A inflação nos preços dos alimentos e os recentes protestos em várias partes do mundo trouxeram à tona o dramático problema da fome. Manifestações no Haiti, Bangladesh, África e China foram os primeiros protestos por comida em 30 anos, segundo a revista bA alta nos alimentos no último período atinge em cheio a população mais pobre e, por isso, esteve encoberta pelas notícias da crise financeira dos EUA. Mundialmente, a inflação no setor acumula alta de 83% nos últimos três anos. Já segundo o jornal alemão Der Spiegel, o preço de itens como arroz, milho e trigo, base da alimentação de populações inteiras em várias partes do mundo, subiu mais de 180% nesse mesmo período. O problema, no entanto, adquiriu tamanha proporção que atraiu a atenção das principais potências, assim como de órgãos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial.

Instabilidade global
Mas, por que os organismos que servem como instrumentos diretos do imperialismo estão tão preocupados com a fome no mundo, uma vez que foram justamente eles que ajudaram a implantar o modelo neoliberal responsável pelo problema? O próprio presidente do Banco Mundial, Roberto Zoellick, aponta a resposta, ao afirmar que a inflação nos alimentos pode “causar instabilidade em pelo menos 33 países, incluindo Egito, Indonésia e Paquistão, onde o exército teve que ser chamado para proteger os transportes de farinha”.

O Secretário Geral das ONU, Ban Ki-Monn também expressou sua preocupação com a fome, sob um viés não tão humanitário. “Trata-se de um problema grave, que obviamente está ameaçando vários governos. Alguns desses governos estão em situação delicada, e creio que haverá mais crises políticas pela frente”, disse ao jornal norte-americano New York Times.

Enquanto os preços dos produtos básicos subiam, fustigando a população que se resignava, o assunto não tirava o sono do imperialismo. Uma vez que a fome pode causar instabilidade em boa parte do planeta, fortalecendo inclusive grupos islâmicos no Norte da África ou inflamando movimentos de massa contra os governos, como no Haiti, ela se torna um dos temas centrais desses organismos.

Segundo a Economist, aproximadamente 1 bilhão de pessoas no planeta sobrevive com apenas U$ 1 por dia. Eles estão cortando carne, vegetais e uma ou duas refeições por dia. A classe média-baixa dos países pobres, que sobrevive com U$ 2 por dia, está tirando as crianças das escolas e cortando vegetais da alimentação para continuarem consumindo pelo menos arroz.

Longe, porém, de quererem resolver o problema, Banco Mundial e a ONU propõem um conjunto de medidas compensatórias aos países pobres. Zoellick pediu a colaboração dos países-membros do Banco Mundial para levantar mais US$ 500 milhões ao programa da ONU para combater a fome no mundo. Tanto o Banco Mundial como a ONU falam da necessidade de um “New Deal” dos alimentos. O New Deal foi o programa do governo Roosevelt nos EUA para enfrentar a grande depressão que eclodiu em 1929.

O programa do imperialismo para acalmar a crise alimentar não passa, portanto, de um Fome Zero global. Medidas compensatórias para acalmar a fúria da multidão faminta enquanto perpetuam a pobreza e a miséria.

Lula embaixador dos fazendeiros
A crise inflacionária abriu uma polêmica internacional. A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o Banco Mundial e o próprio FMI acusaram o avanço dos biocombustíveis como um dos principais responsáveis pela alta nos alimentos. O relator especial da FAO, Jean Zigler, declarou que a produção em massa de biocombustíveis era um “crime contra a humanidade” . Já o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Khan afirmou que “os biocombustíveis criam um problema moral para a humanidade”.

O presidente Lula, em viagem a Haia, Holanda, fez então uma das declarações mais esdrúxulas de seu mandato, ao afirmar que a inflação dos alimentos era uma “inflação boa”, pois “os pobres estariam comendo mais” . Certamente, devem discordar de Lula os milhares de haitianos que sobrevivem comendo bolinhos de barro, óleo e açúcar. Como se não bastasse, Lula defendeu a produção de biocombustíveis e negou que o Etanol tivesse alguma culpa na inflação dos alimentos.

Nesse dia 18, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim foi além e, não só defendeu o Etanol como pediu o fim dos subsídios agrícolas dos países ricos a seus produtores. “Se o FMI puder ajudar para que países africanos e países latino-americanos mais pobres possam produzir biocombustíveis que entrem sem barreiras nos países ricos, eles estarão ajudando a renda desses países, e é com renda que você obtém os alimentos”,,chegou a dizer. Ou seja, para o governo Lula, a solução para o problema da fome é garantir maiores lucros aos grandes agro-exportadores.

Raiz do problema
Apesar das supostas divergências, tanto os dirigentes dos organismos multilaterais quanto Lula afirmam que a inflação dos alimentos não tem um único responsável. Cada um com seu motivo. Lula tem sua política voltada aos interesses do setor agro-exportador. ONU, FAO e Banco Mundial, além do medo da instabilidade política, podem ter outros interesses mais subterrâneos, como a defesa das grandes empresas petrolíferas contra o biocombustível.

No entanto, na raiz do problema, abaixo dos múltiplos fatores que emergem como causadores da fome, como os biocombustíveis e a especulação financeira em cima dos produtos básicos, está o avanço da miséria causado por anos de políticas neoliberais.

Se, por um lado, os alimentos aumentaram de forma exorbitante, por outro, os salários e a renda de grande parte da população mundial não acompanharam esse avanço, ficando abaixo do necessário para uma sobrevivência digna.

A própria FAO e o Banco Mundial indicam que a crise só tende a aumentar no próximo período. “A época dos alimentos baratos acabou”, sentencia a Economist. O povo haitiano apontou a saída para a crise, invadindo as ruas contra o governo Préval e contra as tropas da ONU lideradas pelo Brasil.

A solução para a crise alimentar, ao contrário do que defende o governo Lula, não está nos fazendeiros.