* Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa, em 12/06/2002. Disponível em observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/ artigos/jd120620023p.htm

“Depois dos gases tóxicos usados no Vietnã e em outros conflitos, parece que a arma ideológica preparada pelo governo americano seria uma novidade destes tempos midiáticos. (…) Com um poder de fogo subliminar como esse, a vítima principal seria a opinião pública.“
(Epcom – Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação)

Um dos jornais de maior prestígio dos Estados Unidos, o New York Times, em sua edição de 19 de fevereiro de 2002 noticiou que o Escritório de Influência Estratégica (OSI, em inglês) do Pentágono estaria “desenvolvendo planos para fornecer informações, possivelmente até algumas falsas, a organizações de comunicação estrangeiras“ num esforço para “influenciar o sentimento público e os formuladores de políticas tanto em países aliados como em inimigos.“ A entidade de media watching Fair (sigla americana para “Equilíbrio e Rigor na Mídia“), nos moldes do Observatório da Imprensa no Brasil, vem desempenhando papel importante de resistência crítica no próprio “ventre da besta“ – para utilizar expressão do sindicalista norte-americano Tom Lewis. Segundo boletim da Fair, “o OSI foi criado logo após o 11 de setembro para divulgar a perspectiva do governo dos EUA em países islâmicos, e assim fornecer apoio à ‘guerra contra o terror’ americana“ – com um orçamento nada restritivo de US$ 10 bilhões.

De acordo com a publicação do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação, o Epcom, “o plano é considerado polêmico por alguns membros do próprio Departamento de Defesa americano, e está sendo analisado pelo principal advogado do órgão, William Haynes. Por lei, o Pentágono e a Central Intelligence Agency (CIA) são proibidos de realizar atividades de propaganda nos EUA“ (AcessoCom, 21/2/02). Em reportagem do New York Times afirma-se que “uma das unidades militares designadas para levar a cabo as políticas do OSI“ é o Comando de Operações Psicológicas do Exército (o Psyops).

Porém, em fevereiro de 2000, reportagens em jornais holandeses e franceses revelaram que muitos oficiais do 4º Esquadrão Psyops (especializado em “operações psicológicas“) do Fort Bragg trabalharam na divisão de informações no quartel-general da CNN, da AOL Time Warner, em Atlanta, Geórgia, como parte de um programa de “estágio“ que começou nos dias finais da Guerra de Kosovo. A cobertura desta história, no mínimo alarmante, foi sintomaticamente escassa na imprensa dos EUA, mas a Fair relata que, após “veicular uma ‘Ação Alerta’ sobre o assunto“, a própria CNN declarou que “já tinha terminado o programa e reconhecido que era ‘inapropriado’“.

Alexander Cockburn, colunista de The Nation e editor da publicação eletrônica CounterPunch (ou Contragolpe), foi quem trouxe o assunto à baila para a mídia alternativa americana. Por intermédio do jornalista Abe de Vries, do periódico holandês Trouw, Cockburn teve acesso à informação de que militares – experts em propaganda – realmente participaram da produção de notícias de uma das maiores redes de comunicação do planeta. O assunto foi pauta de seu programa semanal de rádio, o AM Live, na Companhia de Radiodifusão da África do Sul – em Joanesburgo. Denúncia por denúncia, o escritório local da CNN contatou o quartel-general em Atlanta e Cockburn recebeu telefonema furioso de Eason Jordan, que se identificou como presidente de reportagem e redes internacionais da CNN. Apesar da indignação, ele confirmou que a CNN tinha recebido cinco estagiários das Forças Armadas: dois em televisão, dois em rádio e um em operações de satélite.

“Durante a Guerra do Afeganistão, o Pentágono encontrou uma forma direta de ‘controle’“ – dizem os analistas da Fair: “Simplesmente comprou todas as imagens do Afeganistão captadas por satélites comerciais, para prevenir assim que a mídia pudesse acessá-las.“ O 4º Esquadrão Psyops é o mesmo grupo que integrou o Conselho de Segurança Nacional, o agora notório Escritório de Diplomacia Pública (OPD), segundo a Fair “obscura agência de propaganda do governo que plantava boatos na imprensa americana apoiando as políticas externas relacionadas à América Central no governo Reagan“, na década de 80. Na época, o Psyops chegou a transmitir programas de rádio e TV para a Nicarágua, com o objetivo de desestabilizar o governo sandinista. Nos anos 90, como aponta o Epcom, o destacamento tentou estimular o apoio às missões americanas nos Bálcãs. Descrito por um oficial de alta patente dos EUA como uma “vasta operação psicológica de táticas de guerra“ que seria “do mesmo tipo que os militares conduzem para influenciar a população de um território inimigo (Miami Herald, 19/7/87)“, o OPD foi suspenso após o caso Irã-Contras, “mas não sem antes influenciar a cobertura da grande imprensa – incluindo Wall Street Journal, New York Times e Washington Post (Extra!, 10/9/01).“

