Marcelo Camargo/Agência Brasil
Eduardo Zanata, de Brasília (DF)

O aumento no preço dos alimentos da cesta básica, principalmente nos últimos 2 meses, é um dos principais temas em debate hoje e tem gerado aflição e sofrimento para a classe trabalhadora.  É um fator de angústia e desespero para milhões de trabalhadores que amargam o desemprego, que sofreram com a perda de suas rendas familiares ou que terão o auxilio-emergencial reduzido pela metade para os próximos meses. Além disso, o cenário de crise profunda da economia capitalista projeta para o futuro próximo um cenário desastroso, sem perspectivas de melhora da situação social para milhões de famílias.

Porém, a crise não é para todos. Enquanto os dados revelam que atualmente há mais gente fora do que dentro do mercado de trabalho, dentre aqueles que compõem a população economicamente ativa, grandes empresas e um seleto grupo de bilionários viram sua fortuna aumentar em meio à pandemia da COVID-19. Como foi revelado pelo Instituto Oxfam recentemente, 42 bilionários brasileiros aumentaram sua fortuna em mais de R$ 170 bilhões durante os primeiros 4 meses da pandemia no Brasil.

Agronegócio e supermercados aumentaram faturamento em 2020

Segundo os dados da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) do mês de junho, o setor agropecuário deve ter um aumento no valor bruto da produção agropecuária (VBPA) de 12,5% em 2020, totalizando R$ 770,3 bilhões. O superávit da Balança Comercial do setor agropecuário bateu recorde para os sete primeiros meses, totalizando 54 bilhões de dólares (mais de R$ 200 bilhões).

Segundo o relatório da CONAB divulgado no dia 10 de setembro, houve aumento de produtividade e da área cultivada do setor agropecuário. São 65,9 milhões de hectares de área plantada. Também houve um aumento de 4,5% da safra no período 2019/2020 em relação à safra anterior, um total de 11 milhões de toneladas a mais do que a safra 2018/2019.

O arroz, por exemplo, que acumula uma alta nos preços de 100% nos últimos 12 meses, (segundo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP) teve uma safra de 11,2 milhões de toneladas, um aumento de 6,7% em relação à safra passada. O feijão também teve um aumento de 11,2% na safra atual em relação à safra anterior.

Ou seja, enquanto a classe trabalhadora amarga a fome, a perda de renda e o desemprego em meio a uma profunda crise econômica e sanitária, as grandes multinacionais do agronegócio vão muito bem obrigado.

O agronegócio é dominado por quatro grandes multinacionais no ramo de grãos no Brasil e no mundo, conhecidas como ABCD (ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus). Juntas, essas 4 empresas têm faturamento anual no mundo em torno de 230 bilhões de dólares. Há no Brasil um processo brutal de concentração da renda agropecuária. No país, existem 5,17 milhões de produtores rurais. Desses, por volta de 300 mil são responsáveis por quase 79% do VBPA do agronegócio; 800 mil produzem 13,5%; e o restante, apenas 7,6%. É esse processo de concentração que coloca a produção agropecuária no Brasil a serviço do mercado mundial de commodities e não a serviço das necessidades e da soberania alimentar do país.

Pegando novamente o exemplo do arroz, a alta dos preços no mercado internacional, combinada com a desvalorização do Real frente ao Dólar, provocou um aumento expressivo das exportações de arroz, com 245 mil toneladas em julho desse ano contra 71 mil toneladas em relação a julho do ano passado, um aumento de mais 200% nas exportações. Contudo, a maior parte da produção de arroz no Brasil é vendida no mercado interno. Segundo a CONAB dos 11,2 milhões de toneladas de arroz, somente 1,5 milhões será destinada à exportação, e o Brasil deve importar 1,1 milhões de toneladas em 2020. Se a maior parte é destinada para o mercado interno, o que explica um aumento tão expressivo no preço do arroz?

A produção nacional de arroz, apesar de ser vendida em sua maioria para o próprio mercado brasileiro, é precificada pelo valor internacional do grão e vendido aos atacadistas e varejistas no Brasil, segundo a cotação internacional. Isso ocorre porque a produção do arroz, como de outros grãos, é dominada por um número pequeno de multinacionais que visam unicamente o lucro e que podem impor o preço de comercialização em função de um forte oligopólio.

É ridícula a fala de Bolsonaro de que o aumento nos preços é consequência do aumento do consumo em função do auxílio-emergencial de R$ 600,00. O problema é o oligopólio do setor agropecuário e também do setor de supermercados. Por isso, é inócua a política de Guedes-Bolsonaro de zerar a alíquota de importação do arroz, que vai aumentar o lucro das multinacionais do agronegócio e não vai surtir qualquer efeito no preço do arroz vendido no Brasil.

