Crise política se instala em Israel e primeiro-ministro é duramente questionadoNa semana passada, o Conselho de Segurança da ONU aprovou um plano de cessar-fogo e a ocupação do Líbano por tropas multinacionais. A atual resolução é diferente da primeira esboçada por EUA, França e Inglaterra, que provocou um enorme repúdio de todo os povos árabes. Dessa vez, o documento foi negociado com o governo libanês e prevê a gradual retirada das tropas israelenses e da milícia do Hizbollah no sul do país. O plano não fala em desarmamento imediato do Hizbollah, mas aponta para o envio de soldados do Líbano e de 15 mil militares, compostos majoritariamente por soldados do imperialismo francês e italiano, que seriam parte de uma tropa de “paz” das Nações Unidas.

A resolução da ONU é claramente favorável ao agressor sionista. Em nenhum momento condena Israel pelos massacres cometidos contra o povo libanês. Seu objetivo é sair em socorro de Israel, que sofreu uma derrota nos campos de batalha no sul do Líbano, não conquistando nenhum dos seus objetivos militares. Israel, agora, passa por uma grande crise política.

Derrota
Um mês depois de invadir o Líbano, sob o pretexto de resgatar os soldados capturados pelo Hizbollah, Israel adota o cessar-fogo sem que nenhum objetivo tinha sido conquistado.

O analista britânico Bruce Anderson, que não é nenhum defensor das lutas dos povos árabes, escreveu em um artigo ao jornal Independent: “Israel perdeu essa guerra. Uma vitória israelense requeria três elementos: a destruição da capacidade militar do Hizbollah, a eliminação de sua estrutura de governo autônomo no sul do Líbano e a chegada de uma poderosa força internacional para garantir que o Hizbollah não possa reconstruir suas posições. Nada disso aconteceu”.

O quinto exército mais poderoso do planeta pretendia realizar uma guerra relâmpago, como foram a Guerra dos Seis Dias e a do Yon Kipur, ocorridas nas décadas de 60 e 70. Nessa época, as forças militares israelenses derrotaram todos os exércitos árabes da região de uma só vez e ainda ampliaram o seu território. Dessa vez, entretanto, enfrentaram uma bem armada e organizada guerrilha, o que surpreendeu os chefes militares israelenses.

Os ataques aéreos de Israel se revelaram ineficazes contra a milícia de resistência e apenas provocaram o massacre de mais de 1.200 libaneses, a maioria civis – sendo 30% deles crianças com menos de 12 anos.

Além disso, cidades inteiras no Líbano foram destruídas e cerca de 900 mil pessoas tiveram que deixar suas casas. Israel destruiu grande parte da infra-estrutura do país e teve como alvo pontes e estradas que davam acesso aos únicos locais para onde os civis podiam fugir.

No mundo inteiro, particularmente nos países árabes, irromperam manifestações contra a agressão sionista. O assassinato desses civis desgastou a imagem de Israel perante o mundo, e também dos EUA e da Grã-Bretanha, seus fieis aliados no Oriente Médio. “Morte a Israel e aos EUA” foram as palavras mais entoadas nessas manifestações.

O massacre de civis mostrou pela primeira vez que Israel só pode sobreviver por meio da opressão e de guerras contra os povos árabes da região.

Percebendo que seu plano militar era insuficiente, Israel convocou reservistas e invadiu o Líbano por terra numa tentativa de aplacar a resistência libanesa. Contudo, suas tropas avançaram muito pouco além da fronteira e sua ofensiva não deteve os bombardeios do Hizbollah contra cidades do norte de Israel. O grupo de resistência chegou a lançar mais de 200 foguetes em apenas um dia.

O custo militar da ofensiva israelense foi bastante alto. Cerca de 116 soldados foram mortos, além de tanques e helicópteros destruídos.

Agora se retiram do campo de batalha sem os soldados seqüestrados, sem destruir o Hizbollah e sua influência sobre a região, sofrendo grandes baixas e, sobretudo, perdendo o mito de sua invencibilidade militar.

O avanço e a permanência de Israel, com tropas terrestres, poderia significar um verdadeiro inferno para eles. Caso resolvessem permanecer sobre esses territórios, teriam que passar da ofensiva para a defesa da região ocupada, uma situação que permitiria ao Hizbollah atacá-los pelos flancos e pela retaguarda, causando ainda mais baixas com mortíferas emboscadas e interrompendo suas linhas de abastecimento.

Crise interna
A derrota militar de Israel provocou uma tremenda crise política dentro do país. A imprensa se pergunta o que deu de errado na ocupação e como um poderoso exército não consegue vencer um inimigo teoricamente mais fraco.

Muitos jornalistas questionam, inclusive, a permanência do primeiro-ministro Ehud Olmert no seu cargo. “Olmert deve ir pra casa. Se ele foge da guerra que ele mesmo arquitetou não pode ser primeiro ministro nem por mais um dia”, escreveu um analista político do Haaretz, um dos principais jornais do país.

Embora a maioria absoluta dos israelenses seja favorável à guerra, uma pesquisa do mesmo jornal revela que 51% dos entrevistados estão insatisfeitos com a estratégia adotada por Israel no sul do Líbano. As famílias dos dois soldados aprisionados pelo Hizbollah e as dos soldados e reservistas mortos começaram a cobrar a responsabilidade pela ausência de seus parentes.

