Acima, Bumba, personagem de A lua me disse. Abaixo, Serena, índia interpretada por Priscila Fantin.
imagem rede Globo

Movimentos indígenas e entidades defensoras da questão indígena e dos direitos humanos se uniram em uma nota de repúdio contra a rede Globo e a direção da novela “A lua me disse“. A nota expressa o repúdio dos movimentos indígenas contra a forma preconceituosa com a qual vem sendo tratada a personagem Bumba, uma nambiquara. A novela é dirigida por Miguel Falabella. O documento foi enviado ao Congresso, à Rede Globo e à Secretaria Nacional da Identidade e da Diversidade Cultural, que integra o Ministério da Cultura.

A novela está estereotipando e desrespeitando a dignidade dos povos indígenas, segundo as entidades que assinam a nota. A personagem Bumba é uma empregada constantemente maltratada pelos patrões. Em várias cenas, os patrões gritam, humilham e maltratam a indígena. Em vários momentos ela é chamada de “preguiçosa“, o que dissemina uma visão preconceituosa que se construiu desde o colonialismo com relação aos indígenas e que foi um dos motivos para o extermínio desses povos.

Em um dos episódios, o objetivo de estereotipar ficou claro, quando Bumba aparece como uma tarada. Na cena, ela corre atrás da personagem do ator Paulo Vilhena, que estava de toalha, dizendo “Índia, quando quer homem, fica nua na taba. Índia gosta de ver homem nu. Índia quer!“.

“A maneira como a índia está sendo exposta na novela é um desrespeito à dignidade dos povos indígenas. Há preconceito. Ela é tratada de forma exótica, como se fosse um bicho. Ela é muito maltratada. E isso acaba sendo multiplicado, pois a TV tem uma grande capacidade de inculcar imagens sintéticas nas mentes das pessoas. Esse não é o papel da televisão“, afirmou o antropólogo Aloir Pacini, professor da Universidade do Mato Grosso e supervisor do Museu Rondon, em declaração dada ao site do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

“A lua me disse” não é a única novela exibida pela Globo que estereotipa a comunidade indígena. Na novela “Alma Gêmea“, após a invasão de sua aldeia, a índia Serena viaja para São Paulo e é chamada diversas vezes de “selvagem“ por vários personagens, sofrendo o mesmo preconceito da personagem Bumba da outra novela. Além disso, pesa o fato de que para protagonizar uma personagem indígena, ainda que miscigenada, a emissora escolheu a loura de olhos azuis Priscila Fantin. Lembra um pouco a personagem de Sérgio Cardoso, um ator branco, que, de rosto pintado, interpretava um negro na novela A Cabana do Pai Tomás, em 1969.

Esses são alguns dos muitos exemplos de como a mídia perpetua os valores capitalistas. A televisão de modo geral e suas novelas, que são amplamente acompanhadas pela população, sempre influenciam o comportamento das pessoas, transmitindo os valores da classe dominante. Com relação aos povos indígenas, o tratamento ainda é colonialista.

Abaixo, a nota de repúdio:
NOTA DE REPÚDIO À NOVELA DE MIGUEL FALABELLA (TV GLOBO)

Constatamos com tristeza que a criatividade do Sr. Falabella, na sua mais recente novela (“A lua me disse“), atingiu a imagem do povo Nambiquara, que merece, pela sua história de resistência e sofrimento, o mais profundo respeito de cada um de nós, brasileiros. A índia Nambiquara, na caricatura da novela, está condenada ao estrato mais subalterno da sociedade, quase como se fosse um animal exótico, divertido, digno de riso. Uma imagem que não é totalmente alheia à nossa realidade, onde o preconceito legitima a exploração, a expropriação e o abandono do poder público.

Cabe à televisão brasileira o importante papel de educar, todos sabemos. De um autor/ator respeitado pelo seu público esperamos mais do que a confirmação de idéias e valores que os povos indígenas lutam tanto para superar, nas suas mais variadas formas de discriminação das diferenças.

Aloir Pacini, Museu Rondon, UFMT
Eurípia de Faria Silva, Pastoral da Criança Indígena
Ir. Glória Antônia Mamani, Mutirão pela Superação da fome e da miséria, CNBB