Comando Nacional de Greve dos Estudantes

O movimento estudantil brasileiro necessita tirar conclusões políticas sobre a vitoriosa greve da educação e do funcionalismo público federal. A análise criteriosa dos erros e acertos do passado é um instrumento fundamental para a preparação das próximas lutas. As vitórias políticas dessa greve são inquestionáveis e vão se transformar, imediatamente, em experiências do movimento de massas. Com certeza, o movimento estudantil em nosso país não será o mesmo depois de 2012.

Os ativistas já começam a pensar nos próximos passos do movimento e se questionam: como nos organizarmos a partir de agora? As correntes políticas que estavam unificadas no Comando Nacional de Greve Estudantil (CNGE) voltam, novamente, a impulsionar entidades estudantis diferentes. O debate acerca dos rumos do movimento estudantil já se impõe ao conjunto do ativismo.

Nós, da juventude do PSTU, estamos construindo, ao lado de milhares de independentes de todo o país, a Assembleia Nacional de Estudantes – Livre (ANEL). Infelizmente, os colegas da juventude do PSOL ainda permanecem construindo a União Nacional de Estudantes (UNE). Aqueles que lutaram durante os últimos meses contra o governo Dilma vão encarar essa situação e, inevitavelmente, tomar uma posição. Por isso, apresentamos este artigo com o objetivo de clarificar nossas opiniões sobre esse tema polêmico.

Quem são nossos inimigos?
Reconhecer os inimigos é a primeira condição da vitória. Muitos estudantes votaram no PT nos últimos anos com a expectativa de mudar o país. Mesmo as decepções com o governo Lula não impediram que também elegessem Dilma em 2010, ainda com a esperança de colocar uma aliada no governo federal. Entretanto, a despeito dos sonhos da juventude brasileira, os governos do PT vêm demonstrando, cada vez mais, que estão ao lado dos grandes banqueiros e empresários.

Portanto, a oposição de esquerda deve ser totalmente independente, política e financeiramente, do governo federal. O avanço do movimento na defesa da educação pública gratuita e de qualidade será a derrota do governo Dilma e de seus projetos educacionais.

Por outro lado, vencer o governo federal significa também derrotar seus agentes, seus instrumentos de cooptação do ativismo e de engano do conjunto dos estudantes. Hoje, o maior aparelho governista no interior do movimento estudantil é a UNE. Há anos, a velha entidade não só defende descaradamente todas as políticas educacionais do governo federal, mas também obstaculiza a unificação das lutas estudantis.

A UNE não é mais dos estudantes
As entidades estudantis são organismos de “Frente Única”, ou seja, organizações que reúnem estudantes, independentemente de suas convicções políticas, para lutar por seus direitos e interesses comuns, em torno de um mesmo programa de reivindicações. Uma entidade estudantil nacional não é uma frente de correntes políticas, mas sim uma articulação nacional de ativistas dispostos a se mobilizar em defesa da educação.

Como as entidades são, tradicionalmente, os instrumentos privilegiados da organização estudantil, as correntes políticas, que têm o objetivo de mobilizar o maior número de estudantes, devem atuar no interior dessas organizações. Mesmo que as entidades sejam antidemocráticas e dirigidas por setores governistas e burocráticos, se a preparação das lutas ainda passa por dentro de seus fóruns, é uma obrigação das correntes políticas participar desses espaços, sob pena de caírem no isolamento e no abstencionismo.

No entanto, a UNE já não é mais sequer uma entidade estudantil burocratizada. Já perdeu seu caráter de organismo de Frente Única do movimento estudantil, pois as lutas dos estudantes brasileiros passam por fora dos seus fóruns e enfrentam a velha entidade. O nível de atrelamento da entidade ao aparato governamental impede qualquer possibilidade de usar os recursos da entidade a serviço da mobilização estudantil.

A UNE é um aparelho do governo que recebe milhões de reais do Estado todos os anos para defender as políticas do Ministério da Educação a todo custo. A degeneração é tão grande que a velha entidade já é conhecida por “Secretaria de Assuntos Estudantis” do MEC.

A reorganização do movimento estudantil se aprofunda
Felizmente, os estudantes, não podendo mais se apoiar na velha entidade para organizar suas mobilizações, buscam se articular em outros espaços. Chamamos esse processo de reorganização. A reorganização é o deslocamento político de setores do ativismo e dos estudantes comuns que, rompendo com as direções tradicionais do movimento, começam a construir e apoiar novas ferramentas de organização política. É um processo objetivo, porque não depende da vontade das correntes políticas. Ou seja, acontece porque é uma necessidade dos estudantes em luta e não porque é iniciativa de um ou de outro grupo político.

