Em entrevista concedida no início de janeiro, James Petras — professor de Sociologia na Binghamton University (EUA) e autor de livros como Contra-Ordem e Neoliberalismo na América Latina, Estados Unidos e Europa — nos falou sobre a reeleição de Bush, os dOpinião Socialista – A primeira pergunta é como você analisa os reflexos da reeleição do Bush no cenário internacional?
James Petras –
Eu acredito que o que vamos ver na administração de Bush no segundo mandato é a continuação da política do primeiro governo, dentro de um novo contexto. Eu creio que o que Bush busca agora é uma forma de promover uma escalada da guerra no Iraque, que está sendo perdida, pelos EUA, no momento. E busca uma forma de privatizar o seguro social que é a principal fonte de pensões para a maioria dos norte-americanos. Acredito que, no segundo mandato, vamos ver um grande problema, que são as derrotas e a guerra prorrogada no Iraque que estão bloqueando as possibilidades de lançar novas guerras, pelo menos usando tropas dos Estados Unidos. Enquanto estão no Iraque, estancados, creio que não poderíamos ver uma terceira guerra, depois do Afeganistão e do Iraque. O que vamos ver é o fortalecimento das relações militares dos Estados Unidos com os as forças militares de outros países, como na América Latina, por exemplo. O exemplo mais claro disso é a ocupação do Haiti, onde Washington participou da derrubada do presidente eleito, Aristide, e depois chamou os governos latino-americanos — principalmente o governo brasileiro — a ceder seus oficiais e soldados para fazer a ocupação em respaldo ao governo títere. E creio que o projeto dos Estados Unidos é usar esses governos para fazer a parte da ocupação que eles não estão em condições de fazer, devido à continuação da guerra do Iraque. Também em relação à Venezuela e outros países, os EUA vão tentar provocar um enfrentamento entre Colômbia e Venezuela, contando com algum apoio de setores militares de direita na Venezuela, que continuam presentes. Em outras palavras, acredito que a política imperialista militar vai depender muitos mais agora da colaboração de governos que se curvam ao seu comando. Segundo: acredito que Washington vai continuar aumentando sua presença a partir das políticas eleitorais que tiveram o máximo êxito nos últimos três anos. Eu acho que se nós avaliarmos o resultado da política imperialista, o imperialismo teve mais êxito a partir de suas alianças com os governos de centro-esquerda eleitoral do que com sua política militar. Explico-me: com o Plano Colômbia ou Plano Patriota, como é chamada a política de contra-insurreição na Colômbia não conseguiu alcançar nenhum grande avanço; a guerra continua, os guerrilheiros seguem atuando, a oposição ainda está forte. Mas se compararmos a estratégia militar com a estratégia política eleitoral, Washington teve enormes êxitos, como a política de Brasil, de cumprir com todos os projetos de privatização, de abertura econômica, e tudo o que sabemos sobre a política do neoliberalismo. O mesmo acontece com a Argentina e a Bolívia, onde os políticos tiveram mais eficácia no desvio de sua orientação dos movimentos políticos e sociais, do que com uma política repressiva. Isto é, a política do governo Lula tem muito mais êxito em impor a política norte-americana do que uma política feita pelo ângulo militar. Acredito que Washington vai seguir este caminho, apesar de que existam governos que possam sofrer algumas mudanças. Agora, se em algum momento há a possibilidade de êxito em derrotar o governo, como é possível, por exemplo, na Bolívia, irão voltar à opção militar e tratar de reciclar os processos eleitorais com algum processo de troca de governo. Eu acredito que devemos estudar a flexibilidade do imperialismo, sua capacidade de cooptar setores políticos eleitorais, ao lado de sua política militarista.

Neste mesmo sentido, qual é a sua avaliação do governo Lula, passados dois anos de mandato?
