“Nasce um novo jornal e, como todo nascimento, traz consigo a esperança”. As palavras da argentina Hebe Bonafini, líder das Mães da Praça de Maio, resumiram o sentimento das cerca de cinco mil pessoas que lotaram o auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, na noite deste sábado, dia 25, para o lançamento do jornal “Brasil de Fato“. O projeto envolveu movimentos sociais, como o MST e a Via Campesina, jornalistas e intelectuais, e culminou em um jornal de 12 páginas, com 100 mil exemplares sendo vendidos a cada semana em bancas de todo o país.

Todos se ajeitavam para escutar os oradores e saber mais sobre o projeto do jornal, um veículo que se apresenta como “destinado a todos os que querem mudança, e que dará visibilidade a um Brasil desconhecido, ocultado e aviltado pela grande imprensa”. No palco, além de todo os integrantes do Conselho Editorial, estavam Plínio de Arruda Sampaio, Eduardo Galeano, Hebe Bonafini, Sebastião Salgado e Aleyda Guevara. Coordenando o ato, João Pedro Stedile, da direção do MST; e o jornalista da revista “Caros Amigos“ José Arbex Jr., que será o editor do Brasil de Fato. O ato relembrou jornais alternativos das décadas de 60 e 70, como Movimento,Versus, Pasquim e Opinião, e o lançamento foi saudado por diversos políticos, sindicatos e por veículos da imprensa socialista, como o “Opinião Socialista“, do PSTU.

O “Brasil de Fato“ nasce três semanas depois da posse de Lula, o que cria expectativa sobre como o jornal irá tratar os debates sobre os passos do novo governo. Na coletiva após o ato, o editor José Arbex explicou um pouco mais: “O jornal será marcado pela independência. Também haverá espaço para críticas ao Governo Lula”.

As críticas começaram no próprio ato, pelos oradores. Não é para menos. Em um veículo que surge “dirigido a todos os que querem mudança”, nada mais natural do que discutir um governo como o de Lula. Plínio de Arruda Sampaio foi o primeiro a citar o novo governo, lançando um desafio: “Presidente Lula, tenha coragem. Vamos enfrentar o outro lado. Vamos fazer um país socialista.” Desafiou ainda o plenário e os jornalistas presentes: “Vamos usar também a internet. Vamos fazer uma rede mundial de jornais socialistas!”. O primeiro desafio foi respondido pelo orador seguinte, Olívio Dutra, ministro das Cidades e ex-governador do Rio Grande do Sul. Olívio falou pelo governo: “Não vai faltar coragem para realizar as transformações que o Brasil precisa” e aproveitou para recordar de quando, após uma assembléia de bancários naquele auditório, ele e outros sindicalistas foram presos. Ele comentou a cobertura dos jornais da época e concluiu: “Os trabalhadores precisam de um jornal!”

O público aplaudiu de pé Dom Tomás Balduíno, quando este foi convidado para participar da mesa, e Hebe Bonafini. Ao término da saudação de Hebe, bandeiras argentinas se misturavam às brasileiras e o público a saudou com “Mães da Praça, o povo te abraça” e palavras-de-ordem do Argentinazo de dezembro de 2001. Todos no palco também se levantaram e o espetáculo fez com que o fotógrafo Sebastião Salgado sacasse de sua câmera.

Salgado foi o próximo a falar e contou um pouco das cenas de miséria que viu e fotografou em países da África, Ásia e América Latina. Também fez questão de lembrar da miséria e fome que existe em nosso país, onde o fotografou trabalhadores escravos, trabalho infantil e o dia-a-dia dos assentamentos. Salgado, que é formado em Economia, trouxe de volta o debate sobre o governo Lula ao criticar a nomeação de um representante do Agrobusines para o Ministério da Agricultura. “O Agrobusines é retrógrado. Vive de subsídios, utiliza bóias-frias, que são trabalhadores semi-escravos, e é anti-ecológico, pois destrói tudo em volta.”.

A questão da terra também foi citada pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de “As Veias Abertas da América Latina”. Galeano lembrou o assassinato de militantes no campo: “São mortos por querer a terra. Porra! Que pecado…” Ele saudou o nascimento do “Brasil de Fato“ que, “um sistema que rouba a terra e as palavras, tem a tarefa de recuperar a palavra roubada”.

O ato foi encerrado com trechos do hino da Internacional Socialista e com o discurso de Aleyda Guevara, filha de Che Guevara. Aleydita, que nasceu quando Che estava no Congo, foi bastante aplaudida pelo público.