A greve nacional da educação, sem dúvida, fez avançar a reorganização do movimento estudantil brasileiro. No último período, aumentou significativamente a experiência dos estudantes em luta com a UNE, alargando o repúdio à velha entidade. Os acontecimentos também demonstraram a necessidade e a possibilidade da unidade dos setores de esquerda por fora da UNE, por meio do crescimento da ANEL e da consolidação de um comando nacional de greve estudantil, o CNGE. A ANEL e o CNGE são expressões da nova Frente Única do movimento estudantil em nosso país.

O fortalecimento da ANEL e a legitimidade do CNGE durante a greve não são coincidência. A ANEL e o CNGE são experiências da mesma concepção de movimento estudantil, democrática e independente. O próprio funcionamento das duas ferramentas é igual. Agora que o CNGE se dissolveu com o final da greve, os ativistas que desejam evitar a dispersão e continuar organizando o movimento nacionalmente podem se encontrar nos fóruns da ANEL.

Em nosso país, o processo de reorganização do movimento estudantil já é incontornável. No entanto, as iniciativas das correntes políticas podem interferir nos ritmos de seu desenvolvimento, tanto para potencializar o processo quanto para retardá-lo. Por isso, à luz das lições da greve nacional da educação, queremos polemizar francamente com os companheiros da juventude do PSOL.

Até quando construir a UNE?
As correntes da juventude do PSOL insistem em permanecer na UNE, defendendo esse posicionamento com os mais diversos argumentos. É possível disputar a direção da UNE e colocá-la de novo nas mãos dos estudantes? Devemos ir aos fóruns da UNE dialogar com os estudantes que estão sob a influência política do PCdoB e do PT? Será que é hora de construir uma nova entidade? Não seria melhor, antes disso, reinventar as práticas do movimento estudantil? Essas são algumas das questões levantadas pela juventude do PSOL. Vamos tentar respondê-las, mesmo que de forma breve, com o objetivo de ajudar no debate político que a vanguarda e o conjunto do ativismo estão fazendo.

A juventude do PSOL sabe muito bem que todos os congressos da UNE são controlados pela União da Juventude Socialista (UJS), corrente ligada ao PCdoB que dirige a entidade há mais de vinte anos. Uma maioria construída com métodos despolitizados e fraudulentos, que garantem a votação sumária de resoluções políticas de apoio aos projetos do governo federal, ano após ano. Além disso, em todo Conune são milhões de reais movendo um aparato gigantesco a serviço de estabelecer uma maioria inquestionável da UJS e da juventude do PT.

Apenas uma inocente cegueira pode permitir que algum setor consciente do movimento estudantil acredite na possibilidade de vencer um Conune, ou seja, de obter mais crachás levantados nas plenárias finais dos congressos. Está descartada, há anos, a chance de a esquerda conquistar a hegemonia na direção da velha entidade. Por outro lado, qual seria a vantagem de conquistar mais cargos numa entidade totalmente rechaçada pela vanguarda do movimento estudantil e ausente do cotidiano dos estudantes? Seria uma vitória ganhar mais posições na direção de uma entidade institucional, política e financeiramente dependente do Estado brasileiro?

Existe uma opinião no interior do movimento estudantil que diz que a UNE é minoritária nas universidades federais, porém tem forte presença nas faculdades particulares, onde está a maioria da juventude brasileira. Essa compreensão é uma meia verdade. Em primeiro lugar, a UNE é minoritária nas universidades públicas porque foi escorraçada pelas mobilizações de 2007, quando defendeu o Reuni do governo Lula e tentou impedir a mobilização estudantil. Agora, com a greve unificada de 2012, a UNE perdeu mais espaço político, pois suas traições foram totalmente desmascaradas nos Institutos Federais de Ensino Superior (IFES). Em segundo lugar, nas faculdades particulares onde ocorreram mobilizações no último período, a UNE também é marginal.

A UNE só é hegemônica nas faculdades privadas onde não há tradição de movimento estudantil, onde os estudantes não gozam de liberdades de organização política. E, pior, a velha entidade ocupa esses espaços, intervindo em parceria direta com os empresários da educação. A participação dos estudantes dessas instituições de ensino nos fóruns da UNE não resulta em nenhum tipo de mobilização e organização políticas procedentes.

