Lei Geral da Copa aprovada pela Câmara dos Deputados instaura Estado de Exceção para os lucros das multinacionaisFoi só o Governo Federal liberar alguns milhões em emendas parlamentares que, finalmente, foi aprovada, na Câmara, a Lei Geral da Copa (PL 2.330/2011), na noite desse 28 de março. A lei, que estabelece o arcabouço legal para a realização dos jogos em 2014, estava emperrada por conta da tal crise da base aliada, que, ao final, se mostrou mera jogada para liberação de parte das emendas retida pelo ajuste fiscal no início do ano.

Ataque à soberania
Na cobertura sobre a lei, a imprensa se dedicou quase que exclusivamente à polêmica sobre a venda de bebida alcoólica nos estádios. Ela é atualmente proibida pelo Estatuto do Torcedor, mas faz partes das exigências da Fifa para a realização dos jogos, já que a cerveja Budweiser é patrocinadora da federação. Antes mesmo da tramitação da lei no Congresso, o governo já havia se comprometido a resolver a questão, passando por cima da legislação para atender os interesses da Fifa.

A polêmica sobre o álcool, que envolveu setores evangélicos, terminou com os deputados ‘lavando as mãos’ e jogando a questão para os estados. Os parlamentares, porém, suspenderam a proibição explícita do consumo de bebidas presente hoje na lei. Na prática, a Fifa vai ter que negociar a medida com os 12 estados-sedes e, se o governo não editar uma Medida Provisória sobre o tema antes, os governadores vão evidentemente aceitar a imposição.

Mas esse é apenas um dos muitos atropelos à soberania contidos na Lei da Copa. No geral, a lei aprovada pela Câmara estabelece todas as facilidades, isenções e proteção aos negócios da Fifa. Para se ter uma ideia, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) vai adotar um regime especial apenas para o licenciamento das marcas requeridas pela Federação e a sua proteção. Tudo isento de imposto, claro.

Um dos pontos mais controversos da lei é a que estabelece a exclusividade comercial aos patrocinadores da Fifa nas imediações dos estádios, num raio de 2 quilômetros. Ou seja, nessa área não poderá ser comercializado, e nem vai poder haver publicidade de nenhum tipo de produto que não seja autorizado pela Federação. Fica proibida até “publicidade ostensiva em veículos automotores, estacionados ou circulando pelos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso”.

Isso significa que nas imediações dos estádios e nas principais vias de acesso, lojas poderão ser fechadas, outdoors retirados e até mesmo carros com propaganda de algum produto de uma empresa que não seja patrocinadora da Copa, impedido de circular. Dá para imaginar a repressão que vai se abater contra o comércio informal e os camelôs, que já sofrem, em dias normais, uma perseguição brutal. 
A lei estabelece ainda penas específicas para a violação de algum ponto contido na lei, com penas de prisão ou multa.

Uma Copa para os ricos
Reforçando a noção de que a Copa do Mundo é um evento quase exclusivo aos ricos, a lei estabelece que apenas 10% dos ingressos de jogos da seleção brasileira sejam os da categoria de menor preço (categoria 4, sendo que a mais cara é a categoria 1), no limite de 300 mil ingressos.

Estimam-se que o valor dos ingressos da categoria 4 seja por volta de R$ 50. Já os estudantes e idosos vão ter que se contentar com o desconto de 50% apenas para esses ingressos ‘para pobres’, que serão sorteados. Os demais ingressos não serão vendidos com desconto.

Nos estádios, fica vedado ainda o uso de bandeiras ‘para fins que não o da manifestação festiva e amigável’. Manifestação de ordem política, por exemplo, contra as remoções provocadas pelas obras da Copa, com certeza não será vista de forma ‘amigável’ pela Fifa.

Por falar em remoções, segundo a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa os lares de 170 mil pessoas estão ameaçados de remoção por causa das obras da Copa e das Olimpíadas. Aliado ao processo de especulação imobiliária dos últimos anos, isso agrava ainda mais o déficit habitacional no país. Como se isso não bastasse, a lei geral segue agora ao Senado onde dois Projetos de Leis ameaçam, entre outras coisas, o direito de greve durante a Copa e estabelecem o crime de ‘terrorismo’.

Enquanto isso, a Fifa e as multinacionais por trás da entidade têm todas as garantias de lucros, nem que para isso se tenha que decretar um Estado de Exceção temporário no país.

Ricardo Teixeira cai, mas CBF continua a mesma
Após vinte e três anos, e quatro mandatos consecutivos, comandando a CBF com mãos de ferro, finalmente, Ricardo Teixeira jogou o pano no dia 12 de março. O cartola se afastou da presidência da Confederação após uma sucessão de denúncias de corrupção, a última envolvendo Teixeira e uma empresa de marketing, investigada por superfaturamento em um amistoso entre Brasil e Portugal, em 2008.

Se as denúncias envolvendo o então ditador do futebol brasileiro não se tratam de uma novidade, o que fez a diferença foi o amplo movimento pelo ‘Fora Teixeira’ em todo o país.

A campanha, que unificou todas as torcidas, tomou conta da Internet e contou com atos públicos e manifestações nos estádios. Ao final, o ‘Fora Teixeira’ acabou com o sonho do cartola conquistar a direção da Fifa.

Infelizmente, embora seja uma vitória, a queda de Teixeira pouco muda na estrutura do futebol brasileiro. Em seu lugar assume José Maria Marin, ex-governador da época da ditadura e conhecido por roubar uma medalha durante a premiação da Copa São Paulo de Futebol Júnior, um furto patético filmado e exibido na TV.

A CBF tenta se equilibrar numa contradição que atinge o futebol brasileiro. Nas décadas de 1980 e 1990, o esporte sofreu um profundo processo de mercantilização.

Poderosas multinacionais passaram a dar as cartas e criaram uma verdadeira ‘indústria da bola’. Estima-se que, hoje, o futebol movimente US$ 250 bilhões de dólares por ano. Junto a isso, os clubes passaram a ser vistos como verdadeiras empresas, com a necessidade de uma ‘gestão eficiente’, com o objetivo de lucrar.

No futebol brasileiro, a CBF se adapta aos novos tempos, mas mantendo a velha estrutura arcaica e corrupta, em que velhos cartolas têm poder quase absoluto e mantém relações espúrias com representantes do governo e de grandes empresas.