Tony Blair foi obrigado a renunciar porque a oposição a sua política vinha crescendo há anos. Dentro do Partido Trabalhista, tanto os defensores de Blair quanto os de Gordon Brown (que o substituiu no cargo de primeiro-ministro) haviam reclamado, no segundo semestre do ano passado, que Blair anunciara que deixaria o governo em um ano, já que temia os prejuízos eleitorais. Tinham razão! O Partido Trabalhista perdeu 500 conselheiros nas eleições municipais de maio de 2006 e, em maio de 2007, perdeu outros 300, além do controle da Assembléia de Gales e do Parlamento Escocês (sua média de votos foi de 27%).

O ex-primeiro-ministro sofreu com protestos de grande escala, nos quais milhões de pessoas saíram às ruas contra sua política de ir à guerra no Iraque e Afeganistão. O Iraque foi destacado como o maior problema: “desde então, o temporal tem sido feroz, implacável e custoso” [1]. O governo de Blair mantinha 7 mil soldados no Iraque e 3 mil no Afeganistão. As empresas britânicas de “segurança privada” empregam 21 mil mercenários no Iraque, muitos dos quais são ex-soldados britânicos. A causa destas guerras e ocupações é a propriedade e o controle por parte do imperialismo ocidental do petróleo e dos recursos naturais do Oriente Médio e do mundo. Milhões de britânicos sabem disso.

Mais de 100 mil filiados renunciaram ao Partido Trabalhista, e o apoio dos trabalhadores tem caído tanto que, pela primeira vez desde a década de 1930, a ala esquerda do partido não pôde apresentar nenhum candidato para disputar a direção. Apenas um sindicato declarou apoio ao possível candidato da esquerda, John McDonnell.

Os ataques do Partido Trabalhista à classe trabalhadora
Basta olhar para a Grã-Bretanha para perceber o contraste: a brecha entre ricos e pobres está crescendo com rapidez; aumenta o poder da polícia, mas há cada vez mais corrupção nas altas esferas; os projetos de grandes edifícios decaem nas cidades; as companhias de inversões fazem milhões comprando outras firmas, mas pagam menos impostos ao governo que as empresas que limpam seus escritórios; enormes benefícios são destinados aos intermediários financeiros, pagos, em parte, por ajudar a destruir as pensões de 100 mil trabalhadores.

O governo coloca dinheiro no Serviço Nacional de Saúde, mas este é gasto nos altos custos dos medicamentos, construtores e contratistas privados, o enorme custo da Iniciativa de Financiamento Privado [2] e em empresas privadas de computação [3]. Enquanto isso, muitos dos recém-formados trabalhadores em saúde não podem encontrar trabalho no Serviço.

O Estado de Bem-Estar foi criado depois da Segunda Guerra Mundial como resposta à grande bronca dos trabalhadores durante a depressão da década de 1930, suas lutas e sua determinação de conseguir uma mudança. Foi construído o objetivo de proporcionar uma proteção a este risco de morte do sistema capitalista. Agora, a Grã-Bretanha está se convertendo no “buraco negro do inferno da privatização”: essa proteção é privatizada, gerando uma injustiça cada vez maior.

O programa que Blair desenvolveu para a juventude significou uma maior criminalização, um crescente banco de dados do AND de “jovens criminosos”, cujos registros jamais serão removidos, câmeras de controle nas escolas e ruas e maior quantidade de jovens presos que em qualquer outro país da Europa. Na Grã Bretanha, cerca de 3,4 milhões de jovens vivem na pobreza e uns 400 mil em condições de miséria.

O Partido Trabalhista hoje ataca as comunidades asiáticas, muçulmanas e negras por meio da chamada “guerra contra o terror”. A propaganda sobre isso cria temores com o objetivo de justificar ataques ainda maiores aos direitos democráticos e dos trabalhadores, enquanto se apóiam as invasões e a estratégia dos EUA para o domínio do mundo. A luta contra a “má conduta social” é o argumento usado para legitimar a política de “mão dura” com o crime, mas é totalmente permissiva com os crimes dos ricos e poderosos.

Ser mais duro que os conservadores com os delinqüentes foi um dos temas centrais de como o Partido Trabalhista se reciclou com o “novo trabalhismo”. Desde 1997 eles criaram 53 leis e decretos com 3 mil novos delitos. A população carcerária cresceu até a incrível quantidade de 80.299 (com os conservadores era de 41.000).

Isso é parte do feroz ataque aos setores marginalizados da classe trabalhadora e da preparação de ataques à classe operária como um todo. Os trabalhadores imigrantes vêem negado seu direito a trabalhar legalmente, são demitidos, detidos com suas famílias e deportados compulsivamente. Por isso, muitos são obrigados a trabalhar na economia informal para sobreviver. São os trabalhadores mais explorados nas fábricas e no setor de serviços.

Gordon Brown não será diferente. Ele apoiou a invasão do Iraque, foi um dos arquitetos dos planos de privatização para o setor público e apoiou plenamente a legislação draconiana de “lei e ordem”, que irá ainda mais longe do que Blair não pôde ir.

