Foto Erick Dau

No final da tarde desse domingo, 3 de setembro, assistimos perplexos um incêndio consumir todo o prédio do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, localizado no Rio de Janeiro.

As causas do incêndio ainda não foram reveladas e, segundo relatos de bombeiros que estavam no local, não havia água nos hidrantes ao redor do museu, retardando ainda mais o combate efetivo ao incêndio.

Este é o segundo incêndio que destrói um grande museu brasileiro, em apenas três anos.

Quando esse tipo de desastre acontece, a perda é difícil de calcular. Não só pelo valor material das obras e artefatos, mas porque os objetos que compõem o acervo de um museu são portadores de muitas informações e importantes registros históricos.

Em 2015, o Museu da Língua Portuguesa, na cidade de São Paulo, foi completamente destruído por um incêndio originado por um curto circuito na rede elétrica. Ronaldo Ferreira da Cruz, bombeiro civil que trabalhava no museu, morreu tentando combater o incêndio.

O prédio do Museu da Língua Portuguesa foi posto abaixo pelas chamas. No entanto, a perda informacional e patrimonial foi pequena, pois o seu acervo era praticamente todo virtual.

Felizmente, não houve vítimas no incêndio ao Museu Nacional. No entanto, estamos diante de uma tragédia diferente e muito maior do que a de 2015. Isso porque o MN é o primeiro e maior museu brasileiro, possui um dos maiores e mais diversificados acervos materiais do mundo e que, ao que tudo indica, foi completamente destruído. A perda de informação, de memória e de patrimônio é imensa. Por isso, é a maior tragédia patrimonial da história brasileira.

Museu Nacional: o primeiro museu brasileiro
Os museus modernos são criações das revoluções burguesas. Isto é, surgiram no momento em que a burguesia era uma classe que cumpria um papel progressivo na história, destruindo as velhas relações feudais e revolucionando todo o mundo.

Os espécimes, artefatos e obras de arte que antes ficavam confinadas em gabinetes de curiosidades particulares, e em coleções de príncipes e nobres, foram concedidas e/ou  expropriadas pelos revolucionários para compor instituições abertas ao público e que deram origem aos primeiros museus de história natural e de artes.

Foi assim na Inglaterra, com o Museu Ashmolean (1683), e foi assim com o Museu do Louvre (1793) – empreendimento que se arrastava por décadas nas mãos da nobreza e que foi rapidamente concluído pelos revolucionários franceses, que transformaram o grande monumento arquitetônico da nobreza no símbolo do triunfo da burguesia francesa.

E, claro, como criações da burguesia, os museus também são testemunhos da pilhagem colonial e imperialista, abrigando registros históricos, artísticos e da biodiversidade dos quatro cantos do mundo. E com o Museu Nacional não era diferente.

Porém, ao contrário do que acontecia na Europa, os primeiros museus brasileiros foram criados pela monarquia portuguesa que chegara por aqui em 1808. E, na ausência de Universidades em solo brasileiro, os museus cumpriram por muitos anos o protagonismo na produção científica do país.

Essa é a história do Museu Nacional, criado como Museu Real, em 1818. Um museu federal ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ao Ministério da Educação, que reunia o maior e mais diversificado acervo do país e que, no ano do seu bicentenário, foi consumido pelas chamas.

O Museu Nacional abrigava um grande acervo bibliográfico, com livros e mapas raros, teses e dissertações científicas, uma rica coleção paleontológica, com fósseis de dinossauros e grandes mamíferos, coleções arqueológicas dentre outras. Abrigava, por exemplo, o esqueleto de 12 mil anos de Luzia, uma das mais importantes descobertas arqueológicas da América Latina. Além disso, o Museu abrigava o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRJ.

As causas deste incêndio ainda não são conhecidas, mas a verdade é que esta é mais uma  tragédia anunciada e que tem grandes culpados.

A culpa é dos governos burgueses: PSDB, PT e (P)MDB!
A tragédia que se abateu sobre o Museu Nacional exige muita solidariedade, e não admite nenhuma amnésia política.

