Comunidades indígenas estão cada vez mais encurraladas pela expansão do agronegócio

Militância presenciou a situação dramática da etnia Guarani-KaiowáO ano de 2012 passa a compor a história dos Guarani-Kaiowá nos marcos de um grande drama. Confinados em terras cada vez menores, sob a mira dos pistoleiros e a omissão do governo federal, encontram-se em luta não só pelas condições necessárias para a manutenção de sua cultura, mas para a sobrevivência de cada um de seus membros. A carta dos indígenas da comunidade de Pyelito Kue – datada de outubro de 2012 – na qual declararam que iriam resistir até o fim à ação de despejo, comoveu grande parcela da sociedade e ganhou repercussão nacional e internacional.

Com o intuito de dar visibilidade à luta dos Guarani-Kaiowá por suas terras originárias, denunciar o etnocídio declarado e expandir a rede de solidariedade, foi realizado, nos dias 22 de dezembro de 2012 a 5 de janeiro de 2013, o Primeiro Acampamento Internacional de Observadores aos Guarani-Kaiowá, na aldeia Takwara, município de Juti/MS. O acampamento, composto por aproximadamente 30 pessoas, contou com a participação de diversas organizações e movimentos sociais, tais como Luta Popular, CSP-Conlutas, ANEL, Tribunal Popular da Terra, Associação de Geógrafos do Brasil (AGB), PSTU, PSOL, entre outros. A presença de um observador da Catalunha gerou repercussão e sensibilizou uma parcela da juventude catalã que realizou, no último dia 18, um ato em solidariedade aos Guarani-Kaiowá em frente à embaixada brasileira. Além disso, notícias acerca do acampamento foram publicadas em cinco jornais europeus durante a sua realização.

Nós, da juventude do PSTU, estivemos presentes e podemos avaliar, dado a experiência ombro a ombro com os Guarani-Kaiowá que, desde a repercussão gerada em outubro do ano passado até hoje, nada mudou.

Ao latifúndio tudo, aos povos indígenas nada
A etnia Guarani-Kaiowá sofre, há mais de meio século, com a expropriação sistemática de suas terras originárias. Em 1988, com o advento da Constituição, formalizou-se a obrigatoriedade do Estado na demarcação e homologação das terras devolutas aos povos indígenas, que as têm como direito inalienável. No entanto, esta não é só uma tarefa descumprida. O que existe, nos últimos anos, é o processo contrário.

Por um lado, governantes buscam aplicar emendas constitucionais que colocam em cheque este direito, como a PEC 215, que propõe que a demarcação e homologação das terras indígenas e quilombolas sejam realizadas diretamente pelo Congresso Nacional e não pelo poder executivo. Por outro, fazendeiros fazem ocupações ilegais e contam com a omissão da justiça federal. Atualmente, dos 9700 hectares reconhecidos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) à comunidade Guarani-Kaiowá da aldeia Takwara, apenas 90 são ocupados, todo o restante foi tomado para o plantio de soja e cana. Ao longo do acampamento, os indígenas deixaram bastante clara a centralidade da terra para sua sobrevivência: sem terra não há educação, saúde, moradia e sua própria história.

O cotidiano de guerra dos Guarani – Kaiowá
À medida que aumenta a resistência dos povos indígenas na luta pelas suas terras tradicionais, aumenta também a violência por parte dos fazendeiros, jagunços e do próprio Estado. Nos últimos nove anos, foram registrados 273 assassinatos a lideranças Guarani-Kaiowá. Dentre os quais se encontra o assassinato de Marcos Veron, em 2003, que ocorreu em meio à tortura, perseguição e estupro de indígenas, como represália à luta que se conformava com maior força desde 2001. Desta forma, assassinatos, ameaças e o altíssimo grau de suicídio, em particular entre a juventude, configuram o cenário constante de medo. Durante uma das expedições que realizamos nas terras da takwara, nos deparamos com um jagunço a cavalo, de espingarda nas costas, que foi coibido pela nossa presença. Esta situação expressa – ainda que muito pouco – a violência cotidiana.

Esta não é, contudo, a única forma sob a qual se manifesta a violência nas aldeias. O confinamento se agrava com o fato de que as poucas terras ocupadas pelos indígenas possuírem uma parcela significativa improdutiva ao plantio, o que se combina com o extermínio da biodiversidade por conta do agronegócio. Em uma reunião, apenas com as mulheres da aldeia, as indígenas nos relataram com bastante dor como a ocupação das terras tem interferido no cotidiano da comunidade. As águas estão contaminadas, a caça e o plantio são precários, a fome é generalizada. Há relatos de crianças com tuberculose, ainda em fase de amamentação, obrigadas a se alimentar apenas com mandioca e água, devido à escassez.

