Zelaya, em junho, pensando que Obama estenderia sua mão

Correio Internacional: Publicação da LIT-QI – Número 154 – Novembro de 2009Em nossa declaração do dia 01 de novembro corrente, sustentávamos que o Acordo de Guaymuras (também chamado de Tegucigalpa), firmado entre os representantes do presidente deposto Manuel Zelaya e do governo golpista de Roberto Micheletti significava uma completa capitulação de Zelaya aos golpistas. No entanto, diante de seu possível retorno à presidência, totalmente condicionado e por um curto período, Zelaya aceitou que os golpistas não sejam punidos e abandonou o chamado a uma Assembleia Constituinte soberana (uma das aspirações mais sentidas do povo hondurenho).

Pior ainda, legitimou os golpistas e suas instituições (prevendo que o Congresso, em consulta à Corte Suprema, votaria sua volta ao governo), e entregou o controle do processo eleitoral e da transição ao novo governo eleito.

Poucos dias depois, estas definições acabaram sendo confirmadas pelo próprio Zelaya, quando fez pública uma carta que enviou ao presidente de Estados Unidos, Barack Obama. Nela, ante a demora em ser restituído ao seu cargo, dizia: “Não aceito nenhum acordo de volta à Presidência”. E agrega que: “aceitar tal acordo, seria encobrir o golpe de Estado” que o derrubou no dia 28 de junho.

Afirma também que as eleições presidenciais convocadas para o próximo dia 29 de novembro “são ilegais (…). É uma manobra eleitoral antidemocrática repudiada por grandes setores do povo para encobrir os autores materiais e intelectuais do golpe”.

Zelaya diz que o governo dos EUA abandonou a exigência de sua imediata restituição, o que se expressou nas declarações de representantes do Departamento de Estado ianque (“as eleições seriam reconhecidas pelos EUA com ou sem restituição”) e de Lewis Amselem, embaixador norte-americano na OEA, que afirmou: “o acordo negociado recentemente não prevê a restituição imediata de Zelaya […]. Os EUA colaborarão com o bom desenvolvimento das eleições”.

Diante disso, termina sua carta pedindo a Obama que “os EUA ajudem a propiciar, em Honduras, um clima de reconciliação nacional e um consequente processo eleitoral constitucional, limpo, com garantias de participação igualitária e livre para todos os hondurenhos”.

Uma consequência da capitulação

O que Zelaya não disse em sua carta é que a situação atual – as manobras dos golpistas para sua restituição – não é mais do que uma consequência da política impulsionada por ele desde sua destituição e, em especial, desde a assinatura do Acordo de Guaymuras.

Após o golpe, a orientação central de Zelaya foi conseguir sua restituição à Presidência através de uma negociação com os golpistas, apoiado na “pressão internacional”. Isto é, na pressão sobre o regime golpista por parte do governo dos EUA e seus “amigos” latino-americanos como Lula. E assim se expressou em seu rápido apoio ao Pacto de San José, proposto por Oscar Arias por iniciativa de Hillary Clinton.

Num primeiro período, Zelaya chamou às mobilizações contra os golpistas, mas como fator coadjuvante das negociações, tentando sempre mantê-las dentro de um marco “pacífico” e controlado para que não se chocassem com o regime e o governo golpista. Mas, após sua volta a Honduras, no dia 21 de setembro, ele abandonou a qualquer chamado de mobilização se concentrado exclusivamente nas negociações.

Lamentavelmente, a Frente da Resistência cometeu o grave erro de acompanhar essa política: primeiro justificou, com diferentes argumentos, a desmobilização. Depois publicou um comunicado onde, na prática, apoiava o Acordo de Guaymuras.

Desde o primeiro dia do golpe, o povo hondurenho levou adiante uma heróica luta de resistência contra os golpistas, com vários mortos pela repressão. Uma resistência que atingiu altos picos de participação de massa, impedindo a consolidação do regime golpista. As mobilizações abriam a possibilidade da derrubada dos golpistas através da luta e assim criar melhores condições que permitisse ao povo hondurenho continuar essa luta por suas reivindicações mais sentidas. Mas a política de Zelaya fechou essa alternativa e roubou do povo hondurenho a possibilidade da vitória.

