Río Purus, afluente do río Amazonas, Brasil. © Paulo Santos/2001

Pressionado, Temer revogou a extinção de reserva mineral para em seguida extingui-la novamente em novo decreto

No dia 24 de agosto, um decreto do governo Temer abriu caminho para entregar uma área imensa da Amazônia à mineração privada. A Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) é uma área com alto potencial de ouro e outros metais preciosos que fica entre o Pará e o Amapá e tem 46.450 quilômetros quadrados, pouco maior do que a Dinamarca. O decreto causou indignação nas redes sociais e uma campanha em defesa da Amazônia foi iniciada por artistas e ativistas. Diante da péssima repercussão, Temer fingiu ensaiar um recuo no último dia 28, revogou o decreto que extinguia a Renca para publicar em seguida um novo decreto, extinguindo novamente a reserva. Parece confuso não? Mas não é. Trata-se de uma manobra de Temer com o objetivo de inserir alguns artigos cosméticos e tentar vender gato por lebre.

O novo decreto mantém o essencial: a extinção da Renca, o que é uma sinalização política às grandes mineradoras da disposição do governo em abrir novas e enormes áreas de mineração no coração da Amazônia. A iniciativa de Temer faz parte de um pacote de medidas que sinalizam ao grande capital transnacional a entrega de estatais e parcelas inteiras do nosso território. Não por acaso, recentemente Temer anunciou a privatização de mais de 50 estatais, articula com a bancada ruralista no Congresso a diminuição dos limites de outras Unidades de Conservação, como a Floresta Nacional do Jamanxim, no Sul do Pará, e ainda prepara os últimos detalhes de um projeto de lei para liberar a venda de terras do país a empresas e investidores estrangeiros. É a Black Friday de Temer para o grande capital estrangeiro.

Atualmente, a aérea da Renca se sobrepõe a dois Territórios Indígenas (TI Rio Paru D’este e TI Waiãpi); quatro Unidades de Conservação de Uso Sustentável que abrigam populações, ribeirinhas, seringueiras e quilombolas (RDS do Rio Iratapuru, Flota do Paru, Flona do Amapá e RESEX do Rio Cajari); duas Unidades de Conservação de preservação integral (Parque Nacional das Montanhas do Tucumaque, Rebio de Maicuru e Esec do Jari). Além disso, a mineração vai afetar as áreas contíguas à Renca, como a TI do Zo’és, talvez o povo indígena que tem a cultura mais preservada na Amazônia, imortalizados nas fotos de Sebastião Salgado. Ou seja, toda essa área que cobre 90% da Renca não só engloba um enorme território com grande diversidade ecológica, mas também abriga inúmeras populações tradicionais de imensa diversidade cultural. Populações estas que, por tempos imemoriáveis, extraíram da floresta saberes sobre seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais.

O novo decreto fala em proibição de mineração nas Unidades de Conservação, mas afirma que “exceto se previsto no plano de manejo”, a exploração mineral nas áreas da extinta reserva onde houver “sobreposição parcial com Unidades de Conservação (UCs) da natureza ou com terras indígenas demarcadas “. Alterar um plano de manejo de qualquer unidade de conservação é a coisa mais fácil do mundo. A maioria dessas UCs é administrada por um Conselho Gestor composto funcionários do próprio Estado, representantes dos municípios locais e tem pouca participação efetiva daqueles que vivem nestas áreas. É esse conselho que tem o poder de elaborar e modificar o plano de manejo de qualquer UCs do país. Não por acaso, em toda a Amazônia há inúmeros conflitos entre o Conselho Gestor de UCs com as populações que habitam esses territórios. Portanto, após mudar o plano de manejo das UCs, o próximo passo será leiloar áreas da região.

Outro expediente que Temer e sua quadrilha poderá recorrer é tentar aprovar a diminuição territorial das Unidades de Conservação – como tentam fazer com a Flona do Jamanxim. Para isso, Temer vai contar com o apoio do Congresso corrupto.

A liberação da mineração em Terras Indígenas também avançou muito dentro do Congresso. Há vários projetos que transitam visando regulamentar os artigos da Constituição sobre a exploração mineral em Territórios Indígenas. Um desses projetos é de autoria do notório ladrão Romero Jucá (PMDB-RR). Aprovado em 1996 pelo Senado, o PL 1610 de autoria de Jucá regulamenta artigos da Constituição Federal que admite a atividade de mineração em Terras Indígenas. Em artigo ao jornal O Globo, o jornalista Arnaldo Bloch afirma que Marina Jucá, filha do senador Jucá, é sócia majoritária da Boa Vista Mineração, que tem 90 mil hectares ali requeridos. Em vez de estar na cadeia, esse bandido continua livre para roubar o país ou entregá-lo de bandeja às grandes corporações transnacionais.

