Uma conquista da luta palestina que expressa o isolamento sionista. No meio do profundo e contraditório processo revolucionário que sacode o mundo árabe, um novo fato obteve importante destaque nestes dias.

Nos referimos à histórica troca de prisioneiros que se deu entre Israel e a organização palestina Hamás onde, por um lado, os palestinos devolveram o soldado – agora sargento e cativo desde junho de 2006 – Gilad Shalid e, por outro, os sionistas liberaram da suas prisões um primeiro grupo de 477 lutadores palestinos presos de todas as correntes políticas (Hamás, Al Fatah, independentes), a quem devem seguir outros 550 em algumas semanas, totalizando assim 1027 libertações. Entre os palestinos liberados se encontram 280 que foram condenados a uma ou várias prisões perpétuas por causa de sua participação em diversas ações contra o Estado nazi-sionista de Israel.

A permuta é, sem dúvidas, histórica. Para encontrar uma referência similar nas relações entre Israel e Palestina, devemos nos remeter a 26 de novembro de 1983, quando Israel pôs em liberdade 4760 milicianos palestinos em troca de oito soldados capturados em setembro de 1982 pelo Al Fatah, então principal grupo da OLP, e pela Frente Popular de Libertação da Palestina – Comando Geral (FPLP-CG).

Não faltam aqueles que, queixando-se, falam da desproporção da permuta. Sem dúvidas, um soldado israelita em troca de 1027 presos é uma proporção singular. Entretanto, o que sempre foi “desproporcional”, para utilizar este termo, foi a permanente agressão genocida e descarada usurpação dos sionistas dos direitos e territórios históricos palestinos. Se estamos falando de “proporções”, colocamos outro dado: só durante a Operação Chumbo Fundido contra Gaza, realizada por Israel entre 2008-09, se estima que morreram 1434 palestinos e 14 israelenses. Ainda assim, nas prisões sionistas ficam mais de 700 presos, muitos deles há mais de 15 ou 20 anos.

Entretanto, a quantidade de presos palestinos liberados de alguma forma oculta o fato de que os pesos pesados de Hamás seguirão na prisão como, por exemplo, Abas Sayed ou Marwan Barghouti de Al Fatah (que cumpre 67 prisões perpétuas), e Ahmad Sa’adat da FPLP, entre outras ausências qualitativas.

O intercâmbio
Tudo estava pronto. A alvorada indicava o início do operativo de intercâmbio. Por volta das seis da manhã um veículo se aproximou da fronteira de Rafah, que separa Gaza do Egito. Dentro ia o sargento Shalid e estava escoltado por centenas de milicianos fortemente armados. Uma delegação egípcia recebeu o refém e, quase ao mesmo tempo, começaram a sair de vários cárceres sionistas comitivas de ônibus com os presos palestinos rumo a Gaza e Cisjordânia.

Pouco tempo depois, Shalid foi recebido em Tel Nof, uma base militar israelense, pelo primeiro ministro Benjamín Netanyahu para logo ser entregue, com grande destaque jornalístico, a seus familiares. Segundo o El País, o soldado sionista advogou pela paz e pela libertação de todos os presos palestinos… “se deixarem de nos atacar”. Netanyahu defendeu o acordo como o “mais vantajoso” e prometeu seguir “lutando contra o terrorismo”. Outra promessa que fez foi a de “sangue”, caso algum dos libertados palestinos retomasse sua luta com aquele enclave imperialista.

Milhares de palestinos celebraram a volta dos prisioneiros
Enquanto em Israel ninguém festejava, a não ser a família de Shalid, em Gaza havia uma explosão de júbilo. São poucos os dias em que se pode celebrar algo por lá. A questão dos presos políticos palestinos em Israel é um tema muito sensível às paixões desse povo e qualquer organização palestina. Como não, se desde 1967 mais de 700mil palestinos passaram pelas masmorras sionistas. É assim que, apenas começaram a chegar os liberados, apenas começaram a entrar em Gaza através de Rafah, a euforia se apoderou da cidade. O povo começou a beijar o solo, a gritar e agitar as bandeiras palestinas e de Hamás. Ismail Haniya, chefe do governo de Hamás em Gaza, era o ídolo do momento. Para o meio-dia, no Parque das Brigadas, já se haviam reunido umas 200mil pessoas. Haniya, hábil, proclamou ante a ovação popular: “Hoje não há presos de Hamás e presos de Fatah, hoje somos palestinos sem diferenças”.