Achamos contraditório quando nossos colegas da juventude do PSOL nos dizem que estão na UNE para disputar esses estudantes, pois nós todos sabemos que não há meios democráticos que garantam um debate político nos fóruns da entidade. O PCdoB e o PT se utilizam de todo tipo de artimanhas para impedir o livre debate de ideias no Conune. Os grupos de discussão são esvaziados e atropelados, existem bloqueios físicos que separam as delegações e todo um aparato desproporcional favorecendo a intervenção governista e calando a esquerda.

Enquanto os estudantes comuns, estes que a esquerda da UNE diz que disputa, escutam horas de discursos de ministros e presidentes sobre os benefícios do projeto de educação do governo federal, a juventude do PSOL realiza atividades paralelas com os coletivos da esquerda da UNE. Não seria melhor disputar os estudantes sob a influência da UJS no dia-a-dia, nas salas de aula, a partir de seus problemas concretos nos locais de estudo? Os setores de esquerda devem fazer a disputa política contra os projetos educacionais do governo federal no terreno da luta de classes, nas mobilizações estudantis, a partir do trabalho de base nos locais de estudo. Esse é o desafio que a ANEL procura encarar, sem buscar atalhos que comprometam sua independência e seu programa político.

Não só está na hora de construir uma nova entidade, como já existe uma nova entidade consolidada, a ANEL, que vem protagonizando as principais lutas do movimento estudantil brasileiro. Não há vazio na política. Se o movimento estudantil de esquerda não ocupar o espaço político deixado pela falência da UNE, outros setores vão ocupar ou o espaço aberto vai se fechar com a dispersão dos lutadores. A construção da ANEL conseguiu evitar uma dispersão generalizada do movimento estudantil que rompeu com a UNE e preparou um amplo setor de ativistas para a greve nacional da educação que acabamos de vivenciar. Não foi acidental que a VI Assembleia Nacional da ANEL tenha elaborado as resoluções políticas que derrotaram a UNE no comando nacional de greve do dia 18 de junho, na UFRJ. O movimento estudantil não pode esperar a indecisão das correntes políticas da juventude do PSOL para construir o novo.

Não concordamos com a divisão mecânica que alguns companheiros fazem entre entidade estudantil e cultura política. O antigo debate acerca das práticas do movimento estudantil, em nossa opinião, trata-se da discussão de concepção. E onde podemos concretizar esta ou aquela concepção de movimento estudantil, se não no programa, nos princípios e na estrutura organizativa das entidades? Para reinventar as práticas e criar uma nova cultura política do movimento estudantil, nada melhor que construir uma nova entidade estudantil nacional, alternativa e oposta à UNE, com uma concepção baseada na democracia de base e na independência política e financeira. Como vamos ganhar os novos ativistas para uma concepção revolucionária de movimento estudantil se eles só encontrarem pela frente a UNE e a dispersão dos setores de esquerda?

Por fim, no meio de tantas questões que polarizam a discussão, existe uma que deve orientar as posições políticas que o ativismo vai assumir daqui para frente. A existência da UNE ajuda ou atrapalha o movimento estudantil? A presença da UNE no cenário político nacional melhora a organização dos estudantes? A juventude do PSOL só pode acreditar que sim, senão não continuaria construindo a velha entidade.

Qual é o papel da esquerda da UNE?
Infelizmente, a posição política das diversas correntes da juventude do PSOL atrapalha a reorganização do movimento estudantil. Os companheiros estão atrasando o desenvolvimento de uma alternativa de organização nacional dos estudantes brasileiros. Passaram os últimos anos negando a própria existência do processo de reorganização e, agora, no meio da maior greve nacional da educação das últimas décadas, a juventude do PSOL só conseguiu ensaiar uma possível política de reunificação da esquerda da UNE.

Há anos, não se vê uma única campanha política unificada da esquerda da UNE, pois ela é uma unidade superestrutural entre os coletivos impulsionados pelas correntes do PSOL. Nas universidades e institutos de todo o Brasil, esses setores atuam de maneira fragmentada e com políticas distintas. A esquerda da UNE não é uma Frente Única de verdade, é uma frente de correntes políticas que se articulam apenas para disputar em melhores condições os cargos na direção da UNE ou para tentar bloquear o fortalecimento da ANEL.

A juventude do PSOL, no afã de explicar sua permanência na velha entidade, acaba tentando convencer os ativistas de que ainda existem democracia e pluralidade dentro da UNE. Dessa forma, fazem o jogo da direção majoritária da UNE, servindo ao governismo no interior do movimento estudantil. Para evitar o avanço da reorganização e demarcar posição contra a ANEL, o PSOL acaba deixando de lado as críticas à UNE. Diante do aprofundamento da adaptação da UNE ao aparelho estatal e do avanço do processo de reorganização, a esquerda da UNE cumpre, infelizmente, a função de “braço esquerdo” do PCdoB e do PT, o triste papel de ala esquerda do governismo.

