O presidente argentino, Nestor Kirchner, aparece como um tipo que realmente enfrenta o imperialismo. Para isso, menos que os atos do governo argentino, serve muito a comparação com o servilismo do governo Lula.

A imprensa mostrou o governo argentino “batendo de frente com os bancos estrangeiros” na renegociação da dívida externa. Agora, Kirchner está “enfrentando” a Shell por ela ter aumentado os preços dos combustíveis. Alguns ativistas devem estar pensando como seria bom ter um presidente como esse aqui no Brasil. Seria mesmo?

Em relação à dívida externa, é importante lembrar que a moratória argentina foi imposta em função da brutal crise econômica que esse país sofreu, exatamente por ter aplicado os planos do FMI. Na verdade, não houve a decisão de um governo de fazer uma moratória, foi o país que quebrou. O retrocesso de 15% do PIB argentino, em 2002, foi superior à queda de 13% da economia dos EUA em 1932, na época da Grande Depressão. A outra e mais importante explicação foi a crise revolucionária vivida no país, quando as massas nas ruas repudiaram radicalmente os políticos e o imperialismo.

Olhando desse ponto de vista, o que Kirchner está fazendo, no momento, é voltar a pagar a dívida externa, terminando com 38 meses da mais longa moratória da história do país.

É verdade que existiram atritos com um setor importante dos bancos estrangeiros que desejavam negociar mais. Não houve, no entanto, nada semelhante a uma ruptura. Tudo acabou em um acordo com 76% dos credores, finalmente abençoado pelo FMI. Mais ainda, a bolsa Argentina (sob controle do capital estrangeiro) subiu 18% desde a celebração do acordo.

Os termos da negociação explicam essa satisfação. A taxa de juros que será paga anualmente é de 10 a 11% , ou seja, duas vezes e meia maior que a taxa “normal” cobrada pelo mercado internacional. O país deverá pagar US$ 62 bilhões nos próximos cinco anos (US$ 41,9 bilhões em três anos), e, para isso, o governo vai garantir um superávit fiscal de 3,9% neste ano (com gastos maiores que os orçamentos de saúde, educação e habitação juntos), que será mantido (ou aumentado) nos próximos anos. O vice-presidente argentino declarou à imprensa: “Fica claro que o país se compromete fazer grandes esforços pelos próximos 30 anos”.

Ou seja, longe de um “enfrentamento com os bancos estrangeiros”, a verdade é que, agora que o país voltou à “normalidade democrática”, acabou-se a crise revolucionária, o governo argentino retoma a velha rotina dos governos latino-americanos de pagar a dívida externa… e eterna.

Sobre o outro “enfrentamento” com a Shell, a verdade é que o governo quer desviar a bronca da população contra o aumento dos preços, fazendo uma fanfarronada. Chamou a imprensa para dizer que a multinacional demonstra uma “falta de colaboração com a sociedade Argentina”. Mas não fez absolutamente nada contra a empresa.
É como um soldado superarmado gritando que um trombadinha desarmado o está assaltando, sem fazer nada para evitar que tirem sua carteira, depois suas armas, suas calças…

Em vez de enfrentar as petroleiras, Kirchner está negociando com elas a suspensão por quatro meses dos impostos de importação de combustíveis no inverno.

O setor dos piqueteiros (organização de luta dos desempregados), que apóia o governo nessa farsa, recebe dinheiro diretamente de Kirchner, pelos planos “A trabalhar”, o que os leva a uma dependência do Estado e do governo de plantão.
Kirchner, portanto, como “um lutador antiimperialista” soa tão falso quanto o futebol da “legião argentina” do Corinthians.

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