Estas leis, em uma economia que tem crescido constantemente nos últimos dez anos, não significam estabilidade para o capitalismo. Os métodos de controle usados pelo imperialismo britânico durante séculos no mundo estão se transformando na base do controle atual dentro da Grã-Bretanha.

Os mesmos problemas econômicos estruturais continuaram de Thatcher a Blair e, agora, com Brown. Grande parte da base industrial do capitalismo britânico foi destruída. Desde 1989, foram perdidos mais de 1,2 milhão de postos de trabalho na indústria e esta hoje gera menos de 16% da força de trabalho. Ao mesmo tempo, foram criados 2 milhões de postos nos serviços, a grande maioria precarizados e com baixos salários.

Além disso existe o crescente déficit comercial. Por exemplo, em março de 2007, o país importou 7 milhões de libras esterlinas a mais do que exportou (6% do PIB). Existe um nível recorde de endividamento pessoal e quebras. Muitas dessas dívidas pessoais provêm do refinanciamento de hipotecas de casas e as taxas estão aumentando, uma situação insustentável.

Deter a aliança da guerra
A guerra foi o principal fator da decadência de Blair. Então, como desenvolver uma oposição organizada? A coalizão “Paremos a Guerra” é dirigida pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP, na sigla em inglês) e é integrada pelo que resta do partido comunista da Grã-Bretanha, grupos pelo desarmamento nuclear, organizações da comunidade muçulmana e apoiada pela direção dos sindicatos, mas não passa de palavras. Na realidade, não foi além de realizar marchas e atos, sem aprofundar a discussão de como avançar mais, e tem pouca conexão com a classe trabalhadora.

A coalizão Paremos a Guerra centrou sua campanha no Iraque e Afeganistão, e fez declarações contra qualquer tentativa de invasão do Irã. Opôs-se ao “apoio britânico à ditadura militar paquistanesa e à oligarquia governante na Arábia Saudita”, mas não disse nada sobre o papel atual da ONU nem seu papel de ajudar a matar de fome o povo iraquiano com suas sanções na década de 1990, nem sobre sua ajuda para preparar o caminho para a invasão dos EUA e da Grã-Bretanha. A ocupação do Líbano pelos capacetes azuis é ignorada.

Muitos dos envolvidos no movimento trabalhista, inclusive a Esquerda Trabalhista e outras correntes, crêem que a ONU é uma “força pacificadora”. Opõem-se às “guerras ilegais”, mas não àquelas para onde o imperialismo envie os capacetes azuis.

As manifestações contra a guerra exigem que Brown mude a política e retire as tropas, mas se limitam a dizer que, se a guerra continua, a coalizão continuará convocando as manifestações. Os atos são importantes, mas não são suficientes para deter a guerra e a ocupação. A questão central, e totalmente ignorada, é como fazer com que os sindicatos se mobilizem para parar a guerra.

Existe um início de várias lutas nos sindicatos contra a ofensiva governamental sobre os salários, empregos e serviços públicos. Necessitamos que este movimento se mobilize também contra a guerra, porque só assim poderemos combater a fundo o governo.

A esquerda britânica
Há várias tendências políticas, tais como Respeito (dirigida pelo SWP e o deputado George Galloway), Campanha por um Novo Partido dos Trabalhadores (dirigida pelo Comitê por uma Internacional Operária, CIO, conhecidos como Militant), e esforços por formar novos sindicatos de base, como o RMT (sigla em inglês de Sindicato Ferroviário, Marítimo e do Transporte) e iniciativas para construir um movimento nos serviços.

A precursora de grande parte destes processos foi a Aliança Socialista, uma frente progressiva que incluiu muitas tendências revolucionárias, mas que agora ficou reduzida a um débil grupo. É importante destacar que na década de 1990 a Aliança Socialista considerou a Refundação Comunista, da Itália, e o Partido Socialista Escocês (SSP, em inglês), como modelos a seguir. O SSP se dividiu quando Tommy Sheridan (seu mais conhecido dirigente) foi acusado de “conduta imoral” pelo jornal marrom News of the World e iniciou um processo judicial contra o diário. Vários membros da direção do SSP foram chamados como testemunhas do processo e declararam contra Sheridan, afirmando que ele lhes havia dito, em uma reunião de direção do SSP, que as acusações eram verdadeiras. Em juízo, Sheridan chamou seus ex-camaradas de “mentirosos” e “oportunistas políticos”. Finalmente, ganhou em juízo contra o jornal.

Depois disso, Sheridan saiu do partido e criou a organização Solidariedade, junto com o SWP e o CIO, enquanto a maioria da direção permaneceu no SSP. Ambas as organizações tinham, em conjunto, seis deputados no parlamento escocês. Ambos partidos pregam um “caminho da Escócia ao socialismo” e, em nível nacional, chamam a votar em partidos que reivindiquem a independência da Escócia. Nas recentes eleições regionais, perderam todas as cadeiras, já que seu eleitorado apoiou principalmente o Partido Nacionalista escocês.