Nada mais consegue explicar a política da juventude do PSOL de continuar construindo a UNE em aliança com o PCdoB, PT e PMDB. A construção de uma Frente Única nacional precisa ser consequência da unidade na base, deve refletir a realidade do movimento estudantil. Em quais universidades, institutos e faculdades a juventude do PSOL está intervindo em unidade com o governismo? Felizmente, em lugar nenhum.

Pelo contrário, o PSOL e a esquerda da UNE estão juntos com a ANEL na maioria das universidades brasileiras, combatendo de forma unificada as políticas do governo e o governismo no movimento estudantil. É assim na UFRJ, na UFRGS, na USP, na UFPA e em tantos outros estados. Então, por que continuar na UNE? Os companheiros estão dividindo o movimento estudantil no Brasil. Essa situação precisa acabar.

O que está por trás da posição da juventude do PSOL?
Quando não sobram mais argumentos às correntes da juventude do PSOL, os companheiros, capitulando ao apartidarismo, se justificam dizendo que a ANEL é um aparelho da juventude do PSTU. Chegam ao absurdo sectário de dizer que não vão sair de uma entidade burocratizada para entrar em outra igual, comparando a UNE com a ANEL. Uma tentativa clara de fugir do debate sobre o futuro do movimento estudantil, apresentando aos estudantes a discussão da reorganização como se fosse uma briga de dois aparatos. Assim, procuram disseminar a desconfiança e a confusão no conjunto do ativismo.

Na verdade, o que está por trás da posição política da juventude do PSOL é a recusa em construir uma Frente Única permanente controlada pela base. Por isso, defendem fóruns nacionais de unidade conjunturais, que funcionem por consenso, através de acordos entre as correntes políticas. A juventude do PSTU acredita que a unidade deve ser edificada por meio da democracia de base e não por acordos. Dessa forma, não aceitamos participar de qualquer espaço de unidade permanente que seja um retrocesso diante do que foi a experiência do CNGE.

A ANEL funciona exatamente como funcionava o CNGE, com delegados, eleitos na base e com mandatos revogáveis, que controlam as assembleias e as comissões executivas da entidade. A intervenção do PSTU nos fóruns da ANEL está submetida à democracia direta da entidade, assim como a intervenção de todos os partidos políticos estava subordinada à opinião dos delegados no CNGE.

Os colegas da esquerda da UNE se negam a participar da ANEL junto com a juventude do PSTU e milhares de estudantes independentes de todo o país, mas não se incomodam em construir a UNE completamente controlada e aparelhada pelo PCdoB e pelo PT. Quantas traições, golpes e humilhações da direção majoritária da UNE os colegas ainda vão aguentar?

Unificar o movimento estudantil no 2º Congresso da ANEL
A grande vitória que foi a consolidação e legitimação do CNGE demonstrou que os setores de esquerda do movimento estudantil podem organizar a maioria dos estudantes por fora da UNE, com um programa de enfrentamento ao governo federal. Para isso, basta confiarmos na democracia de base para resolvermos nossas diferenças e polêmicas. Esperamos que as lições da greve nacional da educação façam os companheiros reverem sua atual política e virem ao encontro da reorganização do movimento estudantil brasileiro.

Em 2013, vão ocorrer dois congressos do movimento estudantil: o 2º Congresso da ANEL e o 53º Congresso da UNE. A juventude do PSOL vai ficar todo o primeiro semestre do ano convencendo o ativismo a participar do fórum da UNE? Vai tentar levar aqueles que lutaram em 2012 para assistir Dilma e Mercadante defenderem o Reuni? Acreditamos que os companheiros poderiam, pelo contrário, construir um congresso estudantil que fará o balanço da greve nacional da educação e preparar as próximas lutas dos estudantes brasileiros.

Por isso, convidamos a juventude do PSOL a dar um passo à frente e participar dos fóruns da ANEL. Seria uma ótima oportunidade se os coletivos da esquerda da UNE construíssem, desde agora, o 2º Congresso da ANEL, que vai acontecer no final do mês de maio do ano que vem. Um congresso democrático, com milhares de delegados de todo o país, no qual o programa e o funcionamento da entidade estarão em debate. A experiência, as ideias e as críticas dos companheiros serão muito bem vindas. Se não tivermos desaprendido a aprender, poderemos dar passagem ao novo e construir a unidade que o movimento estudantil brasileiro necessita.