A multidão gritava: “Queremos outro Shalit”. Muitos ex-reclusos reforçavam esta ideia. A mensagem predominante foi continuar capturando soldados israelenses até conseguir a liberdade de todos os presos, que se contam aos milhares ainda. O compromisso de prosseguir com a luta armada até a destruição do Estado de Israel foi várias vezes aclamado pelas massas palestinas que se entrelaçavam entre risos e lágrimas.

Em Ramala, sede da Administração Nacional Palestina (ANP), dirigida pela outra organização palestina de peso, Al Fatah, também se desatou a gritaria, ainda que em menores proporções. As diferenças entre o Al Fatah de Abbas e Hamás são importantes. O primeiro aponta a política de negociação em torno à saída dos “dois estados” (um judeu e outro árabe) e o segundo, ao menos de palavra, defende a destruição do Estado de Israel através da luta armada. Tanto é assim que, em 2007, se deu um golpe de estado de Al Fatah contra Hamas que terminou deixando Gaza nas mãos de Hamás e a Cisjordânia nas mãos de Al Fatah.

Entretanto, o impacto do fato fez com que, também em Ramala se congregassem milhares de pessoas, muitas delas hasteando a bandeira de Hamas.

Sem dúvidas, deste episódio, é Hamás o que sai fortalecido politicamente. Se apresenta como o mais conseqüente na luta pela causa palestina. A organização de Haniya arrebata assim o protagonismo de Abbas, que semanas antes obteve renome por seu pedido de reconhecimento de um estado palestino na ONU. Tanto as ações que agora toma Hamás, como as que tomou Abbas, têm como objetivo buscar reposicionar-se de alguma maneira, sobretudo porque estas direções estiveram contra as revoluções árabes e de seus reflexos na Palestina. Tanto é assim que Hamás, por exemplo, chegou a reprimir em Gaza mobilizações de apoio à revolução egípcia e tunisiana.

Uma vitória da luta palestina e a revolução árabe
Estamos diante de uma vitória da luta do povo palestino. Não se trata de uma vitória das negociações ou da boa vontade de Hamás, muito menos de Israel. Esta é uma vitória que tem a ver com o profundo impacto que as revoluções no mundo árabe estão tendo na Palestina e que, ao mesmo tempo, está isolando cada vez mais Israel. A vitória é das mobilizações palestinas que se retomaram em maio, durante o Nakba e que desde então evoluíram, pressionando as direções oportunistas de Hamás e Al Fatah e gerando uma nova onda de simpatia pela causa palestina. Neste sentido, a liberação destes mais de mil prisioneiros palestinos por parte dos sionistas categoricamente fortalece a luta palestina, o sentimento combativo desse povo, e debilita Israel.

Netanyahu não libera os presos palestinos por alguma razão de tipo “humanitária” ou porque deseje avançar no “caminho da paz”. Nada disso. O governo sionista, isolado e questionado por todas as partes, cercado de revoluções, busca descomprimir a situação e reposicionar-se de alguma forma para recuperar peso político. A situação de Israel, como já dissemos, não é fácil. A revolução árabe agravou uma crise que já vinha de antes, com a derrota do Líbano em 2006, com o desgaste internacional com a invasão de Gaza em 2008 e com o episódio da Esquadrilha da Liberdade em 2010, fatos que levaram ao relançamento da campanha internacional de boicote. Os sionistas perderam, com a primavera árabe, aliados chaves no Egito e na Turquia. Tudo isso se agrava com a crise econômica internacional e a deterioração da economia dos EUA, o grande sustentáculo do Estado e economia israelense. Se somarmos a estes elementos, além disso, as mobilizações dentro do própiro enclave, o quadro nebuloso se completa. O fato incontestável é que, apesar de seu peso militar, Israel está muito debilitado politicamente.

É preciso aprofundar o processo de mobilizações e estender a solidariedade às lutas palestinas, no marco do apoio à revolução árabe de conjunto, um processo que segue em curso golpeando ditaduras na Síria, Iêmen, na Líbia e às quais a luta palestina deve atar os seus destinos. Sobretudo num momento em que está colocada, no calor das lutas, o questionamento às direções tradicionais dessa causa e a abertura de melhores condições para a construção e fortalecimento de uma direção revolucionária, elemento chave para apontar com possibilidades reais de êxito nosso objetivo central que é a destruição do Estado de Israel e a construção de um Estado Palestino laico, democrático e não racista, em todo o território histórico da Palestina.

Tradução: Thaís Moreira