James Petras –
Eu acredito que todo mundo já começa a tomar consciência de que se trata de um governo das direitas, das direitas duras. Outro dia recebi um comunicado de grupos de direitos humanos da Europa muito conhecidos que estão denunciando os paramilitares impunes que estão matando dirigentes camponeses. O número subiu para mais de 80 assassinatos, tornando-se o segundo país em violações, na América Latina, ficando somente atrás da Colômbia. Esses são grupos de direitos humanos que, no passado, tiveram uma perspectiva de esperar e avaliar. O mesmo em relação aos bispos no Brasil, que reconhecem que o governo de Lula está completamente integrado ao projeto do agro-negócio, não simplesmente Casaldáliga, mas acredito que toda a CNBB. Essa deterioração do apoio de setores de direitos humanos e eclesiásticos é compensada pelo apoio que Lula tem do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, dos grandes negócios e dos banqueiros. Lula está mudando de lado muito dramaticamente, muito abertamente. Isso para muitos de nós não é nenhuma surpresa, já que a trajetória de Lula em direção à direita tem um longo período, que começou nos anos 90 e se acelerou depois do novo milênio e da formação de seu ministério repleto de banqueiros e de capitalistas. Tudo isto é coerente com a aplicação da política econômica neoliberal e pró-imperialista. O que acontece é que muitas pessoas, principalmente o eleitorado, ficaram muito tempo esperando que a política fosse retificada e nisso estavam completamente equivocadas, porque Lula, ao invés de mudar, está aprofundando sua política. Eu acho que o grande tema para analisar a situação é o seguinte: a recuperação econômica atual, que Brasil está tendo — que, acredito, é conjuntural —, vai provocar uma crise social e política, porque esse crescimento mostra mais do que nunca a concentração dos benefícios nas mãos das altas classes, a grande burguesia e os banqueiros. Não há uma melhora social para os trabalhadores. Olhe, nos anos 2003 e 2004, o número de milionários aumentou, no Brasil, de 78 mil para 86 mil; ao mesmo tempo em que aumentou em quase 15% o número de milionários, o salário mínimo permanece abaixo do nível do Paraguai e da Argentina e de outros países da América Latina, ao redor dos U$ 78, se não estou equivocado em relação à taxa de câmbio. Eu acredito que essa polarização é cada vez mais evidente. Inclusive, esse período de ligeira recuperação, vai encontrar uma expressão político-social. O MST já chamou Lula de traidor, que é uma mudança de caracterização do governo, que poderia ter muitas conseqüências; o repúdio dos candidatos do PT nas eleições municipais, particularmente nas grandes cidades indica também uma deterioração do apoio nas massas urbanas. O grande tema para as esquerdas é que esse repúdio não se transforme numa desmoralização e num repúdio à política, que poderia levar a um maior abstencionismo, não digo eleitoral, mas que as pessoas voltem para suas casas. Outro perigo é que os partidos tradicionais se aproveitem da direitização de Lula para fazer algumas críticas pseudo-populistas e ocupem o espaço da oposição. Assim, há o que podemos chamar de um desafio para a esquerda que é criar uma nova vanguarda, ampla e classista, independente, que possa dar voz e representação para essa situação. Já não há nenhuma dúvida de que Lula está entregando toda a economia ao capital estrangeiro: os portos, as ferrovias, as inversões em infraestrutura — através das PPPs o que pretende é a privatização em partes, isto é, passo a passo. Segundo, o mais evidente é o aprofundamento do Brasil como exportador de matérias-primas, o grande contrato com China é uma repetição do ciclo que o Brasil teve no passado: primeiro exportador para Portugal, depois para a Inglaterra e para os Estados Unidos e, agora, para a China. É o mesmo, exporta produtos agro-minerais e importa produtos industriais. Para China esta é uma ótima situação, porque consegue dinheiro e consegue recursos para fomentar suas próprias indústrias com muito valor adicional para seu grande projeto de apresentar-se como poder industrial. Ao mesmo tempo, o Brasil continua dependente dos preços das matérias-primas; há toda uma história de “boom e bust”, de crescimento quando os preços são altos e há alta demanda e, depois, uma queda vertical, quando a demanda baixa e novas fontes das matérias- primas surgem. Hoje, temos a confirmação e o aprofundamento do Brasil nesse padrão que poderíamos chamar de divisão internacional do trabalho colonial. E creio que a entrega dos campos de exploração de petróleo também é um salto de quase 100 anos. A Petrobras já descobriu e detectou áreas de grande probabilidade de reservas e agora Lula as está entregando ao capital estrangeiro. Apesar da concorrência acirrada de FHC, o governo Lula é o mais entreguista na história do Brasil, pelo menos nos últimos 50 anos.

Essa avaliação inclui a negação da avaliação feita por uma parte da esquerda brasileira que afirma que o governo Lula está em disputa?