Para entendermos as verdadeiras causas deste incêndio é preciso ir à raiz da miséria de recursos para a Educação e para a Cultura do país. Essa raiz é a dívida pública.

Em primeiro lugar, cumpre dizer que a dívida pública é “pública” só nome, pois não se trata de uma dívida contraída pelo povo, com juros fixos e data para acabar. Ao contrário, é um mecanismo de roubo da riqueza produzida pelos trabalhadores que vai diretamente para o bolso de banqueiros nacionais e internacionais. A dívida pública não tem juros fixos e muito menos data para acabar. E quanto mais pagamos, mais ela cresce, como um monstro que devora tudo e todos.

Só depois de fixar a fortuna que será dada aos banqueiros nacionais e internacionais é que os governos burgueses estabelecem o orçamento para todas as políticas públicas na área da Cultura e  da Educação.

E, por mais que os petistas e reformistas neguem, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer têm muitas coisas em comum; uma em especial: todos eles pagaram religiosamente a dívida pública, o chamado “bolsa banqueiro”.

Ou seja, pagaram os juros e amortizações da dívida pública que consomem quase metade do orçamento federal. Foi assim em 2014 – ano da Copa do Mundo e da greve dos trabalhadores do Ministério da Cultura – quando o Governo Dilma Rousseff (PT) destinava 45,11% do Orçamento Federal para o pagamento dos juros e amortizações da dívida,  míseros 3,7% do Orçamento para a Educação e 0,04% para a Cultura! Naquele ano, o Museu Nacional recebeu 427 mil reais, 104 mil reais a menos do que em 2013.

O que aconteceu com o MN pode acontecer com outros museus
Embora o Museu Nacional, ligado à UFRJ, dependesse do Ministério da Educação, é importante lembrar que existem mais de trezentos museus federais de pequeno e grande porte – em sua maioria ligados ao Ministério da Cultura – e que podem ter o mesmo trágico fim que o Museu Nacional, por falta de recursos.

Isso porque a política cultural no país, mantida e desenvolvida pelos governos petistas, é neoliberal e privatista, cuja expressão maior é a Lei Rouanet, uma lei de transferência de dinheiro público para grandes empresas patrocinarem atividades culturais, criada no Governo Collor.

Na prática, este modelo de financiamento dá para as grandes empresas o controle sobre as atividades culturais que podem ou não serem produzidas e distribuídas no Brasil. Assim, grupos como Itaú, Santander e Disney conseguem milhões de reais em editais obscuros, e ainda lucram com divulgação de sua marca em espetáculos que cobram ingressos que muitas vezes ultrapassam os R$ 100!

E, como se essa política de financiamento já não fosse perversa o bastante, os governos de Lula e Dilma aprofundaram a privatização dos museus brasileiros ampliando o quadro de trabalhadores terceirizados e precarizados nessas instituições num grau sem precedentes.

Como parte das migalhas destinadas à Cultura, Lula criou em 2009 o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), que substituiria o IPHAN na responsabilidade sobre os museus federais. Parte do já reduzido quadro de profissionais do IPHAN foi redistribuído para o IBRAM e, nestes quase 10 anos de vida, o IBRAM realizou apenas um concurso público com minguadas 294 vagas. Hoje, o instituto conta com menos de seiscentos funcionários em todo o país e é responsável por apenas 30 dos mais de 350 museus federais.

2015, o ano que não terminou…
Ainda em 2004, em visita às dependências do MN, o Secretário estadual de Energia, Indústria Naval e Petróleo alertava que o museu iria pegar fogo por conta de seu deplorável sistema elétrico[1]. Na verdade, houve muitos alertas sobre a situação do MN, mas talvez o ano de 2015 tenha sido mais crucial para essa trama do que muitos podem admitir.

Em janeiro de 2015 o Museu Nacional fechou as portas por conta de uma greve dos trabalhadores terceirizados dos serviços gerais que estavam há quatro meses sem receberem seus salários. Naquele ano, o MN recebeu apenas 257 mil reais da UFRJ[2].

