Mensaleiros estão com a corda no pescoço, mas raízes do escândalo de corrupção permanecemEnquanto fechávamos esta edição, o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) se aproximava de seus momentos decisivos. A oposição de direita e parte significativa da imprensa, após trabalharem para o julgamento coincidir com a campanha eleitoral, exploram o caso e tentam utilizá-lo contra o PT nas eleições municipais. Ao mesmo tempo, porém, vai ficando cada vez mais claro o mecanismo de desvio de recursos públicos para a compra de deputados e apoio político que marcaram o mensalão, destrinchados agora no julgamento.

Para piorar, uma edição da revista Veja com denúncias de Marcos Valério contra Lula, como sendo o verdadeiro mentor do esquema, pode arrastar o ex-presidente para o centro do escândalo. Apesar da credibilidade desgastada desse folhetim da direita, não é difícil imaginar que o publicitário mineiro não estaria aceitando ficar como único bode expiatório dessa história e, sete anos depois, poderia finalmente contar tudo o que sabe.

O que já aconteceu
Os figurões ainda não foram julgados, mas a tendência que se desenha, até agora, não é nada animadora para Zé Dirceu e cia. A lista de condenados até o momento inclui banqueiros do Banco Rural, um ex-diretor do Banco do Brasil e sócios de Marcos Valério, além do próprio. O publicitário foi considerado culpado pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e peculato, respondendo ainda por formação de quadrilha, evasão de divisas e operações fraudulentas.

O mais célebre dessa lista, porém, é o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), que abandonou a disputa pela prefeitura de Osasco após o anúncio de sua condenação. João Paulo era o presidente da Câmara dos Deputados entre 2003 e 2005 e foi condenado por corrupção passiva por favorecer a empresa de Marcos Valério através de contratos fraudulentos. O então deputado recebeu R$ 50 mil para favorecer a empresa SMP&B, de Valério.

Tese do Caixa 2 vai por água abaixo
A condenação de João Paulo joga por terra a tese construída por Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça do governo Lula, de que o escândalo se resume a caixa 2. Ou seja, não teria havido compra de votos, apenas pagamento de dívidas de campanha com recursos não contabilizados. Pela compreensão do STF, não importa a destinação dos recursos desviados, como resumiu o ministro Joaquim Barbosa: “A destinação que João Paulo Cunha deu ao dinheiro depois de recebê-lo é irrelevante”.

Pelo andar da carruagem, José Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares, do núcleo político do processo, já estão com seus destinos traçados. É improvável que os ex-dirigentes do PT escapem das condenações. O centro das preocupações do partido, com Lula à frente, já é em relação às penas, a chamada “dosimetria”, pressionando para a postergação máxima do julgamento a fim de forçar a prescrição de alguns crimes e, com isso, poupar a sigla de sofrer o desgaste de ver quadros históricos atrás das grades.
Até agora, porém, nem mesmo o mais famoso e influente advogado do país foi capaz de desmontar as fartas provas, indícios e evidências do caso. A condenação de João Paulo, por exemplo, provocou uma gritaria por parte dos advogados do PT, que acusam o STF de condenar sem provas. Incrivelmente, até um partido de ultraesquerda, o PCO, embarcou nessa história. Por trás dessa polêmica, estaria o chamado “ato de ofício”, termo jurídico que designa a prova concreta de um crime.

Para lembrar, a ausência do ato de ofício foi o que embasou a absolvição do ex-presidente Collor no STF, em 1994. Apesar de tudo levar a crer no envolvimento do ex-presidente em atos de corrupção, não havia uma prova documental. No caso de João Paulo, os juízes entenderam que o conjunto de evidências deixava clara a responsabilidade do réu. João Paulo era presidente da Câmara, e responsável pela assinatura dos contratos com a empresa de Marcos Valério. Encontrou-se diversas vezes com os diretores da empresa e, por fim, recebeu R$ 50 mil em dinheiro. Não condenar o deputado seria uma desmoralização para o Judiciário.


Que grande parte da imprensa sempre fez oposição ao governo Lula, explorando o mensalão para desgastá-lo, não é novidade nem segredo para ninguém. Daí a versão de que o caso se resume a uma invenção dos jornais, como tenta fazer o PT, é um acinte à inteligência alheia. O escândalo explodiu dentro da própria base do governo, com a denúncia de Roberto Jefferson (PTB) dos esquemas de desvio nos Correios. Por mais que parte da mídia explore politicamente o caso, o PT cavou com as próprias mãos o escândalo, apropriando-se do esquema do “valerioduto” montado na campanha de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) ao governo de Minas.

O STF, por sua vez, está longe de ser um tribunal neutro. Assim como a imprensa, a maioria dos juízes move-se segundo interesses e, no caso do mensalão, atende claramente a oposição de direita. Ou seria mera coincidência o fato de, sete anos após o escândalo, o julgamento ocorrer em plena campanha eleitoral? Ou o fato de o mensalão tucano, de 1998, seguir impune e estar prestes a prescrever? A mais alta corte do país se equilibra numa tênue linha entre os interesses dos setores da direita tradicional, a pressão do governo e, em menor parte, da opinião pública (afinal, há de se manter as aparências e a confiança no Judiciário).

Enfim, Justiça será feita?
Mesmo que o STF condene os réus do mensalão, incluindo seu núcleo político, não está garantido que justiça seja realmente feita. O Supremo já condenou, em sua história, cinco deputados e nenhum foi preso. É improvável que algum figurão venha a ser agora. Ao mesmo tempo, a Justiça não é tão benevolente com os pobres. No mesmo dia em que Lewandowski votou pela absolvição de João Paulo, negou habeas corpus a um homem acusado de furtar uma bermuda. Nesse caso, ele não foi voto vencido e o homem continuou preso.

Seja qual for o resultado, os R$ 350 milhões que, segundo Marcos Valério, teriam sido desviados, não serão devolvidos. As votações que ocorreram sob o dinheiro do esquema, como a reforma da Previdência, não serão revertidas, ninguém será expropriado e o que é mais grave, as relações espúrias entre o setor privado e público, causa do mensalão, seguem. A empreiteira OAS, por exemplo, descarregou R$ 2,75 milhões nas campanhas de Fernando Haddad (PT), José Serra (PSDB) e Celso Russomano (PRB) em São Paulo. Alguma dúvida de como a empresa será recompensada após as eleições? Prepare-se para mais casos de corrupção no futuro.
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