A seguir, a íntegra da fala de Valério, no debate, “A esquerda e o conflito com a democracia burguesa na América Latina”“Não é acidental que a história nos tenha reunido nesta mesa de debate hoje. A experiência da FMLN com a degeneração da maioria de sua direção, ou a adaptação à democracia da maioria da direção dos Tupamaros, e a desorientação que produziram, não levou à desmoralização todas as forças revolucionárias e liberou correntes de esquerda, depois de difíceis lutas internas. No Brasil, nós não tivemos uma guerra civil dramática como a de El Salvador, nem enfrentamos uma experiência de guerrilha urbana tão longa e tão heróica como a do Uruguai, embora muitos dos mais abnegados tenham sacrificado suas vidas na luta contra a ditadura.

Mas, a verdade é que a situação da esquerda revolucionária e socialista do Brasil não é muito melhor. Algo aconteceu nos últimos 15 anos que devastou as fileiras da esquerda revolucionária brasileira. Aqueles que viveram a experiência da luta contra a ditadura, se lembram que existiam neste país no final dos anos 70, além da Convergência Socialista – que esteve presente com o principal de suas forças na fundação do PSTU – pelo menos outras cinco organizações com mais de mil militantes, cada uma delas, com diferentes interpretações do marxismo, que reivindicavam a revolução socialista. E digo com pelo menos mil, porque algumas tinham mais de mil ativistas. Essas organizações, que respondiam por siglas como – AP (Ação Popular), OSI (Organização Socialista Internacionalista), PRC (Partido Revolucionário Comunista), MEP (Movimento de emancipação o Proletariado) e ORM-DS (Organização Revolucionária Marxista-Democracia socialista) – a rigor, enquanto organizações revolucionárias, não existem mais, ainda quando tendências internas ao PT sejam suas herdeiras. Os seus dirigentes, no entanto, ainda estão ativos e, presumo, muito satisfeitos: são deputados, são senadores, prefeitos, e até ministros em alguns casos, que foram eleitos pelo PT. Nós não tivemos os mortos de El Salvador, não tivemos a prova das prisões do Uruguai, mas boa parte da esquerda revolucionária brasileira, mesmo sem os mortos e sem a cadeia, integrou-se, reconheçamos, até alegremente, dentro do regime democrático. Não têm, contudo, o álibi dos mortos, não têm o álibi da guerra civil.

Isso exige uma explicação. Por que aconteceu?

É preciso discutir o significado histórico da democracia-liberal, da democracia do capital, da democracia burguesa contemporânea e por que este regime tem esta força de gravidade, que destruiu uma geração inteira de organizações revolucionárias. Algo tem de explicar este processo, e tem importância estratégica para o futuro, se não queremos cometer os mesmos erros.

A partir de nosso olhar, desde o Brasil, um país da periferia do sistema, sem muita tradição marxista, e nos atrevendo a procurar uma explicação para um processo que foi internacional, e já tem uma dimensão histórica, estas pressões terríveis, impostas pelos regimes democráticos, vêm tendo efeitos devastadores sobre as organizações operárias em geral, e sobre os movimentos e partidos revolucionários em especial, há muito tempo. Há 100 anos atrás, na Alemanha, a primeira experiência de um partido operário de massas, que tinha várias alas, não tinha somente uma corrente majoritária, o partido no qual havia uma tremenda luta interna encabeçada por Rosa Luxemburgo, aos poucos, o partido de Engels foi se integrando ao regime da democracia prussiana, aceitando até o imperador, o Kaiser. Renunciaram a levantar sequer a bandeira da República. Era proibido no partido operário alemão levantar a palavra de ordem elementar de abaixo o rei. Rosa Luxemburgo, quando escreveu para a revista do partido o ensaio exigindo a palavra de ordem “abaixo o imperador” foi censurada. O artigo saiu da publicação. Este fenômeno da adaptação aos limites da legalidade democrática não é, portanto, novo.

O calendário eleitoral do regime democrático burguês exerce, há pelo menos 100 anos, uma força de pressão terrível sobre todas as organizações revolucionárias. De dois em dois anos, as vezes menos, há eleições, e se cria a ilusão de que se pode mudar a vida e satisfazer as reivindicações, mudando o partido que está no Governo. Em todos os países, em maior ou menor medida, a agenda das organizações que reivindicam o projeto da revolução passou pela preparação para as eleições: adaptação às exigências jurídicas da legalização, levantamento de fundos, escolha de candidatos, controle de gabinetes, deslocamento de quadros, e tudo o mais que vem depois com a renovação de mandatos. E são raríssimos os casos das organizações revolucionárias que conseguiram sobreviver a essas pressões. Nenhuma organização, nem a mais revolucionária do século XX, que foi o bolchevismo russo, passou incólume, de forma indolor, a prova da democracia burguesa. Todas as organizações revolucionárias ou sucumbiram, ou se dividiram, ou surgiram lutas políticas tremendas em seu interior.

