Por volta das 6 horas da manhã do dia 30 de dezembro, quando o corpo do ex-ditador Saddam Hussein ficou inerte após ter se debatido por três minutos na forca, terminava em Bagdá a farsa do julgamento comandado pelos EUA. A condenação do tribunal fantoche iraquiano foi proferida no dia 5 de novembro, impondo a pena de morte a Saddam pelo assassinato de 148 xiitas em 1982.

A execução, cuja tramitação foi acelerada por pressão direta dos EUA, transformou-se num verdadeiro espetáculo midiático. A TV estatal iraquiana filmou e divulgou os últimos momentos do ex-ditador, em meio a seus carrascos recebendo a corda em volta do pescoço, assim como as imagens de seu cadáver envolto em um lençol branco, após o enforcamento.

O canal de notícias norte-americano Fox, porta-voz do governo Bush, transmitiu durante todo o dia imagens de Saddam ao lado de antigas filmagens de agressões e assassinatos perpetrados por soldados iraquianos contra curdos e xiitas. O canal republicano também transmitiu por horas cenas de pequenos grupos de iraquianos festejando a morte do ex-ditador, “fechando“ a imagem para que parecesse uma multidão.

O desfecho do teatro do julgamento revela a forma descarada como todo o processo foi dirigido por Washington. As tropas norte-americanas mantiveram a guarda de Saddam até o momento da aplicação da pena. Posteriormente, o corpo foi transportado à cidade de Tikrit, cidade natal de Hussein, por um avião dos EUA. Além disso, a data do enforcamento coincidiu com o maior momento de crise das tropas de ocupação.

Saddam não foi executado por ser um ditador sanguinário. Isto é apenas uma farsa a mais da propaganda de Bush. O imperialismo como um todo, e o norte-americano em particular, apoiou e apóia ditaduras em todo o mundo. Pinochet assassinou três mil pessoas após um golpe comandado pela embaixada norte-americana. A ditadura militar argentina matou cinqüenta mil trabalhadores e estudantes. O estado sionista-fascista de Israel massacra palestinos cotidianamente com armas financiadas pelos governos imperialistas. O atual governo iraquiano, imposto e bancado por Bush, é uma ditadura que tortura e assassina ainda mais que Saddam Hussein.

O próprio ex-ditador iraquiano era apoiado integralmente pelo governo dos EUA, como um ponto de apoio contra a revolução iraniana no passado. Como afirma em artigo publicado no jornal britânico The Independent, o jornalista Robert Fisk: “Quem incentivou Saddam a invadir o Irã em 1980 – o maior crime de guerra que ele cometeu por levar à morte um milhão e meio de almas? Quem vendeu a ele os componentes para as armas químicas com as quais ele encharcou o Irã e os curdos? Fomos nós”.

O apoio do governo norte americano à Saddam só terminou quando ele invadiu o Kwait na década de 80. A farsa do “julgamento do ditador” foi tamanha que o crime pelo qual Saddam foi executado foi cometido quando era apoiado pelos EUA. A execução de Saddam Hussein tem uma enorme gravidade para os povos oprimidos da Terra. A verdade é que o Iraque foi invadido para tomar seu petróleo, e a morte de Saddam é um alerta aos governos para que não se enfrentem com o “senhor do mundo”. De quebra, o governo Bush quer tentar reverter a onda de descrédito que cresce nos EUA em relação á invasão no Iraque.

No entanto, tudo indica que a malfadada execução será um tiro pela culatra. A farsa do julgamento foi tão gritante que até mesmo importantes setores dos EUA se posicionaram contra a pena capital. O jornal The New York Times e o Washignton Post criticaram a medida, assim como a revista britânica The Economist. Os principais aliados de Bush também não respaldaram a execução. O único país a apoiar integralmente os EUA foi Israel.

Nem mesmo todos que sofreram barbaramente sob a ditadura de Hussein apoiaram a execução. A morte do ex-ditador impede, por exemplo, que ele seja julgado por seus crimes contra os curdos. Representantes da etnia chegaram a tentar, sem sucesso, que a execução fosse adiada para que Hussein respondesse pelos seus crimes. Já os países islâmicos repudiaram de conjunto a medida, realizada, inclusive, em meio a um feriado religioso.

Porém, a principal conseqüência da medida é que impede que o ex-ditador seja julgado por seu próprio povo, que sofreu durante 30 anos os auspícios de uma brutal ditadura.

Recrudesce a resistência
Ao contrário do que poderia crer o imperialismo, a condenação e morte de Saddam não fortaleceram a ocupação. Dezembro foi um dos meses mais violentos para os EUA, cujas tropas sofreram 109 baixas. Só no dia 30, oito marines foram mortos. Desde o início da invasão, morreram 2.998 soldados americanos, número que já supera as vítimas do atentado do 11 de Setembro.

A degradante situação das forças de ocupação impediu até mesmo que a morte de Hussein fosse comemorada. “Primeiro foram as armas de destruição em massa. Então, quando não foi encontrada nenhuma, a questão era encontrar Saddam. Aí o encontramos. Pois bem, agora que ele está morto, qual será a próxima história que vão contar para nos manter aqui?“, reclamou o soldado Thomas Sheck à imprensa, expressando o estado de ânimo das tropas ianques.

Leia no Correio Internacional, de novembro de 2006

  • A farsa do julgamento de Saddam Hussein