Recolonização e saque da Amazônia
Foi a ditadura militar que inaugurou um novo modelo de exploração e ocupação da vasta região amazônica. Tudo começou com a formulação de projetos no âmbito da Operação Amazônia que visavam promover a colonização (estatal ou privada) para eliminar o suposto “vazio demográfico” da região; a construção de estradas como a Transamazônica; o fomento à pecuária (com isenções no Imposto de Renda de até 100% para as empresas que comprassem terra na Amazônia); e a expansão da mineração e construções de hidroelétricas.

Tudo isso sob o comando dos grandes investidores nacionais e principalmente internacionais. Naquele momento, uma nova crise de superacumulação do capital havia se apresentando no horizonte, o que teria enorme impacto sobre a dívida externa brasileira. Dessa maneira, o governo militar buscou promover a ampliação das políticas em favor de atividades econômicas primárias e assim gerar divisas. Em 1974, o governo militar criou o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), cuja orientação era ampliar as atividades voltadas para a exportação, tais como carne de gado, madeira e minerais e na concentração geográfica dos investimentos em áreas específicas da região.

Construção da Transamazônica

As estradas abriram acesso aos recursos naturais da região e aos grupos econômicos nacionais e internacionais. Milhares de hectares de terras foram vendidos a grandes grupos empresariais. Províncias minerais, como a Serra dos Carajás foram expostas a grandes grupos econômicos.

Em 1967, por exemplo, técnicos da U.S. Stell descobriram o imenso depósito de ferro de 160 mil hectares na Serra dos Carajás, no Pará. O regime militar não demorou em alterar a legislação minerária do país para permitir que uma única empresa pudesse deter os direitos sobre 50 mil hectares de terras e registrar mais de 30 mil em nome de outras subsidiárias. Como consequência, os pedidos ao governo brasileiro para a exploração de minérios pularam de 2 mil, em 1968, para mais de 20 mil, em 1975.

Além disso, planos mirabolantes foram traçados, como, por exemplo, a criação de um sistema de grandes lagos, rodovias e canais de navegação elaborados a pedido do governo brasileiro, pelo Hudson Institute, em 1967. Segundo esse projeto, esse sistema de lagos seria criado a partir do barramento do rio Amazonas próximo à região de Santarém (PA), que aniquilaria milhões de quilômetros de floresta. Felizmente, o fim do chamado “milagre econômico” inviabilizou tal absurdo.

Foi neste contexto também que se criou o Projeto Jari (localizado no mesmo rio que cruza o Renca extinto por Temer), com a instalação de uma fábrica de celulose trazida do Japão na beira do rio Jari. O projeto foi idealizado pelo bilionário norte-americano Daniel Keith Ludwig e financiado pelos militares. O projeto foi literalmente por floresta abaixo, pois as árvores cultivadas para a extração de celulose foram devastadas pela floresta tropical.

A criação da Reserva Nacional de Cobre e Seus Associados em 1984 se dá nesse cenário, mas o regime militar já estava com os dias contados e não tinha mais força para impor uma “nova Carajás” no coração da floresta.

Ao longo dos anos 1970-1980, as populações indígenas e seringueiras da Amazônia se levantam contra os planos de expansão do capital. Ao custo de muita luta e sangue, conseguiram obter a criação dos Territórios Indígenas e as Reservas Extrativistas, uma reforma agrária inventada pelos seringueiros do Acre, liderados por Chico Mendes e Osmarino Amâncio, e adaptada ao modo de vida das populações amazônicas.

Contudo, as ameaças continuam sob os governos da “nova República”. Atualmente, existem na Amazônia 52.974 zonas mineiras que correspondem a 21% de toda a superfície da região. O Brasil abriga aproximadamente 80% dessas áreas. A maior parte (50%) está na fase de solicitação para a exploração mineral, o que indica não um enorme potencial, mas também de que haverá uma guerra das populações da região contra a enorme cobiça das empresas de mineração. Para sustentar essa expansão, foram criadas mais de 170 hidrelétricas (em construção ou em operação). Estão previstas a construção de outras 246 hidrelétricas. Seria o fim da maior floresta tropical do planeta e de sua população.

Belo Monte é o caso mais exemplar. O projeto foi criado pela ditadura militar e ressuscitado por Lula/Dilma. Construído por um consórcio de empreiteiras – todas envolvidas na Lava Jato -, a Usina Hidroelétrica vai fornecer energia para as grandes mineradoras de bauxita. Hoje todo mundo vê as nefastas consequências de sua construção. Milhares de camponeses foram expropriados, assassinados e expulsos de suas terras; os povos indígenas e ribeirinhos que dependem do Xingu assistem hoje a diminuição da vazão do rio, provocando a morte de espécies de peixe, que servem de alimento e de base para a economia local; a cidade de Altamira, onde a usina foi construída, tornou-se a cidade mais violenta do país; enquanto as empreiteiras, mineradoras e corruptos ganharam rios de dinheiro.

A extinção da Renca nos lembra do plano que as grandes corporações capitalistas (associadas ao nosso Estado corrupto) tem para Amazônia: recolonização. Isto é, converter a Amazônia em um imenso fornecedor de matérias-primas (minerais, petróleo, gás, madeira, carne, etc) ao mercado mundial.