Essa greve soou o alerta para a crise orçamentária das Universidades e Institutos Federais do Ensino Superior (IFES), vinculadas aos Ministérios da Educação que deflagraram, quatro meses depois, uma forte greve contra o ajuste fiscal de Dilma Rousseff, que cortou mais de 90 bilhões de reais dos serviços públicos, sendo R$ 11 bilhões só da Educação.

Portanto, a greve dos Institutos e Universidades Federais, no fundo, começou no Museu Nacional com os trabalhadores terceirizados.

O Comando Nacional de Greve das IFES reivindicava que o então Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, “saísse da lata” e recebesse os professores e técnicos administrativos em Educação para negociação. Exigia-se, também, que os respectivos reitores das IFES revelassem o orçamento das instituições para toda a comunidade e jogando luz sobre o impacto dos cortes do governo federal.

Sobre essa greve, vale recordar o papel nefasto de entidades como a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) que pediam ao Governo Dilma que “as propostas relativas à carreira docente e à gestão das universidades, que fazem parte da pauta sindical, não sejam aprovadas pelo governo, nas negociações para encerrar a greve que afeta essas instituições”![3]

Teve de tudo naquele ano: um grupo de professores eméritos da UFRJ enviou uma carta para o Ministro da Educação pedindo uma atitude enérgica que acabasse imediatamente com a greve. Teve, também na UFRJ, um grupo de professores antigreve atrelados ao Governo Dilma e encabeçado por uma professora que, hoje, é candidata à Deputada Federal pelo PSOL nestas eleições!

Hoje, os eméritos sumiram, e aqueles que diziam que a greve em defesa da Educação fazia o jogo da direita, hipocritamente lamentam o incêndio do Museu Nacional…

Foi uma greve muito difícil e que se enfrentou por cerca de quatro meses com um governo truculento e intransigente que ameaçava, dentre outras coisas, criar uma Organização Social para contratação de professores nas IFES sem concurso público e que, meses depois, pintou-se de progressista quando ameaçado pelos seus antigos aliados de impeachment.

Para que essa tragédia nunca mais se repita é preciso uma rebelião!
Michel Temer (MDB), vice de Dilma, deu sequência ao ajuste fiscal nos serviços públicos aprovando a Emenda Constitucional 55, que institui o congelamento dos investimentos públicos por vinte anos. Até o momento, o MN recebeu inacreditáveis 166 mil reais[4] da UFRJ, vindos do Ministério da Educação!

Para se ter uma ideia da irracionalidade do capitalismo e do deboche dos bandidos que nos governam, o Governo Temer investe menos no Museu Nacional do que a Câmara dos Deputados para lavar os seus 83 veículos oficiais[5]!

E, para aprofundar a precarização do trabalho nos museus e em todo mercado de trabalho brasileiro, Temer e o Congresso de corruptos aprovaram a reforma trabalhista, a terceirização irrestrita no país e estão à espreita para aprovar a reforma da Previdência.

O Reitor da UFRJ, Roberto Leher (PSOL), vem sendo atacado pela grande imprensa e por grupos de direita, como o MBL, numa tentativa de desviar a atenção dos verdadeiros culpados pelo incêndio ao MN.

Mas afinal, que moral tem o MBL para falar de museus?! No ano passado, essa horda de moleques financiados pela burguesia invadiu exposições como a Queermuseu[6] determinando o seu fechamento, apenas por tratar de questões sobre gênero e diversidade sexual.

No entanto, Leher não foi eleito com o apoio decisivo dos professores, técnicos e estudantes, para administrar a crise dos cortes, cortando gastos necessários[7]: é necessário chamar a comunidade da UFRJ a paralisar todas as suas atividades, antes que algo ainda pior aconteça!

É hora de uma rebelião contra a EC95, contra o ajuste fiscal e o reitor da maior universidade federal brasileira deve assumir um papel de liderança nesse processo que precisa desaguar em todo serviço público federal e fortalecer as lutas que já estão em curso no estado do Rio de Janeiro.

