A vitória militar do imperialismo ianque e seus sócios ingleses foi rápida e parecia inaugurar um período tranqüilo de ocupação frente a um povo derrotado. Esse triunfo levou a que Bush, posando como piloto em um porta-aviões, proclamasse o “fim das hostilidades” e o começo do “processo de reconstrução e paz para o Iraque”. Mas estamos vendo outro filme: um ocupante armado até os dentes, acuado pelo rancor da população, cujas tropas não podem andar desprotegidas nas ruas, pois a qualquer momento, podem ser alvo de ataques, atentados e emboscadas com minas, foguetes e bombas.

O grande objetivo do imperialismo, o petróleo, não pode ser retirado com tranqüilidade, os atentados atingem cada vez mais a infraestrutura e os oleodutos que transportam petróleo para a Turquia; são quase U$ 7 milhões de perda por dia.
A potência ocupante precisa tranqüilizar sua própria população e também a opinião pública mundial, por isso trata de ocultar a situação real do Iraque. Os porta-vozes do Pentágono passaram todo o último período negando que estivessem enfrentando uma “guerra de guerrilhas” da resistência iraquinana. Rumsfeld, o secretário de Defesa, chegou a dizer que se negava a usar este termo: “o que existe é falta de entendimento e de comunicação”. Outra desculpa favorita da imprensa pró-imperialista tem sido afirmar que os ataques são fruto de “elementos do regime deposto de Saddam”. A realidade desmente a cada dia esta afirmação.

Um plano que fracassou

O plano original dos EUA se baseava na hipótese de que, uma vez derrubado o governo de Saddam Hussein e seu regime, setores importantes do povo iraquiano (especialmente a maioria xiita, oprimida pelo velho regime) apoiariam a ocupação militar por havê-los “libertado” da ditadura. Sua intenção era formar rapidamente um “governo de transição” integrado por figuras políticas opositoras ao velho regime. Buscavam assim institucionalizar a nova relação de domínio colonial e , depois, contar com o apoio das massas. Mas este plano está fracassando completamente, em todos seus aspectos.

As convocatórias realizadas por Paul Bremer, representante do governo dos EUA, foram boicotadas pelos grupos e dirigentes mais representativos. Foi formado um conselho de 25 membros sem nenhum apoio real da população. Uma das figuras mais importantes é Ahmed Chalabi, um milionário ligado a Bush que ficou 45 anos fora do país. Alguns membros de seu grupo se auto-proclamaram “prefeitos” de Bagdá e Mossul, mas foram tão repudiados pela população que nem sequer as autoridades de ocupação os reconheceram. Um dado chamativo é que um representante do Partido Comunista iraquiano integra este Conselho.

Uma guerrilha inesperada e em ascenso

Diante do início dos atentados contra suas tropas, o governo ianque responsabilizou ex-funcionários e militares do velho regime. Segundo Paul Bremer, “a captura de Saddam e seus filhos teria um efeito benéfico porque desmoralizaria os simpatizantes do regime derrubado e reduziria a violência contra os soldados”.
Mas a realidade é que, inclusive depois dos assassinatos dos dois filhos de Saddam, Uday e Ousay, a guerrilha não somente se manteve, mas cresceu em intensidade e contundência. Cada vez mais é evidente que se trata de uma multiplicidade de grupos bem organizados e com apoio popular. Apesar da superioridade teconológica, as tropas norte-americanas não têm um minuto de descanso e estão permanentemente expostas aos ataques. Mais de 130 mortos em combates, uma cifra que já supera os mortos na própria guerra, e mais de 70 “acidentes” (apenas três meses depois do fim das hostilidades abertas) são dados objetivos que negam tudo o que Rumsfeld e a TV querem que seu povo acredite. Disto resulta um clima quase de pânico entre os soldados dos EUA, o que os leva a cometer ainda mais atrocidades. Algo que foi alentado pelo próprio Bush, em declaração de 26/8: “Iremos buscar nossos inimigos em seus acampamentos, em suas cavernas ou onde quer que se escondam”.

A resistência debilita a moral da tropa invasora

A moral da tropa norte-americana está cada vez pior e já houve um insólito caso de militares dando entrevistas a órgãos de imprensa e TV denunciando seus superiores por não conhecer a realidade do Iraque estando “em seus escritórios refrigerados”. Ou outros que, em tom de brincadeira, mas expressando com certeza um sentimento propagado, declararam que “seus primeiros naipes eram (o vice-presidente) Dick Cheney e (o secretário de Defesa) Dave Rumsfeld”, em referência ao jogo de naipes com as figuras dos 40 líderes do velho regime mais procurados pelos ianques.

Os ataques mortíferos a casas comuns e os assassinatos de civis que passam com seus automóveis pelos bloqueios e não obedecem às ordens de parar são a resposta das tropas, fatos que se tornaram cotidianos. O último incidente foi o assassinato a sangue frio do cinegrafista palestino Dana, da agência Reuters, em frente a uma prisão do exército dos EUA que havia sofrido um ataque guerrilheiro no dia anterior. Os tripulantes de um tanque tiveram tempo de ver que era um jornalista e, apesar disso, dispararam e o mataram. Entidades como “Repórteres sem fronteiras” e a própria agência Reuters exigiram do Pentágono uma investigação que descobrisse realmente os responsáveis pela morte do jornalista. Essa exigência tem a ver com o fato de que esse assassinato se somou ao de outro cinegrafista, o espanhol José Couso, no Hotel Palestina, durante a guerra. O comando central do exército dos EUA acaba de concluir uma investigação que libera suas tropas de qualquer responsabilidade pela morte de Couso.

