Como observou um amigo, a grande imprensa e o Grupo do Planalto estão fazendo de tudo para tornar folclórica a figura do deputado Severino Cavalcanti. Nesse esforço misturam-se elementos díspares: desde preconceitos vulgares contra a Região Nordeste até sentimentos progressistas sinceros. Porém, o resultado da folclorização é apenas um: ocultar que a fragorosa derrota de Luis Eduardo Grenhalg tem raízes políticas sólidas e representa um grande abalo na política governamental. Convém acrescentar que, até aqui, a esquerda pôde se aproveitar um pouco da vitória desse deputado conservador. Ou seja, a derrota do Governo Lula tem sido positiva para os movimentos populares.

O Executivo vem governando de forma ditatorial, através de decretos-leis, em proveito, fundamentalmente, do grande capital financeiro nacional e internacional. O Grupo do Planalto ampliou um pouco a base burguesa do modelo neoliberal brasileiro. O estímulo (colonial) às exportações está enchendo os bolsos da burguesia interna ligada à agricultura e à indústria de produtos de baixa sofisticação. Porém, mesmo esse esforço exportador visa reequilibrar as contas externas e permitir, desse modo, que o grande capital financeiro continue recebendo uma remuneração elevada (taxa de juros, pagamento da dívida) e possa ingressar e sair sem obstáculos do país (num determinado nível, o desequilíbrio externo impede essa livre circulação). Ou seja, a burguesia interna está ganhando algo com o Governo Lula, mas na medida das necessidades do capital financeiro.

Ocorre que grande parte das pequenas e médias empresas e das empresas que não exportam continuam insatisfeitas com a política de juros e com a ditadura do Grupo do Planalto. Severino Cavalcanti verbalizou os interesses desse setor. O fato de ele ter prometido aumentar o salário dos deputados não muda nada nisso. O Grupo do Planalto também compra votos, embolsa verbas, e os deputados do PT também se locupletam com os R$ 71.000,00 mensais que custam aos cofres públicos. A diferença entre o governo e o candidato da oposição não estava aí.

Isso não quer dizer que Severino Cavalcanti seja um aliado do movimento popular. Trata-se de um deputado conservador no plano dos costumes e no que diz respeito aos grandes interesses populares. Mas é inegável que ele se voltou contra o que considera um “exagero“ na emissão de medidas provisórias e contra a política do Grupo do Planalto de defesa dos interesses financeiros. Ele atacou em várias frentes: exigiu a ida à Câmara do arrogante vende-pátria e novo Czar da economia Antonio Palocci, já impôs pequenas mudanças na medida provisória que visa aumentar impostos (inclusive das pequenas e médias empresas e dos profissionais liberais) apenas para continuar remunerando o capital fianceiro, e engrossou o coro contra a política de juros e contra a autonomia do Banco Central.

Há, também, as conseqüências involuntárias da eleição de Severino Cavalcanti. O Grupo do Planalto ficou momentaneamente na defensiva na Câmara dos Deputados. A eleição de Severino Cavalcanti e a derrota de Luis Eduardo Grenhalg, o mesmo que tinha prometido aos deputados ruralistas que, se eleito, iria flexibilizar a Lei Áurea, esses fatos foram aproveitados pela minoria progressista do PT, como noticiam os jornais de hoje, para obrigar a maioria conservadora desse partido a aprovar moção contra a votação neste ano do projeto de flexibilização do direito do trabalho e do projeto de autonomia do Banco Central, ambos arquitetados pelo Grupo do Planalto e seus acólitos. No que diz respeito à reforma sindical, já exigem prazo dilatado e muita discussão para sua votação.

Se o deputado Luis Eduardo Grenhalg tivesse sido eleito, será que Palocci teria ido à Câmara? Será que já estaria recuando na sua medida provisória? Será que a minoria petista teria imposto algo à maioria conservadora do partido?

Quem é folclórico? Severino Cavalcanti, que já opina sobre a sucessão presidencial e dá uns pitacos na reforma ministerial, ou o deputado que renegou a Lei Áurea para ser eleito e acabou vergonhosamente derrotado?

O movimento popular não pode confiar nada a Severino Cavalcanti e nem ao Grupo do Planalto. Fazem parte de um mesmo e único governo e as diferenças entre eles não são muito importantes. Mas é educativo ver nas telas da TV os arautos da nova direita como meros figurantes ao lado de Severino Cavalcanti; é educativo ver o novo Presidente da Câmara mandar José Genoíno calar a boca e verificar que o presidente do PT baixou a cabeça e a voz (“Não posso bater boca com o presidente da Câmara“); enfim, é educativo ver esses mesmos indivíduos que falaram e falam grosso contra os trabalhadores, contra a universidade, contra os funcionários públicos, se acovardarem diante da velha direita.

Armando Boito Jr. é professor titular do Departamento de Ciência Política da Unicamp e editor da revista Crítica Marxista.