O problema das reservas metodológicas, dos reflexos defensivos, não é só de análise política. Só a política revolucionária não nos protege. Há uma discussão de estratégia de luta pelo poder incontornável, que remete à concepção de partido: não somos somente uma corrente de idéias em lutas contra outras correntes de idéias. Somos uma organização de conspiradores, cercados de inimigos, e devemos nos organizar como conspiradores sérios.

Podemos reconhecer, por exemplo, sem empáfia, que o que é o governo Lula ou o governo Kirshner, não nos surpreendeu. No Brasil, nós cometemos muitos erros nos últimos 20 anos. Mas um erro não cometemos: Lula, para nós, não foi uma surpresa. Nós prevíamos que o governo Lula seria um governo de capitulação ao capital. Nós prevíamos que iria ceder ao Fundo Monetário, manter boas relações com o imperialismo, que iria continuar pagando a dívida externa. Não é presunção, isso está amplamente documentado, porque o dissemos na televisão para milhões, quando Zé Maria foi candidato à presidência, e por duas vezes.

A verdade, entretanto, é que nós, durante uma década, desde 1992, de fora do PT, intervindo nos sindicatos, na CUT e na UNE fazíamos um chamado, permanentemente, à frente única para lutar. Nossa expectativa era construir blocos que abrissem uma via para a ação das massas junto com a esquerda do PT e da CUT. Rompam com a Articulação, unam-se a nós! Eram nossos apelos sistemáticos. Doze anos de nossas vidas dedicamos a isso. Há que reconhecer que fomos teimosos, somos gente perseverante.

Mas, o que para nós foi uma surpresa foi que, quando Lula chegou ao governo, a esquerda do PT entrou no governo. Não entraram enganados, por desentendidos, ninguém estava distraído. Lula anunciou desde o primeiro dia: vamos pagar a dívida. Uns foram para o Ministério da Reforma Agrária, outros para o MEC, para a Saúde, até para a Pesca – o que não deixou de ser divertido – enfim, em todos os escalões, não houve cargo que Lula oferecesse, que a esquerda do PT não aceitasse.

Ficamos decepcionados, porque nós esperávamos, pelo menos, que se dividissem, que haveria uma convulsão, éramos prudentes com a palavra, dizíamos deslocamentos internos dentro da Articulação de Esquerda, quem sabe na Força Socialista, na DS. Esperamos e esperamos. Mas fomos decepcionados.

Menos de 10% da esquerda da CUT e do PT romperam, o que é progressivo, mas é pouco. Sejamos claros. Não queremos desvalorizar a importância de quem rompeu, portaram-se bem. Do nosso ponto de vista, romperam muito atrasados, mas não importa, isso agora é balanço da história. Mas, menos que 10% dos que reivindicavam o programa revolucionário romperam. Em outras palavras, nove em cada dez dos militantes das correntes que formavam a esquerda do PT e da CUT estão apoiando o Governo e, quem sabe, vestindo camisetas de 100% Lula, neste espetáculo espantoso que foi sua presença anteontem aqui no FSM, o que é uma vergonha!

Isso exige uma explicação. Serena, com tranquilidade. Uma explicação objetiva, materialista, se possível, marxista, portanto, se formos capazes, uma análise que procura identificar as pressões de classe, capaz de integrar essa nossa experiência no Brasil com o drama do Uruguai, com a tragédia de El Salvador, e construirmos uma visão conjunta do que está acontecendo com o marxismo revolucionário. E quando digo marxismo revolucionário não estou falando só daqueles que reivindicam a trajetória da Quarta Internacional. Não somos cegos ao ponto de ignorar que, depois de 68, surgiu uma esquerda em escala mundial que rompeu com o stalinismo e com a social-democracia e que não se aproximou, na sua maioria, da Quarta Internacional. Tiveram outras experiências. Uns ficaram impressionados pela revolução cubana, outros pela revolução chinesa, muitos eram nacionalistas revolucionários. O fato é que hoje sobram muito poucos movimentos e organizações que têm em seu programa a estratégia da revolução socialista, ou de resto, de qualquer revolução. Têm formulações obscuras, herméticas, estranhas: por exemplo, “um processo de rupturas democráticas que radicaliza a democracia no processo revolucionário de construção de um contra-poder”. Há fórmulas bizarras, em que não entra, claro, a questão chave: a estratégia é tomar o poder ou não é? Porque para radicalizar a democracia, não precisa tomar o poder. Estas fórmulas permitem muitas interpretações.

