A investigação sobre o assassinato de 30 moradores da Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, revela cada vez mais a face horrível da Polícia Militar. Até agora, o caso foi marcado pela ação de soldados contrários à continuidade das investigações e por revelações de que vários policiais militares extorquiam propina de criminosos em locais próximos de onde ocorreu a chacina. Das 30 pessoas mortas, sete tinham menos de 18 anos. Em Nova Iguaçu, 18 pessoas morreram, e, em Queimados, 12 foram assassinadas.

Até agora, apenas seis policiais estão presos: o cabo Carlos Jorge de Carvalho e os soldados José Augusto Moreira Felipe, Ivonei de Souza, Fabiano Gonçalves Lopes, Júlio Cesar Amaral e Maurício Montezano. Outros três PMs estão em prisão administrativa. A investigação aponta que ao menos outros quatro policiais participaram diretamente da chacina.

Na noite de 5 de abril, foi encontrado um Gol prata que pode ter sido usado pelos autores da chacina. No dia do crime, o proprietário havia emprestado o veículo ao soldado Carlos Jorge de Carvalho, do 20º Batalhão, reconhecido como um dos responsáveis pelos assassinatos. O carro teve o lacre da placa retirado e, em seu interior, foram encontradas três cápsulas da pistola ponto 40, mesmo modelo do usado na chacina.

Moradores foram executados
O laudo sobre a chacina, divulgado pelo Instituto Médico Legal (IML) do Rio, na manhã de 6 de abril, confirmou a suspeita de que as vítimas teriam sido executadas. As vítimas do crime foram baleadas ao menos uma vez, sempre na parte superior do peito, no pescoço ou na cabeça, disparados a uma distância de um a dois metros. Especialistas em criminalística afirmam que este tipo de ferimento é normalmente encontrado em vítimas de execuções feitas por policiais militares. Além disso, todos os tiros partiram de pistolas de calibres – 40 e 38 – as mais utilizadas pelos policiais militares do Estado do Rio.

“Os tiros foram direcionados aos órgãos mais vitais. Quem atacou tinha a intenção de matar“, disse o diretor do Departamento de Polícia Técnica e Científica da Polícia Civil, Roger Ancillotti. “Quem fez isso [a chacina] trabalhou em equipes. A perícia vai mostrar se essas equipes migraram de uma área para a outra“, disse o diretor da Polícia Técnica.

Certeza de impunidade
As prisões, o resultado do laudo do IML e a identificação de um dos automóveis usados nos ataques aos moradores parecem não intimidar os autores dos crimes. No dia 6, no momento em que o comando da polícia estava reunido na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, o pedreiro José Martins Rodrigues, de 52 anos, foi assassinado com quatro tiros na cabeça, a menos de cem metros do local. Depois de insistir na hipótese de que os autores deste assassinato não seriam os mesmos da matança da madrugada de 31 de março, a própria Polícia Militar do Rio de Janeiro admitiu que o assassinato do pedreiro, que havia sido presos três vezes, foi uma represália contra a apuração da chacina.

A ousadia nas ações demonstram que não se trata da ação de um grupo específico ou da “banda podre” da polícia. Tudo indica que todo o aparato policial está corrompido. Não é à toa que, quatro horas depois das ações, um dos executores voltou ao local do crime, para discutir com um policial que estava fazendo a ocorrência. Ou que, pelo rádio da corporação, cheguem ameaças ao comandante do 15º Batalhão, Paulo César Lopes. “O Lopes não passa de sexta-feira”, é apenas uma das mensagens recebidas.

O relato dos moradores da região onde ocorreu a chacina também aponta para isso. Segundo eles, era comum que policiais militares à paisana (sem uniformes) fossem ao local exigir o pagamento de propina de traficantes e de comerciantes envolvidos em pequenos crimes. Dois dos locais da chacina ficavam próximos a locais utilizados por criminosos. A cerca de 30 metros do Bar do Caíque, no bairro da Posse, em Nova Iguaçu, funcionava um ponto de venda de drogas e o terreno do lava-jato era usada eventualmente por uma quadrilha, para desmontar motocicletas roubadas. Nos dois locais, policiais apareciam regularmente para receber propina.

Na madrugada do dia 31, eles não escolheram suas vítimas. Atiraram à esmo, perseguiram e mataram. Não buscavam ninguém em especial, inimigos ou traficantes. Executaram 30 pessoas, sendo que, destas, apenas quatro tinham ficha na polícia.