Luciana Candido

 

Mês de maio, mês de Legião Urbana. A banda foi inspiração de três filmes lançados este mês. “Somos tão jovens”, o primeiro, estreou no início do mês. No fim de semana de estreia, foi o filme mais assistido do ano. Dirigido por Antonio Carlos da Fontoura, é uma cine-biografia do início da carreira de Renato Russo, brilhantemente interpretado por Thiago Mendonça. Conta a história do músico desde a banda punk Aborto Elétrico até o surgimento da Legião, passeando pelo punk-rock brasiliense no período de 1976 a 1982.
“Faroeste Caboclo”, que estréia no dia 31, nada tem a ver com a banda em si, mas tem como roteiro a adaptação da letra da música homônima, do disco Que país é este (1987). Diferentemente de “Somos tão Jovens”, o filme é totalmente ficção. O diretor brasiliense Renè Sampaio manteve o espírito do texto de Renato Russo, mas deu sua própria versão à história de João do Santo Cristo, interpretado por Fabrício Boliveira. Na trilha sonora, não estão apenas músicas da Legião, mas tem Plebe Rude e clássicos do rock dos anos 1980.
O terceiro filme é desconhecido do público brasileiro e não tem previsão de chegar ao país. “Parents”, do mineiro Thales Correa, foi inspirado na canção “Pais e filhos”, do álbum As Quatro Estações (1989), e foi exibido numa sessão paralela do Festival de Cannes.
Independentemente das diferenças entre os filmes, o fato é que trouxeram de volta ao cenário uma das maiores e melhores bandas brasileiras de todos os tempos. Legião Urbana fez gerações protestarem, gritarem, dançarem e (por que não) chorarem.

Primeira geração de Brasília
Legião foi um produto da postura de uma época, marcada pela luta política contra a ditadura militar e por intensas transformações na sexualidade e no comportamento da juventude do final dos anos 1970, início dos 1980.
Surgida em Brasília, logo depois da eufórica chegada do punk-rock ao Brasil, a banda Aborto Elétrico foi o ponto de partida para a formação de outras três bandas importantes: Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana.
Brasília não foi o berço do punk-rock nacional, que surgiu em São Paulo, mas teve uma importância real e simbólica muito forte. Centro do poder, de onde os militares dirigiam o país com mãos de ferro, Brasília penetra em muitas das letras da banda, como o espaço da  formação social e política da banda.
Talvez por isso o Aborto Elétrico e outras bandas não questionavam apenas a ditadura, mas também o próprio sistema. Não por acaso, suas letras continuam atuais. Junto à música, pichavam a cidade, faziam e distribuíam fanzines e cartazes. No repertório da Aborto, já estavam famosas canções como “Que país é este” e “Geração coca-cola”, anunciada no primeiro disco da legião com o refrão: “Somos os filhos da revolução/ Somos burgueses sem religião/ Somos o futuro da nação/ Geração Coca-Cola”.
“Geração coca-cola” é ainda uma crítica explícita à invasão norte-americana com seus produtos e modismos, que escondiam uma ideologia que, muitos anos mais tarde, roubaria o caráter contestatório da juventude.
É nesse ambiente que nasce, em 1982, a Legião, da união entre Renato Russo, o baterista Marcelo Bonfá e o guitarrista Dado Villa-Lobos, além do baixista Renato Rocha.

Geração coca-cola
O primeiro disco veio em janeiro de 1985, Legião Urbana, que literalmente invadiu as rádios com as canções “Será”, “Ainda é Cedo”, “Geração coca-cola” e “Soldados”.
Nos dois anos seguintes, a Legião apresentou álbuns inéditos: Dois (1986) e Que país é este (1987). No Dois, saíram músicas belíssimas como “Índios” e “Fábrica”, além de “Eduardo e Mônica”, que também poderia dar um belo filme. Que país é este trazia músicas que já existiam desde 1978, como a própria canção que dá nome ao álbum. Para esse disco, também foram compostas “Angra dos Reis”, protesto à construção da usina nuclear, e “Mais do Mesmo”, com um forte conteúdo social: “Ei menino branco / O que é que você faz aqui? / Subindo o morro pra tentar se divertir…”
Em 1989, o disco As Quatro Estações, sem o baixista Renato Rocha, a banda introduz novas sonoridades mais distantes do punk e temas como sexualidade e relacionamentos. “Meninos e meninas” é a faixa em que Renato Russo assume a sua bissexualidade. É também um disco mais lírico, inspirado em experiências religiosas de Renato. Trechos do Alcorão e da bíblia estão presentes na maioria das canções, como no refrão de Monte Castelo: “Ainda que eu falasse/A língua dos homens/ E falasse a língua dos anjos/ Sem amor eu nada seria”. “Pais e filhos” é a música mais conhecida desse disco e uma das mais conhecidas da banda.
Nos anos seguintes, são lançados V (1991), disco que trazia a simbólica “Teatro dos Vampiros”, que criticava as primeiras consequências do neoliberalismo no país, aplicado por Fernando Collor. “Vamos sair, mas não temos mais dinheiro/ Os meus amigos todos estão procurando emprego/ Voltamos a viver como há dez anos atrás/ E a cada hora que passa/ Envelhecemos dez semanas”. Já O Descobrimento do Brasil (1993), um disco otimista que seria a última turnê da Legião. Ainda foram lançados outros dois: A Tempestade ou o Livro dos Tempos (1996) e Uma Outra Estação (1997), esse último depois da morte de Renato.
Depois daí, vão surgindo letras mais tristes e nostálgicas. A transformação reflete a própria vida de Renato e a situação vivida pela banda a partir do avanço de sua doença – Renato era portador do Vírus HIV. Apesar disso, a crítica foi a marca da Legião Urbana até o fim.

Quando Renato morreu, em outubro de 1996, menos de um mês depois do lançamento de A Tempestade, o mundo da música estava em plena transição. As ácidas críticas e o lirismo musical da Legião foram perdendo espaço para o lixo cultural dominado por apologias à opressão, consumismo e a futilidade.
É muito difícil falar da Legião Urbana e não se emocionar. A lembrança do show, da presença de palco de Renato Russo, da intimidade com o público… Para os fãs, sempre há aquela música que parece ter sido feita especialmente para cada um de nós. Mas é o próprio Renato Russo que traduz isso quando dizia: “A verdadeira Legião Urbana são vocês”.

Post author Luciana Candido, da redação
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