O processo de regularização de imigrantes que vivem no Estado Espanhol foi iniciado pelo governo e respaldado pelo acordo prévio entre sindicatos e empresários. Além deste processo de regularização não solucionar, piora a difícil situação de milhares de iA regularização e seus requisitos
O processo de regularização, iniciado em 7 de fevereiro, com duração de três meses, foi anunciado pelo governo como sua grande iniciativa para regularizar a situação de 800 mil trabalhadores imigrantes ilegais. O regulamento e este processo foram acordados entre o governo e as CCOO, a UGT e a CEOE e contaram com o apoio do fórum da imigração, no qual estão representadas algumas associações de imigrantes, subvencionadas pelo governo, e ONGs. Transcorrido cerca de um mês, constata-se que o governo, com os requisitos que impôs, não vai conseguir regularizar nem 200 mil trabalhadores.

Levando em conta que, poucos dias após o início do processo, informaram que na realidade poderia existir 1 milhão e 600 mil imigrantes recenseados em situação irregular. Isto significa que só conseguirão legalizar pouco mais de 10% dos imigrantes. Em todo caso, mais de um milhão de trabalhadores continuarão sem papéis por culpa do governo. Isto se deve aos requisitos impostos aos imigrantes são difíceis de cumprir.

Em primeiro lugar, exige-se que estejam registrados ao menos seis meses antes do início do processo. Recordemos que o governo anterior autorizou à polícia o acesso aos registros municipais, uma ameaça direta aos trabalhadores irregulares, já que poderiam procurar-lhes em seus domicílios para expulsá-los. Sendo assim, muitos optaram por não se registrarem, ainda que isto significasse perder os benefícios sociais.

Além do mais, ainda que não houvesse este medo há outro problema maior: para registrar-se é preciso possuir ou alugar uma moradia. Mas como alguém irá alugar seu apartamento para um imigrante sem papéis? Este fator dificultou muito para dezenas de milhares de trabalhadores se registrar, principalmente no campo, onde os “bóias-frias” estrangeiros estão vivendo em barracões nas terras em que trabalham. Nas cidades, muitos tiveram que se amontoar em moradias por não conseguir alugar um apartamento ou um quarto. No entanto, para a pessoa conseguir se registrar, muitas vezes, não adianta viver nessas moradias coletivas, já que só se aceita um número reduzido de pessoas vivendo nelas.

O segundo requisito é o certificado de antecedentes criminais, um documento que não existe em muitos países ou que implica numa tramitação complicada, como pedi-lo para o país de origem, fator que o governo não havia previsto.

Mas o requisito mais nefasto de todos é a exigência de contrato de trabalho. Já não servem as ofertas de trabalho, como antes, senão que deve ser um contrato com todos os trâmites realizados pelo empregador. A economia espanhola tem uma base forte na precariedade, no trabalho ilegal e com os salários de miséria e jornadas trabalhistas extenuantes. A maioria dos empresários que contratam trabalhadores ou trabalhadoras sem papéis não vão legalizá-los porque economizam dinheiro e se beneficiam deixando de proporcionar os direitos sindicais e trabalhistas aos trabalhadores além de não pagarem seguridade social. A subcontratação sistemática levou à precarização de setores inteiros da economia. Ou seja, o que está ocorrendo é o contrário do pretendido. Frente à abertura deste processo, os empresários optaram pelas demissões em massa e assim evitar prováveis multas posteriores.

Finalmente, há ainda outro obstáculo que é a exigência de entregar o passaporte original ao empregador. Ou seja, o único documento válido para um trabalhador estrangeiro fica em mãos do empresário, que poderia retê-lo ou perdê-lo, deixando o trabalhador sem documentação. No caso do serviço doméstico é justamento o inverso, é o empregador que deve entregar seu passaporte ou RG ao trabalhador para que este realize os trâmites. Quantos patrões aceitaram esta condição?

Um novo roubo: A venda de contratos
Diante desta situação, muitos imigrantes estão tratando de conseguir o contrato de trabalho de qualquer jeito. Nisso, encontram empresários, verdadeiros bandidos, que vendem o contrato de trabalho. As quantidades oscilam entre os 2 mil e 6 mil euros (aproximadamente R$ 7.200 a R$ 21.600). Outros patrões oferecem o contrato ao trabalhador desde que sejam responsáveis de pagar por sua seguridade social e das demais contribuições. Isto significa algo entre 500 e 700 euros mensais (R$ 1.800 e R$ 2.520) tendo em conta que, com os salários que recebem, o resultado seria que, durante seis meses ou um ano, milhares de trabalhadores terão que sobreviver da ajuda de familiares ou amigos porque estarão trabalhando praticamente de graça. Mas os demais, aqueles que conseguirem que realmente lhes contratem, estarão reféns destes empresários porque em caso de serem despedidos, ou se o empresário deixar de pagar a seguridade social, caem novamente na ilegalidade. Com essa ameaça, os empresários sem escrúpulos poderão aumentar sem parâmetros a jornada de trabalho, os ritmos do trabalho e as humilhações estarão na ordem do dia. Isto leva à legalização de uma moderna escravidão na “democrática” monarquia espanhola.

