Até agora se falou do “fantasma do Vietnã”. Mas os últimos acontecimentos no Iraque mostram que a situação é similar à do Vietnã na segunda metade da década de 60. A ocupação militar imperialista encontra pela frente uma crescente resistência armada, com Em março de 2003, as tropas da coalizão invadiram o Iraque. Capturaram Saddam, mataram milhares de iraquianos, mas não conseguiram controlar a situação, porque logo em seguida começou uma segunda guerra: a do povo iraquiano contra os invasores, uma guerra pela libertação do país e para recuperar a independência nacional. É uma guerra similar à que travou o povo do Vietnã do Sul nos anos 60 e 70, que levou à derrota do imperialismo.

Muitas vezes, as guerras de libertação adotam o método de “guerra de guerrilhas” ou atentados terroristas urbanos. É o que está acontecendo no Iraque. O chefe do serviço secreto iraquiano, general Mohamed Shahwani, afirma que existem atualmente 200 mil insurgentes, dos quais 40 mil são combatentes e o restante os apoiam” (BBC Mundo). Isso significa que, de forma direta, participa da luta um número maior de pessoas que as tropas imperialistas no país.

As ações militares da resistência
Até o processo eleitoral, a resistência deixou mais de 1.500 soldados americanos mortos (cerca de dois por dia) e pelo menos 10 mil feridos. Depois, diminuiu o número de ações, mas pouco a pouco aumentou seu ritmo. É uma resistência formada por setores religiosos e políticos que lutam contra a ocupação. Entre eles, a oficialidade média e baixa sunita do ex-exército iraquiano que passou à clandestinidade. Outros grupos estão organizados por facções religiosas e políticas, como a Aliança Patriótica (dissidentes comunistas, baathistas e nacionalistas) e o exército Mahdi do clérigo xiíta Muqtada al-Sadr. Há também pessoas comuns, vítimas da invasão. “A maioria são gente que se limita a resistir à ocupação, em cujas famílias há pessoas que foram mortas, presas, torturadas e humilhadas pelos ocupantes ilegais de seu destroçado país”, conta o jornalista iraquiano Dahr Jamail.

Isso vem impedindo os EUA e seus aliados de controlar as estradas, oleodutos e principais cidades. O repúdio a eles também começa a expressar-se em mobilizações de massas, como a que foi convocada por al Sadr em pleno centro de Bagdá, da qual participaram milhares de xiítas gritando “Não aos ocupantes, não aos EUA”.

A crise do exército americano
Ao enfrentar civis, homens, mulheres, anciãos e crianças, e não um outro exército regular, os soldados invasores passam a ser um inimigo potencial, têm de apelar para métodos cada vez mais cruéis. Todo mundo é suspeito, vai preso, torturado, entram nas casas chutando as portas. Já se calcula em 100 mil as vítimas civis entre os iraquianos. Isso alimenta o ódio ao invasor e o apoio à resistência. É uma espiral infernal, sem que se vejam as perspectivas de ganhar a guerra.

Vem o medo de morrer, a degradação moral, o apelo às drogas. Segundo Dahr Jamail, “a maioria dos soldados americanos estavam muito assustados. (…) apontavam as armas contra qualquer um e, às vezes, estavam drogados, que me fizeram lembrar tudo o que li sobre o que aconteceu com a psique dos soldados americanos no Vietnã”.

Nos EUA, a juventude está enfrentando os recrutadores do Pentágono que vão às escolas. Aumenta o número de deserções e objetores de consciência entre militares de carreira, como o sargento da Marinha Jimmy Massey, que disse: “Estamos cometendo um genocídio no Iraque”. O sargento do exército Kevin Benderman será submetido a um Conselho de Guerra que poderá condená-lo a sete anos de prisão. Em declarações ao Saint Louis Dispatch disse: “Se penso que estou do lado errado, não quero matar. Esta é uma guerra pelo petróleo e pelo lucro”.

Outro ponto que lembra o Vietnã são as organizações de veteranos e familiares de soldados que exigem seu retorno imediato aos EUA. Elas estão surgindo aos montes, e é bom lembrar que a moral baixa e a divisão das tropas, por um lado, e a opinião pública americana, por outro, foram fatores que contribuíram muito para a derrota do imperialismo americano no Vietnã.

Bush tampouco está podendo contar com os soldados iraquianos, alvo de um ódio tão profundo que não podem andar sozinhos com uniforme pela rua e, quando sofrem atentados, são tratados como vítimas de segunda categoria. Os soldados americanos feridos gravemente vão para Europa ou EUA; para eles, só restam os sucateados hospitais iraquianos.

As baixas na coalizão
Desde 2004, a coalizão militar em torno de Bush vem sofrendo contínuas perdas. Primeiro foi a Espanha. Agora, Ucrânia, Polônia e Bulgária já anunciaram sua retirada durante os próximos meses, sem contar que a Itália também está prestes a sair. Berlusconi perdeu rotundamente as eleições regionais de abril, após o escândalo do assassinato, por tropas norte-americanas, do agente secreto que acompanhava a jornalista Giuliana Sgrena, ferida no mesmo incidente, depois de ser liberada pelos seqüestradores iraquianos. A Inglaterra tem 10 mil soldados na ocupação. Até agora, Blair está firme, apesar da oposição popular e das crises internas em seu partido. Nas eleições parlamentares de 5 de maio, ele conseguiu ainda vencer, mas o Partido Trabalhista perdeu peso eleitoral.

Embora o efeito dessa “coalizão” fosse mais político, de mostrar à opinião pública uma “frente” de países a favor dos EUA, a perda de aliados é um problema grave para o imperialismo norte-americano. A Europa está disposta a legitimar a ocupação, mas não a enviar soldados.

O pântano de Bush
Bush afunda-se a cada dia num pântano. Sua política de terra arrasada encontrou pela frente uma resistência cada vez mais aguerrida. Teve que, a contragosto, chamar eleições do tipo farsa teatral. Não podia dar outra: o governo que saiu daí é um fantoche total, sem qualquer poder real. Ele até gerou certa expectativa, mas é praticamente impossível que mude a situação, que consiga deter a guerra de liberação nacional que tomou conta do país. Essa farsa eleitoral também ocorreu no Vietnã do Sul, em 1967, e também não conseguiram reverter o curso inexorável da guerra.

Assim, está colocada a possibilidade de uma nova derrota militar do imperialismo, como aconteceu em 1975 no Vietnã. O ódio aos invasores e as terríveis condições de vida do povo iraquiano alimentam a resistência e a guerra crescerá cada vez mais. Nesse sentido, no Iraque hoje, trava-se a batalha mais importante da luta de classes mundial. Uma derrota do imperialismo aí debilitará o maior inimigo dos trabalhadores e povos do mundo. Como ocorreu no Vietnã, há 30 anos.
Post author Alejandro Iturbe, da LIT-QI, e Cecília Toledo, da redação
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