O que aconteceu com o Museu Nacional pode se repetir com os milhares de museus, arquivos, bibliotecas e universidades brasileiras[8]. Portanto, só a luta pelo controle operário da riqueza produzida no país poderá impedir que tragédias como essas se repitam.

Não há outra saída: é preciso uma Rebelião dos trabalhadores e do povo pobre contra todos que nos governam e parar de pagar a dívida pública. Guilherme Boulos (PSOL) se nega a romper com a dívida pública, Lula e o PT[9]. Boulos e o PSOL defendem os governos petistas porque, no fundo, apostam no mesmo projeto de conciliação de classes de Lula e Dilma, mas para ocultar isso repetem o argumento surrado de que as críticas ao PT fazem o “jogo da direita”.

Nestas eleições, a única candidatura que defende a suspensão do pagamento da dívida pública é a de Vera e Hertz, pelo PSTU. Vera e Hertz defendem uma rebelião no Brasil e a construção de um governo socialista apoiado em conselhos populares. Esse é o único caminho para preservar o patrimônio histórico, artístico, científico e ambiental do país.

Um programa socialista para a Cultura

– Suspensão do pagamento da dívida e auditoria!

– Plano de Obras Públicas para a construção de equipamentos culturais como Museus, salas de Cinema, Teatros, Bibliotecas, Arquivos Públicos e Centros Culturais nos bairros operários e populares!

– Fim das renúncias fiscais para a Cultura! Fim da Lei Rouanet!

– Revogação de todas as reformas que retiram direitos! Não à Reforma da Previdência!

– Defesa de toda a liberdade em arte e cultura. Não deve haver qualquer privilégio a qualquer grupo, escola ou corrente artística, tampouco discriminação!

– Não ao Projeto Escola Sem Partido que ataca a democracia nas escolas, universidades e museus!
– Por Reparações aos negros e indígenas! Restituição dos bens históricos, artísticos e culturais reivindicados pelos povos africanos e latino-americanos!

– Acessibilidade em todos os espaços educacionais e culturais!

– Fim da criminalização de manifestações culturais populares, como as batalhas de hip-hop, os slams, o maracatu e etc. Valorização da cultura local que inclua a contribuição de negros e negras e indígenas.

– Defesa de todas as formas independentes de organização dos artistas e trabalhadores da arte e da cultura.

– Defesa dos grupos amadores e independentes, livrando-os da pressão econômica, para que possam se desenvolver livremente.

– Fim dos monopólios privados de produção e da exploração da arte e da cultura. Estatização dos grandes centros culturais e museus, sem indenização, sob controle dos trabalhadores da cultura e artistas;

– Chega de dinheiro para os grandes oligopólios da mídia!

– Auditoria e quebra do sigilo dos contratos de concessões públicas para as grandes emissoras de TV e rádio difusoras;

– Cotas étnico-raciais em todas as produções audiovisuais do país.

[1]     Ver: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2004-11-03/museu-nacional-do-rio-pode-sofrer-incendio-diz-secretario.

[2]     Ver: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/05/bicentenario-museu-nacional-o-mais-antigo-do-pais-tem-problemas-de-manutencao.shtml.

[3]     Ver: http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/1-em-defesa-das-universidades-publicas/.

[4]     Ver: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/ha-20-anos-universidade-recusou-verba-para-reforma-de-museu-incendiado.shtml.

[5]     Ver: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/04/politica/1536015210_491341.html.

[6]     Para uma análise da exposição e desse episódio: https://www.pstu.org.br/queermuseu-o-fechamento-de-uma-porta-entreaberta/; https://www.pstu.org.br/mbl-e-santander-conservadorismo-e-censura-na-arte/.

[7]     Ver: https://conexão.ufrj.br/artigos/orcamento-da-ufrj-desafios-e-perspectivas.

[8]     Ver: https://jornalistaslivres.org/retrato-do-brasil-outros-370-museus-correm-risco-com-negligencia-federal/.

[9]     Ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/a-auditoria-da-divida-publica-e-os-programas-oficiais-de-governo-dos-presidenciaveis/.