Nacional ou estrangeira, a mesma classe trabalhadora
O programa que devemos defender se resume na consigna agitada nas mobilizações dos imigrantes: “Nativa o extranjera la misma clase obrera”. Ela sintetiza que em primeiro lugar os imigrantes não são pessoas em abstrato, senão trabalhadores; quem está sem direitos não são os milionários latinoamericanos ou os xeques árabes, e sim os trabalhadores dos países que são oprimidos por estes e pelas multinacionais européias, japonesas ou norte-americanas.

E em segundo lugar temos à nossa frente os mesmos opressores: os empresários e seus governos. Já em 1848, Marx e Engels chamavam no Manifesto Comunista à união dos trabalhadores de todos os países, algo que Fidalgo e Méndez (dirigentes sindicais), de CCOO e UGT (centrais sindicais majoritárias governistas) esqueceram ao apoiar as políticas do governo para os imigrantes.

Por que existem imigrantes?
A imigração não é um capricho. São pessoas que viajam milhares de quilômetros deixando suas famílias, seus pertences e endividando-se para pagar a viagem, em muitos casos arriscando suas vidas nas balsas da morte, não por que querem, e sim por necessidade. Este é por um lado o resultado da rapina à que estão submetidos seus países de origem às multinacionais, ao FMI e ao Banco Mundial e por outro, representa a necessidade dos capitalistas dos países imperialistas por mão-de-obra barata. Empresas como as espanholas REPSOL, TELEFÔNICA, BANCO SANTANDER, BBVA ou as hidrelétricas, são as responsáveis diretas da demissão de milhares de trabalhadores na América Latina.

A dívida externa é um instrumento de dominação dos países chamados do terceiro mundo por parte das potências imperialistas. O pagamento ano após ano de juros e serviços não diminuem e sim aumentam ainda mais o total da dívida, impedindo qualquer tipo de desenvolvimento pois, em muitos casos, nestes países os recursos destinados para o pagamento representam entre 40 e 50% de seu PIB. O chamado neoliberalismo e a globalização têm como receitas econômicas a eliminação das barreiras alfandegárias (com a entrada de produtos importados mais barados, deixam esses países economicamente mais indefesos), a redução dos gastos em serviços públicos (Previdência, educação, saneamento etc), a privatização das empresas públicas e do que resta desses serviços estatais.

O resultado é que em muitos destes países se dá um processo de recolonização, ou seja, de um aumento qualitativo da dependência ao imperialismo. Isto se dá com a entrega de setores inteiros da economia às multinacionais (que têm nacionalidade) que se encarregam em decidir de acordo com seus interesses os preços das mercadorias, avançando para um controle total destes povos, resultando em ainda mais opressão. Para tanto as multinacionais contam com governos fantoches ou com governos que aparentam certa independência, mas que seguem de olhos fechados os mandatos “macroeconômicos” dos organismos monetários e de crédito internacionais.

Com tudo isso e pela manutenção dos interesses privados, milhões de trabalhadores são jogados à miséria e não tem outra opção do que emigrar para melhorar suas expectativas de vida: ou seja, poder manter à suas famílias. E por outro lado, como dissemos acima, também está a necessidade de contratar mão-de-obra barata nos países do “primeiro mundo”, no qual os índices de natalidade estão baixos, não garantindo o número de trabalhadores e trabalhadoras que precisam tanto para agora como para as próximas décadas. Além do mais, devemos considerar que os imigrantes chegam já em idade para trabalhar. Nesse caso, o governo e o capitalismo espanhol economizam com os gastos em educação, previdência etc. e os recebem prontos para a produção nos setores onde há déficit de trabalhadores espanhóis: o campo, a construção ou o serviço doméstico. Como diz a associação de imigrantes ATRAIE (Asociación de Trabajadores Inmigrantes en España): “os chamados países ricos estão produzindo uma dupla exploração dos países dependentes: por um lado extraem deles toda a riqueza que podem e por outro trazem também a riqueza que significa uma força de trabalho já criada e educada para explorá-la nas metrópoles”.