Laika e seu traje espacial

Base de lançamento de Baikonur, no Cazaquistão. A maior do mundo até hoje. 3 de novembro de 1957, às 2:15 da manhã. Um mês após pôr em órbita o Sputnik I – o primeiro satélite artificial da história – o programa espacial soviético se prepara para lançar sua segunda edição.

Turbinas se aquecendo. 2:30 da manhã, lançamento autorizado. Contagem regressiva… fogo! Parte para o espaço o foguete soviético levando a cadela Laika. Alguns minutos após o lançamento, a confirmação de um grande passo na conquista do cosmos: é possível um organismo complexo sobreviver sem gravidade. O mundo se impressionava.

Das ruas de Moscou para o panteão dos heróis soviéticos, Laika entrou para a história como o primeiro ser vivo terrestre a viajar para o espaço.

Nem tão romântico
A história de Laika inspirou muitas outras histórias e, claro, inspirou também o nome de milhares de outras cachorras ao redor do mundo. Mas deixando a imaginação de lado, hoje sabemos que a história real não foi assim tão heróica.

Pouco tempo após o lançamento os cientistas russos comunicaram que a missão era sem volta. Não havia um plano para trazer Laika de volta. A versão oficial era de que a cadela viveria cerca de quatro dias e, quando se esgotasse o oxigênio, seria alimentada com uma ração envenenada para que morresse de forma mais indolor possível. Alguns até especulavam que ela poderia ter vivido até uma semana dentro da cápsula.

Entretanto, a versão se sustentou até 2002. No Congresso Mundial Espacial daquele ano, Dimitri Malashenkov, que participou da missão Sputniki 2, revelou o verdadeiro destino de Laika.

Nem tudo saiu como se havia planejado. O monitoramento dos sinais vitais da cadela indicou que seu batimento cardíaco chegou a três vezes mais do que o comum, só estabilizando depois que já estava em órbita. E o tempo para essa estabilização também foi três vezes mais lento do que o registrado em testes. Isso indica a situação de estresse agudo pelo qual passou Laika.

Os sensores da cabine também indicaram que a umidade e a temperatura no interior da cápsula aumentaram progressivamente a partir do lançamento. Entre 5 a 7 horas depois do lançamento, após completar quatro voltas ao redor da terra, já não era possível identificar nenhum sinal de vida vindo da nave.

Uma réplica da Sputnik 2, que levou Laika ao espaço

Corrida espacial
Apesar das condições em nenhum momento isso foi um obstáculo para a missão soviética. O clima era de Guerra Fria e Estados Unidos e União Soviética competiam ferrenhamente no desenvolvimento de tecnologia espacial em uma disputa que ficou conhecida como “corrida espacial”.

Cada passo nessa corrida era justificado em nome de uma suposta segurança nacional diante da possibilidade de uma guerra nuclear entre as duas superpotências. Além disso, cada feito era amplamente utilizado como propaganda ideológica e de superioridade tecnológica.

Nesse contexto, a Lua se torna o grande troféu a ser perseguido pelas potências e cada passo em sua direção era uma pequena vitória. Por isso o lançamento de Laika ao espaço é um momento importante nessa história.

“O caminho do homem está aberto”- Cartaz de 1960, em que um homem soviético segura um foguete com as cadelas Belka e Strelka.

Das ruas de Moscou para a história
Laika é um termo genérico em russo para nomear várias raças de cães caçadores existentes no norte da Rússia e na Sibéria. A Laika lançada para o espaço era um cruzamento entre terrier e um husky ou um samoieda. Não se sabe ao certo porque ela foi recolhida das ruas de Moscou. Provavelmente nós a chamaríamos de vira-lata.

O programa espacial russo tinha também outras duas cadelas (as primeiras de muitas outras). A Albina, que já havia feito dois voos em foguetes de alta altitude, e a Mushka, que era usada para testar os aparelhos de monitoramento e de suporte à vida que seriam usados no foguete.

Durante aproximadamente três semanas, os três cachorros foram treinados para o lançamento. O treino consistiu, basicamente, em ser aprisionado em gaiolas cada vez menores para que se acostumassem com o tamanho da cápsula de Sputnik 2. Mesmo assim, a cadela ainda teve que ser acorrentada antes do lançamento. Há uma história de que o cientista Vladimir Yazdovsky chegou a levar Laika para brincar com seus filhos, por compaixão à cadela. Mas não se pode confirmar a história. O fato é que ela ainda é polêmica, principalmente entre os defensores dos direitos animais.

As cadelas Belka e Strelka, as primeiras a retornarem à salvo para a Terra.

Heroína e mártir
Os cães são para nós símbolos de lealdade. Mas Laika foi mais que isso. A cadelinha soviética deu a vida – ou melhor, foi sacrificada – para abrir o caminho do homem para a conquista da Lua.

Talvez Laika tenha latido ou uivado, sem que dessa vez houvesse um vira-lata sequer para lhe fazer coro. Sozinha na imensidão do cosmos morreu de calor e estresse. Uma morte degradante como é a dos mártires. Sim, porque se Laika é heroína da conquista espacial, é também mártir do progresso científico. Pelo menos desse dito progresso em que se descartam vidas em nome de resultados.

Mesmo morta após a quarta volta, Laika deu ao todo 2.570 voltas ao redor da terra dentro da Sputnik 2. Em 4 de abril de 1958, a nave entrou na atmosfera e queimou no céu.

Em 1959, a sonda soviética Luna 2 pousa pela primeira vez na Lua. Em 1960, as cadelas Belka e Strelka passaram um dia no espaço a bordo do Sputnik V e voltaram vivas à Terra. Em 1961, a missão soviética Vostok I consagra Yuri Gagarin como primeiro cosmonauta da história. Em 1963, a missão Vostok VI, também soviética, leva Valentina Tereshkova como a primeira mulher a viajar para o espaço. Em 1969, a missão Apollo 11, lançada pelos Estados Unidos, chega à Lua levando Neil Armstrong, Edwin ‘Buzz’ Aldrin e Michael Collins, os primeiros homens a pisarem na Lua. Após Apollo 11, o homem voltou outras cinco vezes para a Lua, todas em missões dos Estados Unidos.

De todas essas conquistas, Laika foi o cão guia. Com sua vida, nos forneceu dados importantes e nos mostrou o caminho dessa trilha que a humanidade está apenas começando: a trilha da conquista do cosmos. Hoje, 60 anos após a morte de Laika, podemos dizer: nos desculpe, e obrigado, Laika.

Laika em um protótipo da Sputnik 2