Desde julho, o país tem sido sacudido por uma onda de greves e protestos contra o governo, os baixos salários, o desemprego e as consequências da crise econômica mundial. É a primeira recessão desde o fim do regime racista do apartheid e a chegada ao poder do Congresso Nacional Africano

As manifestações ganharam as páginas da imprensa internacional com a paralisação de 70 mil operários que trabalham em ritmo desumano nos preparativos da Copa de 2014. Mas este não é o único problema do recém-eleito presidente, Jacob Zuma.

No 1°, chegou ao fim uma greve nos serviços públicos que envolveu cerca de 150 mil trabalhadores municipais e paralisou serviços como coleta de lixo e transporte. No mesmo período, os mineiros, que trabalham no principal setor da econômica sul-africana, também deram início a mobilizações e prometem ir à greve. Também começaram a lutar ferroviários e metroviários.

Quando fechávamos esta edição, estava chegando ao fim uma jornada de paralisações de dois dias, convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Comunicação (CWU) contra a Telkom, principal empresa de telecomunicações do país, e a SABC (empresa de radiodifusão).

Paralisações, greves e protestos também têm sido protagonizados por trabalhadores de diversos outros setores, como transportes, químicos, farmacêuticos, médicos, jornalistas, construção civil e petroleiros, todos em campanha salarial ou lutando pela reposição de perdas e direitos.

Mas o centro dos protestos tem sido as manifestações populares, principalmente nos miseráveis “townships” (as enormes e segregadas favelas criadas durante o apartheid) e outros bolsões de pobreza espalhados pelo país. Em Thokoza, na periferia pobre de Johannesburgo, por exemplo, centenas de pessoas atacaram um prédio público em protesto contra o desemprego, que atinge o absurdo índice oficial de 23,6% da população.

A nova face do apartheid
A onda de greves e protestos tem colocado na berlinda o recém-eleito governo Zuma, do Congresso Nacional Africano (CNA).

Primo-irmão de governos como os de Lula, Evo Morales, Tabaré Vásquez e uma série de outros que chegaram ao poder na última década por meio de frentes populares, Zuma foi eleito com um discurso populista, graças ao apoio de sindicalistas e da militância do Partido Comunista Sul-Africano.

O fim do apartheid na África do Sul foi uma impressionante vitória da mobilização revolucionária do povo negro sul-africano. No entanto, a esperança de dias melhores foi se frustrando pouco a pouco. Nos governos do CNA, foi implementado um acordo com a burguesia branca que possibilitou a manutenção do capitalismo no país e de seus privilégios. Enquanto isso, o receituário neoliberal era aplicado pelas mãos de Nelson Mandela e dos dirigentes do CNA. Privatizações foram realizadas e o país abriu sua economia às multinacionais.

O resultado não poderia ser outro. A desigualdade social entre brancos e negros não só se manteve, como aumentou em 10% em relação ao período do apartheid (1948-94), o que faz com que cerca de 50% da população viva abaixo da linha de pobreza. Por outro lado, a crise econômica afundou o país num processo recessivo não visto há 17 anos.

Quinze anos depois da primeira eleição multiracial do país, a situação para a maioria negra continua terrível. A contaminação pelo vírus HIV chega a 50% da população de algumas regiões. Em escala nacional, 70% das crianças vivem abaixo do nível de pobreza. Uma pesquisa realizada em 2007 revelou que cerca de 3 milhões dos 6,7 milhões dos jovens africanos entre 18 e 24 anos estão desempregados.

Enquanto isso, o nepotismo e a ascensão econômica e social dos ex-sindicalistas e ativistas do CNA que se encastelaram nos gabinetes governamentais correm a olhos vistos.

Zuma, um governo que nasceu em crise
O presidente foi eleito com promessas de realizar um governo “em defesa dos pobres”, ao mesmo tempo em que iria manter a política “pró-negócios” de seu antecessor, Thabo Mbeki.

Zuma é um político de formação populista, com vínculos com o Partido Comunista e a Cosatu (Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos). Além disso, teve que passar por uma acirrada disputa no interior do CNA antes de ser indicado. Sua história recente é cercada de acusações de corrupção e um caso de estupro nunca devidamente explicado.
Sem o carisma dos anteriores e mergulhado na crise, o presidente tem se limitado a promessas mirabolantes, como a criação de 500 mil empregos somente em 2009. Uma proposta cuja realidade foi sintetizada pela sul-africana Sthabile Mahlangu, em entrevista ao “Mail & Guardian”: “Nós morreremos de fome se formos esperar pela criação de empregos prometida pelo CNA”.

Mahlangu, que perdeu o emprego em 2007, é ela própria um exemplo da crise, fazendo parte do verdadeiro exército de “camelôs” que estão tomando as ruas sul-africanas – o número de vendedores de rua duplicou entre 2000 e 2007, chegando a cerca de um milhão de pessoas.

A única saída: reorganizar a luta
As recentes greves têm uma enorme importância por recolocarem a classe operária no centro das manifestações. Nos “townships”, foram vistas cenas que lembram o período do apartheid: pneus em chamas, policiais disparando contra moradores indefesos e veículos “brucutus” destruindo barracos.

Zuma foi a Durban, sua região de origem, tentar ganhar o apoio da população. Depois de falar sobre as dificuldades de colocar o país em ordem e de acusar os manifestantes de “vândalos”, o presidente conclamou: “Vamos trabalhar juntos!”. Um detalhe: mesmo em sua base-eleitoral, o presidente não reuniu mais do que três mil pessoas, que reagiram com frieza ao seu chamado.

Mas o descontentamento e a disposição de luta dos sul-africanos esbarram num enorme obstáculo, a falta de organizações e entidades que os organizem para lutar. Todas as principais organizações dos trabalhadores estão metidas no governo e traem constantemente a mobilização do povo, que ainda os vê como seus dirigentes.

Isso ficou evidente, por exemplo, na mobilização do setor de telecomunicações. Em luta há uma semana contra o corte de empregos e direitos, os trabalhadores exigem um aumento salarial, reatroativo ao mês de abril, de 7,5% (Telkom) e 12% (SABC). O sindicato promete decretar uma greve geral do setor a partir do dia 11, o que pode paralisar serviços que vão da telefonia à internet, passando pelas estações de rádio e TV.

Dizendo-se solidários às reivindicações, os sindicatos das categorias, a exemplo de outras que saíram em mobilização, estão fazendo de tudo para garantir o “sucesso das negociações”. O que, na perspectiva pelega, significa conduzir os trabalhadores para negociações rebaixadas.
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