James Petras –
Disputa entre o agro-negócio e os exportadores de minerais para ver quem, entre os grandes capitais, consegue as melhores subvenções, a maior redução de impostos e o melhor financiamento do governo. Há disputas entre os grandes capitais, entre os banqueiros, sobre quem pode se beneficiar mais com as altas das taxas de juros. Mas não há nenhuma disputa entre setores representantes dos trabalhadores, dos camponeses, dos desempregados, dos aposentados. Estes são totalmente excluídos da política; não há nenhum setor do governo que está articulando posições favoráveis a o que podemos chamar de classes populares. Poderíamos dizer, inclusive, que os setores da burguesia nacional, a pequena e média burguesia de produtores do mercado interno (estou falando de agricultores médios de alimentos), nem eles têm voz no governo. Quando Carlos Lessa foi colocado para fora, isto indicava que esse grupo de tecnocratas não serve, porque os capitalistas exportadores e o capital estrangeiro querem tudo; não querem tolerar sequer um tecnocrata com uma visão de capitais industriais brasileiros. A saída de Frei Betto do governo, grande ideólogo da esquerda populista, é outra indicação de que os setores dentro da burocracia de Lula, que antes apresentavam um discurso atacando a esquerda crítica, agora perderam todos seus argumentos e não têm outra saída senão renunciar, porque obviamente seus argumentos e posições não encontram sequer algum espaço na política contra a fome; esse plano (Fome Zero) converteu-se numa grande máquina de clientelismo, não está solucionando nenhum problema, nem de pobreza nem de emprego. Isso é entendido por muita gente, quando vêm com as cestas de alimentos condicionadas ao apoio político e uma alta porcentagem de dinheiro que vai para isto é “comida” pelos administradores e todos os intermediários, que terminaram “comendo” entre 50% e 60% através do que chamam de “gastos administrativos”. É como o PMDB na época anterior. São utilizados os mesmos mecanismos de clientelismo para montar uma máquina para compensar suas políticas globalmente de direita. Mas acredito que para as pessoas que querem fazer algo mais do que sobreviver, que querem uma vida mais decente, que querem trabalho, que querem terras para elas, isso é uma indignidade, ficar dependente de uma bolsa-alimentação. Isso não vai mudar o descontentamento popular, acima de tudo porque somente afeta uns 10% dos pobres e dos que têm necessidades básicas, no máximo.

A democracia burguesa engoliu boa parte da esquerda latino-americana, tanto de setores que entraram no governo, como o PT e o sandinismo na Nicarágua, como de outros, como oposição parlamentar, como a Frente Farabundo Martí…
James Petras –
Há uma esquerda que foi formada, em um sentido ignorante, pouco estudiosa, e também com vontade de meter-se em governos para aproveitar as vantagens materiais do poder. O sandinismo, há muitos anos, está em aliança com Alemán o mais corrupto ex-presidente, que já está encarcerado, um ultra-direitista liberal aliado de Washington, que é também um sócio de Daniel Ortega há muitos anos. Temos agora o governo de Mesa, que impôs toda a política reacionária de seus antecessores, com aumento de preços dos combustíveis e a privatização da água e dos hidrocarbonetos com a multinacionais ganhando enormes taxas de lucro. Há uma greve geral em processo e a perspectiva de que o governo pode cair. Agora temos no Uruguai um segundo Lula, um Lula que fala espanhol, com Tabaré Vásquez, uma política que está completamente inserida na onda do neoliberalismo, inclusive é um governo que não quer reconhecer um referendo que repudia a privatização da eletricidade e de outros recursos públicos. Um referendo, inclusive, que ganho 20 pontos mais do que o presidente eleito. Tabaré Vásquez diz que esse referendo deixa espaço para negociar com os setores privados. Eu acredito que todos esses governos de centro-esquerda devem provocar um repensar de todas as condições e políticas eleitorais. Não temos, nos últimos 20 anos, um governo eleitoral que tenha tomado alguma medida social progressiva. Ao contrário, todos os governos — sejam eles nacionalistas, populistas, de centro-esquerda, trabalhista etc. — não avançaram em um programa social. Isso porque as condições e os parâmetros eleitorais, as condições de financiamento não permitem que um movimento possa ganhar através de eleições; segundo, o processo de institucionalizar-se para participar de eleições no Estado burguês transforma os indivíduos com os melhores antecedentes em membros da institucionalidade do Estado burguês. Essa é a primeira conclusão científica que se pode induzir quando estudamos todas as experiências dos últimos 20 anos. Nesse sentido, verificamos que os que tiveram êxito até o momento foram as grandes mobilizações classistas independentes que tomaram uma perspectiva de luta nacional. Os sem-terra