Em seu início, o SSP ganhou o apoio do RMT na Escócia e de outros sindicalistas. Mas logo o RMT viu que a luta de classes na Grã-Bretanha estava sendo dividida em duas nações separadas e não havia uma tendência revolucionária que defendesse o direito de autodeterminação, na perspectiva de unificar toda a classe trabalhadora britânica na luta contra a guerra e as privatizações.

A direção da Refundação Comunista foi muito mais longe e traiu na Itália, como explicaram os camaradas do PdAC, que romperam com este partido e se uniram à LIT-QI. Mas o programa do SSP subordina a luta internacional do proletariado às pressões nacionais.

Apoio dos sindicatos para os imigrantes ilegais
Os patrões e o governo estão criando várias castas de trabalhadores, com diferentes salários e condições de trabalho. Os mais explorados são os trabalhadores estrangeiros ilegais, incluindo os que procuraram asilo. Existe uma urgente necessidade de que os sindicatos organizem o conjunto dos trabalhadores sobre a base do direito ao trabalho para todos, contra os empregadores que sempre buscam desenvolver e aprofundar as divisões. A experiência histórica na Grã Bretanha deve recordar a Associação Internacional de Trabalhadores (a Primeira Internacional), que foi formada, entre outras coisas, pela necessidade dos trabalhadores britânicos e franceses de deter a exploração dos trabalhadores estrangeiros. Este trabalho foi continuado na história da Segunda Internacional, entre outros, por Eleanor Marx [4].

O único caminho que os sindicatos têm para construir um movimento combativo que possa reverter os muitos ataques que enfrentam é ajudar na organização e sindicalização desses trabalhadores estrangeiros, muitos dos quais trabalham por menos que o salário mínimo e sofrem a maior exploração.

Blair e Brown criaram um sistema brutal contra os trabalhadores ilegais. Mas em março deste ano houve um apoio sem precedentes à campanha para evitar a deportação de um nigeriano. A campanha teve o apoio de cinco secretários-gerais de sindicatos e a deportação foi impedida no último minuto. Isso só foi possível pela pressão dos sindicatos e a luta dos trabalhadores.

Esse é o caminho que a ISL (Liga Socialista Internacional) propõe: os sindicatos jogando um papel dirigente nessa luta. Uma luta pela exigência que se acabe com as restrições à imigração e com a perseguição aos imigrantes e pela necessidade que os sindicatos abram suas portas a todos os trabalhadores sem documentos.

A exigência pelo fim das leis de controle imigratório não é apoiada nem pelo Respeito nem pelo Novo Partido dos Trabalhadores. De fato, a única maneira de organizar os trabalhadores é sobre a base da unidade, independente de seu status imigratório (legais ou “ilegais”). Nenhum sindicato pode hoje sindicalizar com sucesso a força de trabalho sem desobedecer qualquer rótulo que o Novo Trabalhismo impôs aos trabalhadores pelo lugar onde nasceram ou de onde vieram.

Oposição à perda de postos de trabalho e aos cortes de salário
Em 2004, Brown anunciou que seriam reduzidos 104 mil postos de trabalho nos anos seguintes no setor público. Em 2006, os trabalhadores da administração pública foram a vanguarda na luta e realizaram a maioria das greves.

Como informou o CWU (Sindicato de Trabalhadores da Comunicação), em uma votação realizada com grande participação de seus filiados, 77% votou pela greve contra a proposta de Brown de aumento de 2,5% (o que, comparado à inflação de 4,5%, representa redução de salário). O setor postal está planejando uma redução de 40 mil postos de trabalho, fechamento de escritórios de distribuição e centros postais. Uma greve dessa categoria seria a primeira em 11 anos.

Em 2006, houve 750 mil dias de greve: “um total significativamente mais alto que os 157.400 dias de 2005, mas mais baixo que os 905 mil de 2004. Também é mais alto que a média da década de 1990 (660 mil), mas muito mais baixo que a média de década de 1990 (7,2 milhões) e a de 1970 (12,9 milhões)” [5].

É muito difícil que passe muito tempo antes que as lutas da classe trabalhadora cresçam e explodam. Suas características e ritmos estarão determinados pela situação internacional, não apenas no Iraque, mas também pelos crescentes atritos interimperialistas. Serão definidos também pela capacidade da classe trabalhadora britânica de iniciar suas lutas e associar-se internacionalmente. Para derrotar seus inimigos, terá que reaprender as lições de suas ações e sua história revolucionária, inclusive, como destacava Trotsky, a do movimento cartista do século 19 e também a história de seus precursores na ala “igualitária” da revolução burguesa do século 17.

NOTAS:
1.
Guardian Unlimited, Matthew Tempest, correspondente politico (10/05/2007).
2. Os contratos da IFP duram 25 ou 30 anos. O SNS funcionará com dinheiro do Estado antes que todos os reembolsos a estas firmas sejam resolvidos.
3. As empresas de computação fracassaram em prover uma solução, mas custaram bilhões. Estima-se que o custo destes contratos chegará a 30 bilhões de libras esterlinas.
4. Yvonne Kapp conta esta história em sua biografia de Eleanor Marx.
5. National Statistics, www.statistics.gov.uk