A crise política em Israel, por outro lado, contrasta com as cenas do Sul do Líbano. Depois do cessar-fogo, milhares de libaneses voltaram as suas casas comemorando a vitória sobre as forças sionistas e com bandeiras do Hizbollah.

Até o último minuto
O cessar-fogo entrou em vigor nas primeiras horas da manhã do dia 14 de agosto. Mas até o último minuto, Israel manteve seus implacáveis bombardeios sobre o Líbano.
Um dia depois da aprovação da resolução da ONU, Israel triplicou o número de soldados para cerca de 20 mil e realizou uma derradeira ofensiva para esmagar a resistência libanesa. Mais uma vez, o exército de Israel tropeçou na férrea resistência do Hizbollah. Entre os dias 12 e 13 de agosto, a guerrilha abateu 29 soldados israelenses – o maior número de baixas sofrido pelos sionistas em 48 horas. Além disso, a guerrilha prosseguiu com seus ataques, e lançou 160 foguetes ao norte de Israel. Comprovando que, apesar de todos os bombardeios aéreos e da ofensiva terrestre israelense, o Hizbollah manteve o seu poder de fogo.

A ofensiva na véspera do cessar-fogo teve como objetivo ampliar o território ocupado pelos soldados israelenses, ampliando assim a “zona de segurança” no sul do Líbano, que pode ser ocupada pelas tropas da ONU.

Também desejavam provocar o maior dano possível contra as forças do Hizbollah, provocando o maior número de baixas entre os seus combatentes. Dessa forma, Israel agiu no sentido de facilitar o trabalho das tropas de ocupação da ONU.

Não à ocupação!
A ONU adotou uma política de se abster diante dos massacres de Israel, esperando que o exército sionista conseguisse controlar a região com mais facilidade. Vendo que Israel estava sendo derrotado, o organismo internacional, totalmente controlado pelo imperialismo, decidiu pelo cessar-fogo e pelo envio de “forças de paz” para a região. Em outras palavras, a ONU, aliada ao imperialismo norte-americano e europeu, procurou construir uma saída “honrosa” para Israel, que se afundava a cada dia no pântano libanês.

A resolução do Conselho de Segurança da ONU pretende conseguir o que Israel não foi capaz de conquistar no campo de batalha. Condoleezza Rice, secretária de Defesa dos EUA, teve a cara de pau de dizer isso publicamente.

O plano de ocupação da ONU deve ser repudiado pelo povo libanês. Seu conteúdo é uma clara violação da soberania do país e significa uma tentativa de reverter a derrota militar de Israel na mesa de negociação.

A cumplicidade vergonhosa dos governos árabes aliados dos EUA, como os de Egito, Arábia Saudita e Jordânia, ficou clara para todo o mundo árabe e muçulmano. Os libaneses não vão esquecer que durante os mais de 30 dias de agressão, esses governos não ofereceram nenhuma mostra de apoio ou represália contra Israel. Sua posição é agora extremamente débil porque enfrentaram com enorme repressão policial todas as manifestações contra os EUA e Israel realizadas pela população de seus países. Por isso, trataram de impulsionar uma saída via o Conselho de Segurança e Kofi Annan, secretário-geral da ONU, para evitar entrar em choque total com as massas.

Israel perdeu o mito da invencibilidade de seu exército, e mostrou sua vulnerabilidade mesmo nos últimos instantes de guerra, com as mortes dos 29 soldados. Israel está acostumado a impôr a sua “paz” dos cemitérios sobre os povos do Oriente Médio. Essa história, porém, começou a mudar.

O plano também cria condições para que Israel possa organizar uma nova ofensiva sobre o Líbano em um futuro próximo. No primeiro dia de trégua, o primeiro-ministro israelense prometeu “perseguir até onde for e por todo o tempo” os líderes do Hizbollah.
Além disso, a resolução da ONU se cala diante da ocupação israelense dos territórios de Shebaa, que pertencem ao Líbano, e sobre os milhares de presos políticos libaneses e palestinos mantidos nos cárceres sionistas.

A aceitação do plano pelo governo do Líbano, por outro lado, revela no mínimo uma capitulação à ONU e aos imperialismos europeu e norte-americano. Pois, apesar do fracasso israelense em ocupar seu território, o governo libanês aceita a violação de sua soberania por tropas do imperialismo europeu, antigos senhores da região. Com um frágil exército, entretanto, será difícil para o governo libanês desarmar o Hizbollah. Caso as tropas de ocupação tentem desarmar o grupo, um novo conflito poderá recomeçar na região.

O grupo de resistência também manifestou acordo com a resolução da ONU, incluindo a entrada de tropas da ONU dirigidas pelos imperialistas europeus, o que abriu espaço para a implementação a resolução que exige seu desarmamento. Por outro lado deixou claro que não pretende debater o seu desarmamento. “Houve um debate sobre o desarmamento do Hizbollah antes e depois da resolução, mas não quero entrar nesse debate”, afirmou o líder da organização Hassan Nasrallah. Essas concessões feitas na mesa de negociação podem comprometer a vitória da resistência. É necessário manter a resistência pronta para enfrentar Israel e preparar o inevitável choque com o imperialismo.

A derrota de Israel nos campos de batalha fortalece a luta dos povos árabes da região. Mas a única forma de garantir estabilidade é a derrota completa do imperialismo e de seu Estado policial, Israel. Tal derrota fortaleceria a luta dos libaneses, palestinos e da resistência iraquiana contra a ocupação anglo-americana no Iraque.

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