Foi o próprio Zelaya que através do Acordo de Guaymuras ajudou – utilizando as próprias palavras do presidente deposto – “a encobrir o golpe de Estado…, seus autores materiais e intelectuais” e a montar “uma manobra eleitoral antidemocrática repudiada por grandes setores do povo”.

Suspenso no ar

Depois de ter apostado tudo na “pressão internacional” e na negociação com os golpistas, Zelaya entrou em desespero ao ver que poderá ficar totalmente fora do processo, pois o governo Obama simplesmente o abandonou.

Algo que mostra claramente que o principal objetivo de Obama em Honduras não era “defender a democracia” nem os interesses do povo hondurenho, mas sim evitar, através das negociações e pactos, o agravamento do conflito e, essencialmente, que se aprofundasse a mobilização popular e a derrubada dos golpistas.

Quando foi assinado o Acordo de Guaymuras, a LIT-QI afirmou: “Zelaya mostrou claramente seu caráter burguês e os limites inevitáveis que esse caráter de classe lhe impõe. Ele preferiu salvar a atual estrutura econômico-político-social de Honduras a encabeçar uma luta de massas para modificá-la”.

Agora, diante da nova situação criada pelas manobras do regime golpista, demonstra novamente esse “caráter burguês” ao optar não por um chamado à mobilização de massas, mas por uma patética apelação à intervenção política do governo imperialista de Obama.

Boicotar as eleições fraudulentas

O próximo processo eleitoral hondurenho será totalmente antidemocrático e fraudulento. A LIT-QI chama o povo hondurenho e suas organizações políticas de esquerda, sindicais e populares a boicotá-las. Por isso, coincidimos com o chamado que esta sendo feito pela Frente da Resistência e outras organizações.

Consideramos um gravíssimo erro a posição de César Ham, deputado pela Unidade Democrática (UD) e candidato à Presidente nas futuras eleições. De acordo com uma carta aberta assinada por Tomás Andino, membro desse partido, o candidato, “lançou uma forte ofensiva publicitária para ganhar o voto do eleitorado, cobrindo com milhares de cartazes as principais cidades do país, pagando caros anúncios na televisão e na rádio”.

Chamamos César Ham e os setores da UD a reverem sua posição: qualquer participação nesse processo eleitoral fraudulento só servirá para legitimar o regime golpista.

Achamos que esse boicote deve ser organizado para ser o ponto de partida de uma retomada da mobilização operária e popular, de uma luta que deverá continuar contra o governo que surja destas “eleições”, pelas principais reivindicações do povo hondurenho: Assembléia Constituinte soberana que elimine o reacionário regime político e a antidemocrática constituição atual; reforma agrária; fim da base norte-americana de Soto Cano; e a ruptura da dominação imperialista-oligárquica do país.

Será um momento, também, de fazer um balanço de todos esses meses de resistência e da política utilizada por Zelaya diante do regime golpista. Fica cada vez mais claro que Zelaya não pode ser quem encabece consequentemente a luta do povo hondurenho por essas reivindicações. Está colocada, então, a necessidade de construir organizações da classe operária e do povo, totalmente independentes de qualquer figura burguesa para lutar por este programa.

Junto com essas conclusões, a LIT-QI chama a se intensificar a mobilização internacional para exigir de todos os governos o não reconhecimento do fraudulento processo eleitoral e do governo que surja dele. Para que isso não fique só no plano das palavras ou das ações diplomáticas formais, é necessária também a exigência de boicote econômico, especialmente no caso dos EUA (principal comprador de produtos hondurenhos e cujos governantes já anunciaram que podem reconhecer as eleições), dos países latino-americanos e dos centro-americanos, sobretudo, dos que têm fronteiras com Honduras – Guatemala, El Salvador e Nicarágua.

Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)
Novembro de 2009