Também tem sido cada vez mais recorrente uma série de doenças – tais como intoxicação, tuberculose e câncer – perante as quais pouco ou quase nada podem fazer. Os remédios extraídos da mata, cultivados por conhecimento secular, já não se encontram como antes. O povo Guarani – Kaiowá sofre com a fome, com a moradia absolutamente precária (barracões de madeira ou apenas lona), bem como com a falta de recursos para garantir a educação às crianças. A única escola existente na aldeia Takwara nunca foi inaugurada, a infraestrutura é frágil a ponto de, nas tempestades, os telhados voarem. Não há manutenção e a maioria dos materiais necessários aos alunos é paga pelos próprios professores da aldeia, que recebem um salário de aproximadamente R$600,00.

Governo Dilma e órgãos representativos na outra margem…
Toda essa miséria não corresponde, no entanto, ao relato da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão governamental responsável pela questão indígena. Segundo a FUNAI, cestas básicas seriam enviadas quinzenalmente; as casas seriam de alvenaria; a educação de qualidade e a saúde acompanhada por agentes da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), com médicos que visitam as aldeias duas vezes por semana. Atualmente, a FUNAI cumpre um desserviço aos povos indígenas ao, por um lado, mascarar a situação real das comunidades e, por outro, ainda quando faz algum tipo de exigência ao governo, se mantém descolada das lutas pela retomada de terras. Estas foram as principais denúncias feitas pelas próprias lideranças.

Neste momento, está sendo analisado um projeto na Câmara, em conjunto com a FUNAI, que prevê acordo entre índios e agronegócio. Esta medida abre margem para o agenciamento de indígenas ao trabalho semiescravo nas lavouras, exploração historicamente utilizada em nosso país. Diferentemente do que coloca Nelson Padovani (PSC-PR), autor do projeto, não é possível conciliar os interesses do agronegócio e dos povos indígenas.

O governo Dilma tem também sua parcela de culpa no drama social dos Guarani-Kaiowá, que se aproxima da barbárie. Durante o governo Dilma, cresceram a violência por parte do Estado aos indígenas e se reduziu o orçamento para a regularização fundiária destes territórios. As ordens de despejo vêm diretamente da Justiça Federal, as homologações também. Portanto, é diretamente responsabilidade de Dilma o aprofundamento do quadro lamentável de violência e criminalização do povo Guarani – Kaiowá. De acordo com Araldo Veron, cacique e professor da aldeia, somente a resistência garantirá as terras.

“Eu estou completamente desacreditado neles [governo PT], porque não adianta falar ‘Dilma, eu quero que você demarque nossa terra! Dilma, eu quero que você homologue nossa terra!’ (…) Não adianta, ela é só uma figura, não vai fazer nada. Se nós, índios kaiowá e guarani, não fizermos a retomada mesmo, do nosso jeito e da nossa vontade, ela não vai fazer nada. Nós vamos partir pra luta e não vamos desanimar. O que quero dizer a ela é que, querendo ou não, vamos fazer a retomada de nossas terras, nem que para isso seja derramado mais sangue de lideranças.”

Resistência e luta Guarani – Kaiowá
Mal viramos as costas à terra vermelha da Takwara, seguiram-se os ataques. Dia 6 de janeiro, os arredores da aldeia foram incendiados, sob a suspeita de ação criminosa. No dia 26 de janeiro, os indígenas perderam cerca de 20 hectares devido a um novo incêndio na aldeia, amedrontando toda a população. Dia 27, o cacique Ademir Salina, liderança da aldeia Remanso, no município de Japorã/MS, sofreu ameaça de morte.

Assim, a resistência aos ataques de seus inimigos e a luta pela retomada de suas terras sagradas, onde viveram seus antepassados, seguirão bravamente. Seguirão resistindo e lutando enquanto o governo mantiver sua política de privilégio ao agronegócio e aos latifundiários, ignorando as reivindicações históricas do movimento indígena. Esta é a única forma de retomarem, junto com a tekoha (terra), a perspectiva de uma vida digna às próximas gerações, onde possam seguir produzindo e reproduzindo sua cultura.