Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Há 50 anos, em 18 de setembro de 1970, ecoou o último dissonante acorde da breve, mas historicamente imensa vida de Jimi Hendrix. Em seus curtos 27 anos e apenas quatro de carreira profissional, Jimi ganhou seu lugar na história não só como um dos maiores guitarristas de todos os tempos, gênio da música e uma daquelas figuras trágicas cujos mergulhos desenfreados na própria vida e na criação artística muitas vezes flertam de forma perigosa com a autodestruição.

Ele também é até hoje um dos grandes símbolos de sua época, ícone da contracultura, da rebelião da juventude estadunidense, em particular a negra, contra a sociedade ferozmente racista e imperialista.

Da segregação ao experimento revolucionário

Nascido em 27 de novembro de 1942, em Seattle, Washington, Johnny Allen Hendrix (depois renomeado James Marshall Hendrix), cresceu em família cujas raízes mesclavam-se com indígenas cherokees e teve uma infância marcada pela instabilidade e por um histórico familiar que contribuiu para seu abuso de álcool. Sua mãe morreu de cirrose quando ele tinha 16 anos.

Aos 15 anos, aprendeu tocar guitarra ouvindo Elvis, Chuck Berry etc. no rádio. Aos 19, depois de uma passagem pelo exército, caiu no mundo fazendo apresentações com gente como os Isley Brothers, Sam Cooke, Ike & Tina Turner, B. B. King e Little Richard, no chamado Chitlin’ Circuit (algo como “Circuito da Dobradinha”, em referência a um prato típico na comunidade negra) que, desde os anos 1930, oferecia oportunidade para músicos, comediantes e artistas negros na profundamente segregada sociedade dos Estados Unidos.

Em 1966, quando tocava em Nova Iorque com a banda Jimmy James and the Blue Flames, conheceu Frank Zappa, que o introduziu aos pedais de guitarra com efeitos sonoros, que se tornariam uma de suas marcas registradas. No mesmo ano, aceitou um convite de Chas Chandler (ex-baixista do The Animals) para tentar a sorte (ou contornar o racismo) na Inglaterra, onde formou The Jimi Hendrix Experience com o baixista Noel Redding e o percussionista Mitch Mitchell.

Virando a guitarra do rock pelo avesso

Em poucos meses, no início de 1967, Londres se rendeu à genialidade irrequieta de Hendrix, cujas composições (como “Foxey Lady” e “Voodoo Child”) só não são tão lendárias quanto suas apresentações. Mesclando tudo que havia de melhor da música negra com as novas tendências do rock, o guitarrista incendiou os palcos londrinos.

Numa época em que o rock ardia ao som de The Rolling Stones, The Beatles, The Doors, The Who, foi Hendrix que transformou sua guitarra, seus pedais e suas apresentações em algumas das experiências mais radicais do chamado rock psicodélico, ou seja, da vertente que tentava reproduzir ou realçar os estados alterados da mente (geralmente associada ao consumo de alucinógenos), por meio de efeitos eletrônicos, longuíssimos solos, improvisação e incorporação de música e instrumentos indianos.

Adaptando o instrumento para sua mão canhota, usando os dentes ou tocando com a guitarra nas costas, Hendrix levava o público ao delírio.

Incendiando guitarras, corações e mentes

Perfeccionista no limite da obsessão, dono de uma personalidade tão explosiva e imprevisível quanto seus acordes e voraz consumidor de álcool e tantas outras substâncias químicas, em 31 de março de 1967, num show no Astoria Theatre, em Londres, Hendrix, dizendo-se irritado com a dispersão do público, tomou uma atitude inusitada: ateou fogo em sua guitarra, algo que se repetiria ao longo de sua carreira. Ele justificava dizendo eu era um “ato de sacrifício, pois você só sacrifica as coisas que você ama”.

Em junho de 1967, The Jimi Hendrix Experience estreou nos EUA no Festival de Monterey, o primeiro grande espetáculo de rock ao ar livre, marco fundamental da contracultura e da geração hippie. Juntou 200 mil pessoas, e a renda foi revertida para movimentos sociais e antiguerra.

Monterey foi uma prévia de Woodstock, que rolou em agosto de 1969, tornando-se palco tanto para o melhor da música da época quanto para a rebeldia que varria um país sacudido pelos movimentos negros, de mulheres, LGBT e antiguerra do Vietnã.

Hendrix, que deixou uma anotação dizendo “tento usar minha música para fazer essas pessoas agirem”, não deixou por menos. Fez história numa apresentação ao entoar uma versão do hino nacional dos Estados Unidos distorcida e quase irreconhecível, acompanhada de sons de guerra, como metralhadoras e bombas, produzidos por sua guitarra.

Um legado para além do tempo

Pouco antes de morrer, em agosto de 1970, ele esteve no Festival da Ilha de Wight de 1970, ao lado de The Doors, The Who, Sly & The Family Stone, Joan Baez e também dos tropicalistas Gil e Caetano, então exilados na Inglaterra.

Um mês depois, Jimi foi encontrado morto por overdose num quarto de hotel em Londres, encharcado de vinho e sufocado em seu próprio vômito. Um final lamentável, mas não totalmente surpreendente para quem viveu no limite e num ritmo que só pode mesmo ser comparado àquele produzido por sua guitarra.

Passados 50 anos, é difícil dimensionar sua influência. Seus acordes e seu vozeirão ressoaram nos trabalhos de gente tão diversa como Eric Clapton, Prince, Sly Stone, George Clinton e a banda Funkadelic; nas muitas variantes do funk, rhythm and blues e soul e em importantes representantes do hip hop, como o Digital Underground, do qual fez parte Tupac Shakur.

E para aqueles e aquelas que não empunham a guitarra, Jimi deixou uma obra que com certeza ainda consegue incendiar corações, corpos e mentes.