A política criminosa de Bolsonaro de fortalecer o agronegócio com isenções fiscais, subsídios, perdão das dívidas, paralisação e retrocesso na reforma agrária, incentivo da grilagem, desmatamento e ampliação da fronteira agrícola tem impulsionado os lucros dos grandes latifundiários e das multinacionais, mas não tem levado ao barateamento dos preços dos alimentos.

A concentração do ramo de supermercados nas mãos de grandes empresas e multinacionais

Apesar de grande parte do problema da alta do preço dos alimentos estar relacionada com a concentração fundiária nas mãos do agronegócio, o oligopólio do setor de supermercados também tem papel decisivo nesse problema. Quando Bolsonaro pede “patriotismo” dos donos de supermercados para evitar a inflação dos alimentos, é apenas jogo de cena de quem sabe que o ramo de supermercados no Brasil é dominada por 3 grandes empresas, sendo 2 multinacionais Carrefour e BIG/Walmart e o Grupo Pão de Açúcar (de origem nacional, mas com a maior parte do capital na mão de investidores estrangeiros).

Os dados de 2019 publicados pela ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) revelam que há 89.806 lojas de supermercados no Brasil que produziram um faturamento de R$ 378,3 bilhões *(sem a inclusão dos dados da BIG/Walmart, que não divulga seus resultados no Brasil). As 300 maiores empresas, com 7.632 lojas são responsáveis por R$ 290 bilhões do total desse faturamento. Somente o Carrefour e o Grupo Pão de Açúcar, as 2 maiores empresas, com menos de 2 mil lojas representam mais de R$ 120 bilhões de faturamento. Em 2019, o setor de varejo dos supermercados, que representa 80% do faturamento total do setor, teve o maior lucro líquido da história, desde que a ABRAS iniciou a publicação de seu ranking há 20 anos.

O mito liberal da livre concorrência e da regulação dos preços, de forma justa, pela lei da oferta e procura é uma piada de mau gosto, num cenário em que a concentração bárbara de capital na mão de poucas empresas impõe à classe trabalhadora preços abusivos dos itens básicos, impossibilitando aos trabalhadores uma vida digna sobre o capitalismo.

Estatizar as grandes empresas do agronegócio e dos supermercados

A pandemia da COVID-19 tem revelado o lado mais cruel do capitalismo, que empurra a humanidade para a barbárie para garantir o lucro e os privilégios de um punhado de parasitas. No Brasil, esse quadro é ainda mais dramático em função da política ultraliberal e do caráter autoritário do governo Bolsonaro. Somente uma revolução, que derrube Bolsonaro, Mourão e toda a corja corrupta do Congresso Nacional, colocando os trabalhadores e trabalhadoras no controle do país, pode acabar com o caos em que estamos metidos.

O problema da escassez de alimentos de milhões de famílias brasileiras, assim como o da inflação dos alimentos, só pode ser resolvido se estatizarmos as grandes empresas multinacionais do agronegócio e dos supermercados. De forma imediata, é preciso estatizar sem indenização, sob gestão total dos trabalhadores, as 100 maiores empresas do agronegócio e dos supermercados. Com isso seria possível diminuir o preço dos alimentos e vendê-los a preço de custo e garantir a distribuição gratuita a milhões de famílias de baixa renda dos produtos da cesta básica.

No mesmo sentido, é preciso fazer um reforma agrária radical, que acabe com o latifúndio e a concentração de terras e coloque a produção agropecuária a serviço da soberania alimentar do Brasil. Com uma profunda reforma agrária também vamos resolver o problema do uso dos agrotóxicos, melhorando a qualidade do alimento da população brasileira, além de desbaratar a máfia de grileiros, madeireiros e ruralistas que destroem os ecossistemas do país e atacam violentamente os povos quilombolas e originários.

Fontes

https://www.cnabrasil.org.br/boletins/soja-milho-e-carne-bovina-sao-destaques-na-alta-esperada-de-12-5-do-valor-bruto-da-producao-agropecuaria-em-2020

https://www.cnabrasil.org.br/assets/arquivos/boletins/CNA-BalancaComercial-AgroBrasil-JUL2020-1.pdf

https://www.conab.gov.br/ultimas-noticias/3608-ultimo-levantamento-consolida-safra-recorde-de-graos-em-257-8-milhoes-de-toneladas

https://www.conab.gov.br/info-agro/safras

https://www.abras.com.br/economia-e-pesquisa/ranking-abras/pesquisa/

https://www.abras.com.br/edicoes-anteriores/Main.php?MagNo=259#page/31

https://forbes.com.br/listas/2020/03/100-empresas-brasileiras-do-agronegocio/

http://emailmkt.abras.com.br/superhiper/pdf/514.pdf