Honduras Resiste – 48 – 3
48 dias de resistência contra o golpe e três dias de minha estadia
14 de Agosto de 2009

O terceiro dia em Honduras começou com mais uma marcha. Toda a semana, desde o dia 11, quando chegaram à capital as marchas vindas do interior, aconteceram passeatas pelas principais ruas de Tegucigalpa.

A cidade, situada aos pés da serra El Picacho, tem um relevo irregular de montes em torno dos rios que compõem a parte baixa da cidade. O significado da palavra Tegucigalpa é polêmico. Uns dizem ser de origem Nahua das palavras Teguz e Galpa, que significam “montanhas de prata”. A origem da cidade remonta aos espanhois que se instalaram em meados do século XVI para extrair prata.

Outra versão diz que a origem é no mesmo idioma Nahua, de Tecuztlicallipan, “lugar de residência dos nobres”. Na verdade, a origem são duas cidades: Tegucigalpa, onde viviam os exploradores e abastados, e Comayaguela, onde viviam os setores miseráveis que trabalhavam nas minas.

As marchas às vezes caminham pelas avenidas ou bulevares das partes mais baixas ou sobem e descem ladeiras onde alguém grita: “Cansados?”. A resposta de todos é sempre “No!”.

Durante a semana, as marchas foram diminuindo.Calculam-se cerca de 40 mil pessoas no dia 11, 20 mil no dia 12 e 5 mil no dia 13. Hoje, 14, saem cerca de 3 mil pessoas da Pedagógica. No percurso, somaram-se mais 2 mil aproximadamente. Os motivos se combinam: questões políticas, organizativas e a repressão. Há, também, a dificuldade de se manter tanta gente por tantos dias na capital, boa parte vindo do interior.

A repressão continua como estratégia. Nesta sexta, não houve repressão à marcha na capital, mas a burguesia, o governo golpista e o exército amedrontam o povo, impedindo ações que possam efetivamente ameaçar seus negócios e gerar divisões.

Por isso, manifestações como de San Pedro Sula foram reprimidas nos dois últimos dias. Estradas que levam ao principal porto exportador do país foram bloqueadas. Além dos ataques à população para tentar intimidar e dividir. Até agora, corrigindo o dado que relatei anteriormente, um informe oficial de grupos de direitos humanos dá conta de que foram mortas, desde o início do golpe, 101 pessoas por tiros de balas militares nas madrugadas.

O terceiro aspecto se expressa no debate sobre um cansaço pela combinação entre tantos dias de manifestações, mas fundamentalmente pela discussão aberta entre setores do movimento: qual a estratégia? As dúvidas tomam conta.

As PROFESSORAS e professores (assim mesmo, em maiúsculas, pois o setor que foi, até agora, a coluna vertebral da mobilização em todo o país é o de “Las Maestras”) também expressam cansaço. Surgem problemas com uma campanha pesada de mídia contra “Las maestras”, que diz que essas estariam se negando a ensinar as crianças do país.

Um cuidado necessário. Não concluamos que a diminuição das marchas da semana significa que o movimento esta derrotado. Nestes 48 dias, o movimento foi capaz de se superar e retomar iniciativas.

Mas o debate sobre a estratégia expressa uma contradição real do movimento e a política que até agora conseguiu garantir o presidente deposto Zelalya. Mesmo que não seja dito, as ações do movimento, reiteradamente chamadas para serem pacíficas, para que não radicalizem, pelos setores liberais de Mel tem uma estratégia clara: manter o movimento sob controle, pressionando com as marchas internamente para apoiar as ações de negociação que busca construir desde o exterior.

Esta contradição entre a impressionante combatividade demonstrada pelas Hondurenhas (em homenagem mais uma vez às maestras) e a ações construídas sem uma estratégia de enfrentamento, junto com dois outros aspectos, decidirão o futuro no próximo período. Os dois outros aspectos que poderão levar a que o golpe se estabilize e consiga se manter são o tema das eleições, convocadas para novembro, e as ações internacionais de solidariedade que o movimento for capaz de promover.

Fiquemos hoje no primeiro tema. É necessário e urgente estabelecer uma estratégia que faça com que o movimento de conjunto veja como possível derrotar os golpistas. Enfrentamento não significa ações isoladas que podem criar confusão, mas preparar as trabalhadoras e os trabalhadores do campo e da cidade para enfrentar o inimigo com grandes ações unitárias de massa. As marchas são importantes, mas tem de estar a serviço de construir ações que parem o país, que afetem a economia, que busquem dividir as Forças Armadas e a Polícia Nacional.

Construir um dia de “paro cívico”, com greves e manifestações de rua nas cidades, com bloqueios de estrada por todo o país é fundamental para o próximo período. Para dividir o inimigo, mas fundamentalmente para reanimar as lutadoras e lutadores heroicos de que é possível derrotar os golpistas. E isso se dará nas lutas concretas nas ruas de Honduras, com os olhos e esforços concentrados em dividi-los, com ações construídas para enfrentá-los. Não se dará com as marchas, olhando para os céus esperando a volta de Zelaya.

As eleições, convocadas para novembro desde antes do golpe e mantidas pelos golpistas até o momento, já com seis candidatos inscritos (quatro que apoiam o golpe e dois da resistência) também podem dividir o movimento. Vamos ouvir e informar para poder discutir.

O terceiro aspecto decisivo: reafirmar um chamado a solidariedade internacional. É preciso intensificar ações de solidariedade. Manifestações, boicote econômico, exigir que os governos que se dizem democráticos e populares da América Latina saiam de sua postura de declarações e possam ir à ação concreta. O primeiro passo é exigir, além da ruptura diplomática, a ruptura econômica. O boicote, o fechamento de fronteiras, a suspensão de todos os negócios promovidos pelo governo dos golpistas. Essa tarefa é de todos que têm clareza de que um golpe militar na América Latina não pode passar.