estamos discutindo e muito menos propondo a desfiliação da CUT ou a construção de uma nova Central. O que queremos neste momento é atingir um objetivo muito mais simples, mas fundamental. Unir todos os que querem lutar para que possamos lutar mais e melhor. Este é o passo que todos nós – que somos cutistas e mantemos erguidas as bandeiras da fundação da nossa Central – temos a obrigação histórica de dar neste momento.

Creio, por fim, que o Encontro Nacional Sindical, que está sendo organizado para os dias 13 e 14 de março, em Brasília, por várias entidades sindicais, poderá ser um momento importante para essa discussão. Para que se possa refletir e extrair conclusões acerca das idéias colocadas neste texto e sobre muitas outras, de outros companheiros e entidades que, sem dúvida, enriquecerão este debate.

* Zé Maria é membro da Executiva Nacional da CUT e Secretário Geral da Federação Nacional dos Metalúrgicos da CUT

Bibliografia:
os materiais que eu cito neste texto, bem como outros informativos acerca deste mesmo tema, estão no site da CUT (www.cut.org.br), no item “secretaria de organização”.
Informações sobre o Encontro Sindical Nacional de 13 e 14 de março podem ser obtidas no e-mail [email protected]