Mas o que mais temem os responsáveis das forças armadas imperialistas é que existe um amplo apoio popular às ações contra as tropas de ocupação. As empresas norte-americanas e o próprio governo ianque estão conseguindo um ganho desenfreado por pilhar e extrair o petróleo do Iraque. Ao mesmo tempo, as atuais autoridades de ocupação são incapazes de colocar minimamente em funcionamento a infraestrutura básica, tal como a rede elétrica ou o serviço de água e saneamento. Como se fosse pouco, há o fato escandaloso de que falta combustível na terra do petróleo. Tudo isto tem levado a uma crescente indignação popular. As mesquitas se transformaram em centros de organização e discussão. Todas as promessas dos “libertadores”, então, se traduzem em realidade concreta de desemprego de centenas de milhares e na prisão de milhares de ex-soldados ou civis iraquianos que os ocupantes consideram “perigosos”. Este é o marco para o apoio massivo da população às ações de resistência guerrilheira, ações que parecem ser compartilhadas por diversas organizações, tanto nacionalistas, como islâmicas, sunitas e xiitas.

Abre-se portanto a dinâmica de uma resistência de massas à ocupação que não poderia ser resolvida somente com a prisão ou assassinato de uns poucos líderes. Pelo contrário, para qualquer um que tente derrotar este processo, exigiria a permanência por muito tempo de milhares de soldados imperialistas atuando a sangue e fogo contra a população. Exatamente o que não queriam os ianques.

EUA retrocedem em seus planos

Não é casual então que logo nas primeiras declarações triunfais o imperialismo ianque tivesse que retroceder em seus planos de continuar sua “guerra preventiva” atacando outros “eixos do mal” como Iraque, Síria e, inclusive, Coréia do Norte.
Pelo contrário, sua preocupação hoje é muito diferente: conseguir que a ONU legalize a ocupação militar do Iraque, de modo que diminua seu custo político e, inclusive, prepare uma retirada no futuro. Ou obter apoio militar para sua ocupação no Afeganistão, como pediu Bush ao presidente argentino Kirchner, para assim poder se concentrar mais no Iraque. Também, para sua necessidade de conseguir uma rápida saída negociada na Palestina. O certo é que, em vez de fortalecê-lo, o triunfo militar no Iraque se transformou em uma grave fonte de problemas. Uma amostra disto é sua negativa em intervir militarmente na sangrenta guerra civil da Libéria, um pequeno país da África ocidental ligado aos EUA desde sua criação, no século XIX.

O fantasma do Vietnã

Os ecos dessa realidade já estão se fazendo ouvir dentro dos EUA. Em primeiro lugar, a fraude em torno à questão das “armas de destruição em massa” gerou um descrédito sobre a verdadeira razão da guerra e debilita qualquer justificativa para manter a ocupação. Na Inglaterra, a questão levou à crise política do governo Blair, com o caso Kelly (o cientista que se “suicidou” logo depois de contar a verdade a um jornalista da BBC). Nos EUA, já causou um desgaste na popularidade de Bush, que caiu de 86 para 54% desde o fim da guerra. Com os gastos para financiar a guerra e a ocupação – U$ 60 bilhões ao ano – a popularidade segue caindo. E alguns membros das Forças Armadas americanas exigem aumentar o contingente de soldados, sem o que seria impossível garantir o controle do país. Esta queda de popularidade não se deve somente aos problemas no Iraque. A eles se somam a recessão econômica e o aumento do desemprego. E também o rechaço de setores médios e intelectuais ao ataque às liberdades democráticas nos EUA, com a desculpa de “guerra anti-terrorista”.

Algumas famílias de soldados protagonizam uma série de ações de protesto contra a política do governo, exigindo de volta seus parentes que estão no Iraque. Várias delas criaram a rede Bring them home (Tragam eles para casa) para lutar pela retirada das tropas, com centenas de adesões. Uma reunião recente em uma base de Fort Stewart terminou em um enfrentamento entre familiares e um coronel que tratava de convencê-los de que era necessária ainda a permanência por algum tempo de seus parentes no Iraque. A combinação entre uma guerrilha com apoio de massas em um país ocupado e os protestos dentro dos EUA trouxe logo a recordação do fantasma do Vietnã. Por isso, o próprio Rumsfeld tratou de afirmar: “há muitos meios em que pessoas ou jornalistas dizem que ‘já se trata de um Vietnã’, ou perguntam se já é igual. Não é. Estamos em uma época diferente e é um lugar diferente”. Por isso, o debate sobre a situação do Iraque e a política de Bush começa a se estender dentro da própria burguesia ianque e já se expressou em veículos de comunicação importantes como o Washington Post e o New York Times.

O sonho de Bush de posar como o “libertador do Iraque” está se transformando em pesadelo. Os trabalhadores e povos de todo o mundo acompanham com interesse e lutam para que esse pesadelo seja cada vez maior. Por isso, estamos com a resistência iraquiana até a expulsão das tropas imperialistas e faremos tudo o que esteja ao nosso alcance para que isso abra um período de crise política ainda superior que a que originou a guerra do Vietnã na maior potência imperialista.
Fora as tropas imperialistas! Iraque para os iraquianos!

Post author Alejandro Iturbe,
de Buenos Aires
Publication Date