tiveram êxito em realizar reformas agrárias, os grupos indígenas no Equador derrubaram governos, os trabalhadores e os camponeses na Bolívia também derrubaram governos, as insurreições e rebeliões em Argentina derrubaram governos. Entretanto, a centro- esquerda eleitoral não teve nenhum êxito, nem para bloquear medidas liberais nem para mudar de governos. Assim, temos de dizer que a luta de ação direta massiva é muito mais eficiente, desde do ângulo de proteger e, inclusive, fazer avançar algumas mudanças. Além disso, devemos ressaltar também que os movimentos políticos e sociais sem perspectiva de tomar o poder chegaram ao seu limite. Isto é, derrubam um governo, mas outro governo volta, tão reacionário quanto, como no caso de Bolívia ou da Argentina. E, segundo, sem uma perspectiva política própria, classista, acabam dependendo de políticos de centro-esquerda, como no Brasil. E, com isso, o que se ganha nas ruas ou no campo, se perde na esfera política. O mesmo aconteceu no Equador, quando o movimento indígena dependia do movimento Patchacuchitki, que entrou no governo de Gutierrez, de direita. Um desastre. Gutierrez começou a tomar medidas duras contra os sindicatos, contra os indígenas. E agora a Conaie está rachada. O último Congresso, no dia 23 de dezembro, terminou com profundas divisões e acusações que quase destruíram a unidade do movimento, se é que não destruíram, devido a esse grande erro de meter-se na política eleitoral e institucional e depois desorientar as bases e terminar com alguns setores cooptados pelo governo e outros setores divididos. Os resultados dessa política são desastrosos: um movimento formidável que agora termina muito debilitado e dividido. Acredito que devemos sempre saudar os movimentos, mas também reconhecer que existem enormes desafios políticos, primeiro no que se refere a formular um projeto de poder, poder estatal, segundo em organizar movimentos com lideranças políticas que possam organizar um plano de lutas. Com isso não quero dizer que os sindicatos de massas devam colocar condições políticas para que as pessoas possam afiliar-se, mas acredito que é um processo de lutas que tem conteúdo político e que aponta para a necessidade de vincular-se com uma vanguarda política com quem possam trabalhar para transformar o Estado e transformar as condições de luta.

Ou seja, a esquerda precisa ter não só uma relação direta com a ação dos movimentos sociais, a ação direta, como também uma estratégia de poder?
James Petras –
Sim. Eu creio que a luta pode passar por muitas formas. Temos as greves gerais, temos os levantes, que começam a ocupar instituições e criar organismos de duplo poder. Há várias formas e é necessário estudar cada contexto concreto e as tradições e capacidades de cada país. Não há uma receita para definir os passos concretos e as formas organizativas que podem ser tomados. O que é certo é que não se deve centrar-se na institucionalidade estatal burguesa. Isso é um beco sem saída. A isso terminam capitulando os líderes. Creio que o caminho é organizar as lutas de massas, dar-lhes um conteúdo classista, formar novos líderes e preparar o assalto do poder. Isso deve estar muito claro, a partir da educação sobre as experiências do passado e as possibilidades de conseguir mudanças que sejam irreversíveis.

Nessa perspectiva como você analisa os novos atores na luta de classes na América Latina?
James Petras –
Eu acredito que podemos ver coisas muito contraditórias. Eu, por exemplo, estive em Venezuela há pouco, onde eu pude ver uma polarização social e política muito forte, dentro do país, entre os chavistas e os anti-chavistas, e também outra polarização dentro do chavismo, entre os ministros e parlamentares que são bastante conciliadores e outros setores populares, sindicais, mais classistas, que estão num projeto de transformação e não de acomodação com os poderes. Creio que essa situação também pode ser analisada frente aos ataques da direita. Quando a direita organizou o golpe, os parlamentares eram impotentes, os ministros estavam se escondendo enquanto as massas saíram dos bairros populares e impuseram a volta do presidente Chávez e criaram um contexto para que os militares se aliassem com o povo. Mas muitos dos militares chamados de “constitucionalistas” estavam desorientados e não tinham claro o quadro do que era a contra-revolução. O mesmo em relação ao lockout dos petroleiros. Neste momento, dentro do governo Chávez, políticos como o vice-presidente Rangel, estavam desesperados para negociar um acordo, quando estava evidente que o projeto dos gerentes da empresa era tomar o poder e somente a intervenção dos trabalhadores petroleiros e de outros setores provocou a derrota. O mesmo aconteceu em relação ao referendo. A direção da campanha nos primeiros meses, segundo todos os observadores, foi um desastre. Eram alguns burocratas incapazes de animar