A verdade é que dentro do movimento revolucionário, boa parte da esquerda marxista, quando renunciou à luta armada, fosse na forma tática de guerra popular prolongada, fosse na forma tática do foquismo urbano, fosse a nossa tradição trotskista da insurreição urbana proletária e popular, abraçou uma interpretação da estratégia política como sendo estratégia eleitoral. Não nos enganemos, esta tese eleitoralista não é o mesmo que participação em processos eleitorais.

Nos anos 80, o PT, que nunca foi um “partido revolucionário em construção” como a história confirmou, embora muitos marxistas europeus vinculados à tradição do SU ainda não tiveram tempo de fazer a auto-crítica, mas um aparato burocrático sindical-eleitoral reformista – ainda que com correntes revolucionárias e centristas em seu interior – apoiava lutas. Na segunda metade dos anos 80, no governo Sarney, já depois da queda da ditadura e das Diretas, o PT apoiava as greves. Apoiava até greves gerais. Fazia declarações retóricas, é certo, mas os deputados apoiavam as greves. Isso não é sinônimo de estratégia revolucionária. Claro que há revolucionários tão sectários que não têm o instinto político elementar de que a sua ação prioritária tem que ser nas lutas de massas, sejam as ocupações de terras, sejam as greves, as mobilizações universitárias, as passeatas, enfim, as ações diretas do povo. Mas, o inverso não é verdade. Os reformistas também podem participar das ações diretas. Muitos dos mais lúcidos intervém nas greves para sabotá-las, desviá-las, isolá-las, para conservar o controle dos sindicatos, cavalgam as lutas para defender suas posições dirigentes. Claro que para eles o mais importante são as eleições, mas se puderem usar o terreno da ação direta, enquanto ela for limitada à forma de um protesto que não abala os alicerces da dominação burguesa, e sirva para deslocar a opinião pública do país em direção a um sucesso eleitoral futuro, os reformistas dão corda.

Os mais jovens não viveram este processo e podem retirar conclusões unilaterais porque, nos anos 90, a ação do PT não foi igual à dos anos 80. Nos anos 90, antes de chegar ao poder, para garantir a governabilidade de Fernando Henrique Cardoso, o PT sabotou, sistematicamente, qualquer possibilidade de unificação das organizações de massas, mesmo quando elas estavam ainda no terreno limitado de um protesto, de mobilizações parciais. Bloqueava, estrangulava, suspendia assembléias. Mas, nos anos 80, não. Conduzia, por suposto, permanentemente, a ação direta das massas para uma única saída política: por dentro do processo eleitoral, chegar à presidência da República e, em não chegando, eleger a maior quantidade possível de deputados, senadores etc.

O fato é que esta concepção política de que a mudança da correlação de forças só pode ser feita por meio de sucessos eleitorais criou raízes profundas na consciência de milhões de pessoas que foram mais ou menos ativos nos últimos 15 anos no Brasil. Tanto é assim que um dos critérios fundamentais que boa parte do ativismo sindical hoje usa para decidir a sua adesão política é se uma organização, por exemplo o PSTU, é eleitoralmente viável ou não. Isto é uma herança desta deseducação política, desta confusão ideológica que vem desde os anos 80. Não é verdade que a acumulação de forças é dependente dos processos eleitorais. Os processos eleitorais é que são conseqüência das mudanças nas relações sociais de forças, e não o contrário. Lula, muito antes de ser um sucesso eleitoral, ganhou influência de massas sobre milhões de trabalhadores e jovens em São Paulo, e em menor medida no Brasil, porque foi o líder das greves de 77 a 80. Durante esses anos, Lula esteve à cabeça, com muitas hesitações é sempre bom lembrar, das grandes greves do ABC. Isso o fez grande, lhe deu autoridade, e quando veio a grande vaga de lutas, a partir das Diretas em 1984, Lula era a referência do processo imediatamente anterior. Este capital inicial vem sendo o oxigênio do qual Lula vive até hoje. Ele está usando esse capital desde 1980. Esse capital não é inesgotável, mas é disso que Lula vive até hoje.

