Inquérito criminal da Polícia Civil cita 153 manifestantes detidos nos últimos quatro meses

Nesse dia 14 de novembro, o prédio do Deic (Departamento de Investigações Criminais) na Zona Norte de São Paulo amanheceu cercado pela Tropa de Choque da Polícia Militar. Era o dia em que 80 pessoas, a grande maioria jovens, prestariam depoimento à polícia num megainquérito que investiga as manifestações públicas de agosto até agora. São ao todo 153 manifestantes que estão sendo chamados a depor na condição de investigados, autores ou averiguados em crimes como depredação e agressão.

Treze militantes do PSTU, detidos ilegalmente pela PM após uma manifestação realizada no dia 15 de outubro e reprimida pela polícia, estão incluídos no processo. O inquérito, aberto em 9 de outubro, é uma tentativa clara de intimidação e criminalização das manifestações que se generalizaram pelo país após as jornadas de junho. A polícia simplesmente reuniu todos os nomes das pessoas detidas nos protestos desde agosto, tentando relacioná-las com o crime de “associação criminosa”, uma espécie de formação de quadrilha, mas mais especializada e perigosa (tipo de crime, aliás, sancionado recentemente pelo governo Dilma).

O inquérito, que corre em segredo de Justiça, reúne 174 boletins de ocorrência e é resultado da força tarefa organizada pelas polícias civil e militar, além do Ministério Público. Ele revela, por exemplo, que a polícia infiltrou agentes na manifestação realizada no dia 15 de outubro. O protesto, convocado pelo DCE da USP e que reivindicava, entre outras coisas, democracia na universidade e diretas para reitor, contou com 56 detidos pela PM.

O ato saiu do Largo do Batata em direção ao Palácio dos Bandeirantes e, quando passava pela Marginal Pinheiros, foi atacado gratuitamente pela Tropa de Choque. Os manifestantes se refugiaram numa loja da Tock Stoc, passando rapidamente por ela, no que foram auxiliados pelos próprios funcionários do estabelecimento (veja aqui vídeo). Vários manifestantes, incluindo os militantes do PSTU, foram detidos minutos depois dentro de um estacionamento, sem qualquer flagrante. No relatório da polícia, mesmo contando com P2 infiltrados, a versão dá conta de que os manifestantes teriam simplesmente invadido a loja e começado a quebrar seu interior, sendo “contidos” pela PM. Da mesma forma, o inquérito também relata como a polícia espiona o movimento através de perfis falsos no Facebook, produzidos especialmente para esse fim.


Militante do PSTU é detido após repressão ao ato do dia 15 de outubro

Intimidação
No interrogatório da polícia, as perguntas se repetiam. “Faz parte de algum partido? Pertence aos Black Blocs? Como eles se organizam?”. Em cima da mesa, um exemplar da revista Época, com uma reportagem de capa sobre um suposto campo de treinamento militar dos Black Blocs, reportagem tão sensacionalista quanto fantasiosa. “Perguntaram se eu conhecia a moça da capa ou se já tinha ido na fazenda que aparece na reportagem da Época”, relata uma das interrogadas no dia 14, referindo-se à “Dani Pantera”, suposta Black Bloc que estampa a edição da revista. A polícia também perguntava o endereço do perfil no Facebook e o acessava em frente ao depoente. A estratégia é tentar associar os manifestantes a um grupo ou partido e, a partir daí, ao Black Bloc.

Em entrevista à rádio CBN, o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, já havia afirmado que a investigação levada a cabo pelo Deic inclui a quebra de sigilo dos manifestantes.”Essa investigação envolve não só as imagens das manifestações, mas a pesquisa nas redes sociais, com quebras de sigilo, etc, para juntar os vários elementos que permitam estabelecer o liame dessas pessoas, a partir inclusive da participação delas nos vários eventos que tivemos e, sendo o caso, estando configurada, pedir a responsabilização por um crime mais grave, que é o crime de quadrilha, ou bando, associação criminosa, de modo que essa medida poderá eventualmente ensejar uma série de providências, inclusive a prisão“, afirmou.

Escalada repressiva
O inquérito criminal em São Paulo, porém, está longe de ser uma ação isolada. O mesmo processo de criminalização ocorre neste momento no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e vários lugares do país. Mas o que por enquanto é um recrudescimento da repressão e criminalização dos protestos e organizações nos estados, está para se tornar uma medida coordenada diretamente pelo governo Federal.

Uma reunião entre o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo e os secretários de segurança de São Paulo e do Rio de Janeiro, no dia 30 de outubro, lançou as bases para uma investigação em comum dos grupos que atuam nos protestos e seus ativistas. Cardozo prometeu envolver nisso a Polícia Federal e a própria Abin (Agência Brasileira de Informação), que trabalhariam em conjunto com as polícias de Alckmin e Cabral.

Mais do que retomar o controle das ruas, essa ação coordenada entre o governo federal e as polícias dos estados aponta para um recrudescimento da repressão aos movimentos sociais, com vistas a fechar o cerco contra eventuais manifestações em 2014, durante a realização da Copa do Mundo.

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Atualizada no dia 25/11