Polêmica sobre a punição dos torturadores da ditadura militarO governo Lula, mais uma vez, não esconde suas intenções em livrar da Justiça os responsáveis pelos bárbaros crimes cometidos pela ditadura militar. A crise foi aberta há meses atrás quando o ministro da Justiça, Tarso Genro, opinou que a Lei de Anistia fosse revista.

A lei foi aprovada em 1979, sob o regime militar pelo general João Batista Figueiredo, e previa a anistia para os que sofreram torturas e prisões nos porões da ditadura, quanto aos torturados e assassinos. Dessa forma, a Lei de Anistia impediu que os militares fossem punidos, bem diferente da situação de outros países da América Latina, como a Argentina, onde muitos dirigentes da ditadura foram julgados e condenados.

Quando o presidente Lula se manifestou claramente contra a revogação da anistia, o ministro Genro tentou contornar sua derrota e propôs que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, sob a acusação de terem cometido crimes comuns. De acordo com o ministro, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora da Lei de Anistia.

A proposta de Genro pode até ter causado alguma simpatia em setores da esquerda, mas na verdade é uma armadilha, pois impediria a responsabilização dos mandantes dos assassinatos e torturas, permitindo apenas o enquadramento dos executantes. E, mesmo que houvesse algum julgamento, os acusados teriam uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens.

Em outubro o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo, de primeira instância, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra tornou-se o primeiro oficial condenado na Justiça brasileira em uma ação declaratória por seqüestro e tortura durante a ditadura. Embora não tenha nenhum valor jurídico real, a ação declaratória representou uma brecha aberta para contestas a anistia ao militares.

Mas no dia 13 de novembro a Justiça Federal de São Paulo suspendeu a ação movida pelo Ministério Público Federal contra Ustra e o coronel Audir Santos Maciel – ambos ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo. A alegação é de que o julgamento não pode ser levado adiante enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não tomar uma decisão sobre o alcance da Lei de Anistia.

No episódio, o papel vergonhoso ficou por conta da Advocacia-Geral da União (AGU), que assumiu a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP. A defesa da União aos torturadores, fez com que a crise se aprofundasse e membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) ameaçassem com renúncia.

Por outro lado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, assumiu na prática a defesa dos ex-militares. Para isso evocou até um velho argumento da ditadura dizendo que “terrorismo também é crime imprescritível”. Seguindo os passos de Mendes, a grande imprensa não perdeu tempo em qualificar qualquer tentativa de revisão da Lei de Anistia como “revanchismo” de “ex-terroristas”.

Os supostos “terroristas” do qual se referem estes senhores são os 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP. Gente que sofreu espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento e asfixia. Para a grande imprensa e Gilmar Mendes, gente como o ex-jornalista Vladimir Herzog, por exemplo, foi um “terrorista” e seus algozes não merecem serem julgados. Para nós, ao contrário, Herzog foi um mártir bestialmente assassinado pela ditadura.

A tortura nunca fora um excesso cometido por militares descontrolados. Era uma pratica política de Estado implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando. São inúmeros os depoimentos e testemunhos de que até mesmo os generais que assumiram a presidência tinham amplo conhecimento sobre tais assombrosas práticas.

Por isso é vergonhoso o papel do governo Lula que faz tudo para esconder os crimes dos assassinos da ditadura e, dessa forma, oferece uma oportunidade para direita retomar sua ofensiva e qualificar as vítimas da ditadura de “terroristas” – aliás, algo muito semelhante ao que George W. Bush vez nestes anos todos para justificar suas guerras.

Dessa forma, o governo, na prática, acaba fazendo o jogo da direita criminosa que estabeleceu um regime verdadeiramente terrorista em nosso país.