Não foi diferente de outras fases de nosso país ou em outros países. No Brasil, antes de Lula, a grande liderança que representava a esperança de milhões de brasileiros, foi Luís Carlos Prestes, do PCB. E Prestes, em toda a sua vida, participou de uma única eleição. Quando foi eleito senador pelo Rio de Janeiro já era uma figura de massas. Não é verdade que as massas selecionam sempre seus líderes entre candidatos aos processos eleitorais. As verdadeiras lideranças dos setores organizados do povo surgem, como sempre surgiram, e surgirão no futuro, das grandes lutas das massas e das provas de força que selecionam homens e mulheres que estão à frente de cada uma das lutas.

E foi por ter dirigido greves que Lula se credenciou. O processo, em escala mundial, também foi assim antes. Sendic se fez grande, não porque participou de eleições, mas porque encabeçou, de armas na mão, a luta contra a ditadura militar e depois atravessou com dignidade e orgulho inquebrantável um isolamento de 11 anos na cadeia. Não foram os processos eleitorais nem os programas de televisão que lhe deram autoridade.

A estratégia eleitoralista, independente da retórica mais ou menos esquerdista, é aquela que pensa: ai de nós, sem televisão não há vida de esquerda; sem televisão e sem mídia, não há política revolucionária. Nós não pensamos assim. Nós pensamos que a pressão do regime democrático-burguês é brutal porque permite uma vida medíocre e tediosa, uma sobrevivência rotineira mesmo dos mais abnegados militantes revolucionários, em torno de projetos imediatistas como conquistar um aparato sindical e, muito mais freqüentemente, usar uma vida sindical para depois se transformar em algum tipo de parlamentar. Então, funciona assim: a primeira greve é o jardim de infância, a segunda greve é o ensino secundário, a terceira greve é o ensino superior e já vai para a direção da CUT. Depois, passando pela direção da CUT, recebe o diploma de pós-graduação para poder ser candidato a vereador. Aí faz o mestrado de vereador. Se for bem, já pode concorrer a um doutorado de deputado estadual. A partir daí, o céu é o limite. E a verdade é que essa experiência histórica vivida pelo PT não se reduz à Articulação, mas atingiu toda a esquerda brasileira, inclusive nós. Entretanto, nós sobrevivemos. Mas à nossa maneira, a maneira brasileira, aprendendo com os nossos erros, porque somos uma esquerda muito empírica. Aprendemos também porque tínhamos um legado que ficou da geração anterior deixado por Moreno que nos alertava para coisas simples, mas que ficaram na memória dos quadros de nossa organização.

Assim, quando nós tivemos deputados começamos a gastar muito mais dinheiro do que podíamos gastar para construir o partido, porque os salários de nossos líderes sempre foram miseráveis. Muitos quadros muitas vezes pressionavam: não podemos continuar vivendo do dinheiro do Parlamento, redução de gastos, menos profissionais, fechar sedes, gastar menos, viver do dinheiro das cotas dos militantes. Isso trouxe crise, isso foi doloroso e, algumas vezes, produziu confusão e até, infelizmente, hemorragias dentro de nossa corrente. Mas sobrevivemos.

Sobrevivemos porque nunca fomos somente uma corrente de idéias, sempre fomos uma organização militante, centralizada em organismos, um coletivo disciplinado, não somos os seguidores de nenhum grande chefe infalível, de nenhuma liderança carismática, de nenhum grande orador ou parlamentar. Nós aprendemos que não se pode viver do dinheiro de mandatos, que não se pode ter mais profissionais que a militância e o apoio do movimento de massas pode sustentar. Temos quantos revolucionários profissionais quanto recolhermos do apoio sacrificado do dinheiro que a militância e os trabalhadores entregam para que o PSTU possa existir no Brasil. Vivemos desse dinheiro, e nenhum centavo a mais.

E a primeira lição então é como sobrevivem as organizações que aprendem a ser humildes e pobres. Porque os bolcheviques eram pobres, e viviam com salários de fome e usavam, freqüentemente, o pouco dinheiro que tinham para comprar livros, estudar idiomas, para se capacitarem.