Boas e velhas táticas
A informação, segundo o jornalista holandês, foi obtida em artigo da publicação francesa Intelligence Online, em 17 de fevereiro de 2000, que descrevia um simpósio militar em Arlington, Virginia (EUA), promovido no começo de fevereiro do mesmo ano, sobre o uso da imprensa em operações militares. O coronel Christopher St. John, comandante do 4º Esquadrão Psyops, teria clamado – segundo Intelligence OnLine – por “uma maior cooperação entre as Forças Armadas e os gigantes de mídia“. Como aponta a Federação dos Cientistas Americanos, “os esforços insistentes do governo Bush pela expansão do escopo dos serviços secretos oficiais são agora amplamente vistos como característica significativa de sua presidência (Secrecy News, 18/02/02)“.

A recusa do governo em liberar informações sobre o Escritório Geral de Contabilidade da empresa Enron é talvez o mais visível destes esforços, diz a Fair. Ainda, as políticas restritivas à “liberdade de imprensa“ (ou de empresas) do Pentágono durante a Guerra do Afeganistão têm sido um problema permanente. O repórter Doug Struck, do Washington Post, contou que soldados americanos ameaçaram atirar se sua equipe continuasse tentando investigar uma região onde civis foram mortos.

Outra ação, conforme o Epcom, “é mandar e-mails sem remetente identificável a jornalistas e políticos com o ponto de vista americano e atacando governos inimigos“. A iniciativa é do OSI, comandado pelo general-de-brigada da Força Aérea Simon Worden – que propagaria tanto informações falsas quanto verdadeiras. O projeto das operações, como apontamos, já gerou polêmica no próprio Pentágono. “Segundo os críticos“, como revela o instituto brasileiro, “a mistura de atividades fraudulentas com o trabalho tradicional prejudicaria a credibilidade do Pentágono na mídia, na sociedade e no exterior“. Da mesma forma, “alertam que os EUA certamente serão cobrados por países aliados irritados com a tentativa militar americana de exercer influência dentro de suas fronteiras“.

Pode-se identificar, no conjunto destas informações, o “esforço maciço de propaganda“ de que nos fala o sociólogo americano James Petras. Numa orquestração de mídia, setores estratégicos das Forças Armadas – mais precisamente especialistas em operações psicológicas (as psy-ops) – conduzem campanhas de informação e contra-informação de organismos do Pentágono ou da própria CNN. Observamos dessa forma, um processo de endurecimento do qual fazem parte os meios de comunicação de massa de maneira orgânica. No centro do império, é de se esperar que o maior conglomerado de comunicação televisiva do Ocidente mantenha estas relações estreitas – já que estar em contato direto com os altos escalões do Exército é condição imprescindível para quem precisa estar na hora e no lugar certos quando um bombardeiro B-52 esteja prestes a despejar seus mísseis. Mais do que isso, o que aconteceu (e já vem acontecendo) é que oficiais, soldados e estrategistas foram contratados pela emissora em diversos setores da produção jornalística. É o mesmo país que financiou jornais chilenos, por intermédio da CIA, para minar o governo popular de Salvador Allende.

Operando intervenções militares maciças, bem como aparelhos ideológicos de dominação, os EUA formam um novo imperialismo. Segundo Petras, estamos em meio a uma “contra-ofensiva imperial“ na qual, para reaver o controle de capitais e exercer a hegemonia política no mundo, as missões diplomáticas do FMI e do Banco Mundial, próprias do neoliberalismo, estariam sendo substituídas por marines e crescente militarização – o que estaria configurando um período neomercantilista de disputa selvagem por velhos territórios. Nesse novo imperialismo, ganham novo uso as velhas táticas da informação e da contra-informação. Quem disse que mentira tem pernas curtas?

FONTES
1) Epcom (Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação): “Arma invisível“, análise do dia 21/2/2002. AcessoCom, Porto Alegre www.acessocom.com.br>;

2) Fair (Fairness & Accuracy In Reporting): “Media Advisory: Pentagon Propaganda Plan Is Undemocratic, Possibly Illegal“, EUA, 19/2/2002. www.fair.org>;

3) Fair. “Action Alert: Why Were Government Propaganda Experts Working On News At CNN?“. EUA, 27/3/2000 www.fair.org>;

4) Alexander Cockburn, “Military personnel from the Fourth Psychological Operations Group based at Fort Bragg, in North Carolina, have until recently been working in CNN`s HQ in Atlanta“. CounterPunch, 26/3/2000 www.counterpunch.org>;

5) James Petras, “La Contraofensiva Imperial: Contradicciones, oportunidades y desafíos“, Rebelión, 16/12/2001 www.rebelion.org>.