as pessoas. E somente os Círculos Bolivarianos, as bases, se animaram a mobilizar as pessoas, fazendo com que Chávez ganhasse com uma margem contundente. Então, apesar da aparência, de que é um processo eleitoral, político, que está avançando, é realmente a força-motriz do que há de progressista e democrático na Venezuela, isto é, as massas populares. Posso dizer uma coisa mais sobre a reforma agrária: já faz três anos que Chávez decretou a reforma, mas, até hoje, os cem mil beneficiários só receberam terras públicas, não houve a expropriação de um único latifúndio privado. E isso é culpa de quem? Do ministério da Agricultura, dos burocratas da reforma agrária, que são incompetentes e não têm a vontade de realizar o que o presidente decretou. A maior parte das mudanças no campo, agora, é formada pelo que o ministro chama de “ocupações ilegais” feitas pelos camponeses descontentes com o índice de avanço. Creio que essa área também é explosiva, pois há uma lei e há todos os obstáculos da institucionalidade do Estado e, abaixo, há uma massa agitada, pró-Chávez, que quer tomar em suas mãos a ação para que possa realizar o que o presidente disse. Então, tudo isso, é parte da lógica de que a história na América Latina mostra que a força-motriz para as mudanças — incluindo as reformas — está nas mãos das massas, das bases organizadas, das pessoas com necessidades; e não vejo, inclusive (e o melhor exemplo é a Venezuela), que os setores oficiais tenham tido iniciativas e audácia para promover essas reformas. Tudo o que saiu de positivo vem de alguma declaração do presidente Chávez e a dinâmica que surge desde a base está superando as lideranças parlamentares e ministeriais.

Petras, você opina que Chávez vai ter um enfrentamento cada vez maior com o imperialismo norte-americano ou existe uma tentativa de acordo, apesar de haver atritos…
James Petras –
Creio que o que chamamos chavismo é muito contraditório. Há dentro do movimento personagens que colaboraram com Uribe, no seqüestro do representante das Farc. Há a extrema-direita, como o embaixador da Venezuela na Colômbia que respaldou Uribe nesse rapto. E creio que outros funcionários adotaram a mesma posição. Há gente como o vice-presidente, Rangel, que constantemente tenta conseguir um pacto de longo prazo com a Fedecamaras, que representa os mesmos capitalistas golpistas. Esse é um pólo do que chamamos chavismo, que é liberal, direitista, pró-imperialista, disfarçado de “chavista”. E estão no governo (não estou falando da oposição abertamente golpista). Há outros setores, especialmente no novo sindicalismo, que são realmente classistas, revolucionários e socialistas. E entre eles há muita gente pobre, urbana, chavista, que quer empurrar o processo para mais adiante, avançando em medidas sociais, que é um setor que poderíamos dizer populista, reformista e nacionalista. No outro lado, há setores universitários, majoritários, que estão ou com a oposição burguesa ou dentro do movimento mais próximo dos conciliadores do que das massas populares. Então, há, entre os chavistas, uma gama que vai desde liberais, acima de tudo institucionais, até social-democratas profissionais, universitários, populistas, setores de massas, e classistas. Há, nesSe panorama classista, pelo menos quatro forças em jogo: o presidente Chávez negociando a manutenção dessa coalizão e tentando avançar com um programa que, eu acredito, em última análise, é baseado em como avançar em direção a um populismo nacionalista, que também possa acomodar setores do capital nacional e estrangeiro. É um tipo de política semelhante àquele tipo de ciclistas na corda bamba…Tenta balancear e consensualizar aquilo que é incompatível. Mas enquanto existir os recursos de petróleo, essa possibilidade de equilíbrio é mantida. Até um certo ponto, pois no momento em que caírem os investimentos as definições vão se aprofundar. Em todo caso, o seqüestro e a colaboração de setores venezuelanos com ele provocaram um enorme debate que põe à mostra as diferentes posições dentro da Venezuela. Creio que nesse panorama, em que todos tomamos posições, eu e outros escrevamos documento chamando a atenção e exigindo investigações precisamente em relação aos setores golpistas que ocupam postos dentro do próprio governo. Estou falando do rapto promovido pelos fascistas colombianos. Tudo isso é para esclarecer posições: se eles colaboraram com Uribe no rapto do dirigente das Farcs, porque não podem colaborar com outras atividades, inclusive contra o próprio Chávez? Essa é a pergunta que colocamos. Entretanto, há alguns que querem desqualificar essa discussão dizendo que tudo foi um projeto da CIA, tentando exonerar a cumplicidade de alguns oficiais do governo que por suas próprias razões estão metidos nessas coisas.

Post author Por Eduardo Almeida, da Direção Nacional do PSTU
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