Mas ter finanças separadas do Estado não é o bastante. É insuficiente para nos protegermos do efeito devastador da pressão eleitoralista dos regimes democráticos, e nos deixou nesta solidão revolucionária. Nós precisamos de outros escudos, de outros antídotos, de outros remédios. Em primeiro lugar, precisamos ter relações estreitas com os trabalhadores. Temos de procurar um caminho para as massas, nos unir às lutas dos trabalhadores. E isso não se faz procurando, a qualquer preço, o sucesso eleitoral, por exemplo, aceitando qualquer um que queira entrar, ou qualquer aliança que vai ampliar o tempo de TV. Por outro lado, procurar as lutas, incentivar e estar sempre ao lado delas, procurando uma via para a vitória, mesmo que indo além dos limites legais, ocupando fazendas como o MST, ou prédios públicos como o funcionalismo, ou fazendo reféns como os operários da GM fizeram nos anos oitenta, pode não trazer votos, e pode levar até a perder votos, se a situação for adversa. E por isso nós temos diferenças com os dirigentes do PSOL, porque eles, em nossa opinião, se mantiverem o caminho do ano passado – legalizar antes de ter programa, ter candidato antes de ter concepção de partido – subestimam a tragédia de toda uma geração que foi destruída pelo eleitoralismo. Por isso nos foi impossível aceitar as condições de janeiro de 2004, o que nós interpretamos como o ultimato das claúsulas pétreas sobre as tendências internas, porque para nós a única cláusula pétrea é a defesa do caráter revolucionário da organização. E vejam bem, que nossa corrente, se remetermos às organizações que anteciparam a fundação do PSTU, é a única no Brasil, sim a única, que reconhece e pratica o direito de tendência em períodos de pré-congresso, há mais de vinte e cinco anos. Nossa história é, também, a história de nossas lutas internas, com muito orgulho.

Quem subestima essa tragédia histórica de pelo menos 50 mil militantes que se passaram para o lado de lá, está caminhando com os olhos fechados, está preparando sua sepultura política. Para nós nos defendermos da pressão do regime democrático precisamos de lucidez e vigilância. Precisamos nos aproximar das massas, dos setores que lutam, não com o objetivo de ocupar posições para o nosso sucesso eleitoral do futuro, mas com o objetivo de apoiar as lutas, e disputar sua direção para levá-las à vitória. E se isso envolve a ruptura com os limites da legalidade burguesa, não importa se seremos reprimidos, teremos de fazer as ações que sejam necessárias. Isso significa saber que haverá represálias. Que o Estado burguês, como nos ensinou Petras, existe como um aparato duro, cuja função é preservar a ordem e a propriedade privada, que não hesitará em aplicar a violência mais implacável sobre aqueles que ameaçarem a sua dominação.Preparar-se para as represálias significa que não se pode construir uma organização revolucionária como se constrói uma escola de samba. Uma escola de samba tem muitas alas, e pode expô-las publicamente com toda a alegria do mundo, porque não se prepara para ser atacada no sambódromo. Ninguém pode prender o porta-bandeira.

Não se ofendam com a metáfora, as revoluções têm os seus dias de alegria, e nós não esquecemos dos sambas que as massas cantaram nas ruas nos anos oitenta. Revoluções têm boas musicas, como na piada dos anarquistas espanhóis. Mas, um partido para fazer a revolução precisa de muita disciplina. É como uma cidade sitiada, uma fortaleza cercada de inimigos por todos os lados, e deve estar sempre preparada para se defender, e por isso tem claras suas fronteiras, só entra na cidade quem merece confiança, porque uma cidade sem muralhas não pode se defender, está sempre vulnerável à pressão dos inimigos de classe. A burguesia e o capital são tão poderosos que a lição fundamental dos últimos 100 anos é que constroem seus agentes e aparatos contra-revolucionários no seio do movimento de massas, e precisamos derrotá-los, sem desprezar que não é possível lutar sem sofrer pressões. Só quem não sai de casa permanece incólume. Mas, sem disciplina, não há como resistir, não há como vencer, não há eficácia revolucionária.

Precisamos mais do que nunca de uma esquerda revolucionária educada, culta, dedicada a aprender com as experiências dos outros, como a experiência de El Salvador, como a experiência dos Tupamaros, no Uruguai, em saber porque se tornaram social-democratas e também em nosso país, entender a história das revoluções do século XX, as experiências revolucionárias. O nosso terceiro escudo é o marxismo e o quarto é o internacionalismo. Se não formos internacionalistas, pensando que o Brasil é o centro do mundo, estaremos condenados ao fracasso.

E por último, quero lembrar o que nos deixou Leon Trotsky, quando ao voltar à Rússia, tomou a palavra na estação de trens de Petrogrado, que a lição fundamental da história das revoluções derrotadas se reduzia a três fundamentos.
Primeiro: confiar apenas na força dos trabalhadores para transformar o mundo. Só a sua mobilização é capaz de mudar o mundo.
Segundo: desconfiar sempre do inimigo de classe; nenhuma confiança no capital e na burguesia.
Terceiro: Controlemos os nossos chefes, controlemos os nossos chefes, controlemos os nossos chefes.“