Em janeiro deste ano, a vitória eleitoral do Hamas foi uma espécie de plebiscito contra o governo de Mahmud Abbas. Desde os tempos de Yasser Arafat, as instituições da ANP (Autoridade Nacional Palestina) são dominadas por uma burguesia entreguista e corrupta, que embolsa a ajuda financeira da Europa, Estados Unidos e dos países árabes para seus próprios negócios.

Por exemplo, o ex-primeiro ministro Korei, empresário da construção, chegou a vender cimento para Israel construir o muro da separação na Cisjordânia. Essa burguesia é totalmente dependente do imperialismo e de Israel e abandonou toda pretensão independência.

Contudo, esta política produziu um violento desgaste do governo de Abbas e sua organização política, a Al Fatah. O povo palestino votou no Hamas para protestar contra as péssimas condições de vida, contra a ocupação de seu território por Israel e contra a política expressada nos Acordos de Oslo.

O fracasso de Oslo
Em 1993, a assinatura dos Acordos de Oslo, uma resposta das potências imperialistas a primeira Intifada palestina, de 1988, foi o ápice de um processo de capitulação de Arafat e da direção de Al Fatah ao imperialismo norte-americano e europeu. Neles, a Al Fatah reconhecia a existência do Estado de Israel e da usurpação da terra palestina. Inicialmente, as massas palestinas deram seu apoio a este acordo, pensando que obteriam paz e uma melhora em suas condições de vida.

Contudo, o acordo concretamente só trouxe algumas pequenas concessões aos dirigentes palestinos que, em troca, ficaram confinados em ínfimos territórios, sob o controle militar de Israel. A situação de Arafat, em Mukhata, edifício várias vezes atacado por tropas do sionismo, mostrava de forma extrema esta situação humilhante.

De fato, a ANP administrava zonas isoladas similares aos bantustões da África do Sul, durante a época do apartheid. Tendo como tarefa a repressão de sua própria população em nome do ocupante. Contra esta realidade de opressão explodiu, em 2000, a segunda Intifada.

A vitória do Hamas
Por isso, neste ano os palestinos votaram no Hamas, partido que mantém em seu programa a luta pelo fim do Estado de Israel. A votação expressou que a população enxergou o Hamas como uma alternativa mais conseqüente, diante da capitulação da Al Fatah.

A realidade, entretanto, é que o Hamas já havia aderido à trégua pactuada pelo governo da Al Fatah e Israel, em 2004. Todavia, não tirou de seu programa a luta contra Israel e não entregou as armas. Mas “congelou” essa luta e se limitou a administrar escolas e hospitais, construídos com fundos de ONG’s, do Irã e de organismos dos países imperialistas.

A política do imperialismo
Com a derrota de Mahmud Abbas nas eleições, o projeto imperialista recebeu um duro golpe. Sem o peso histórico e o carisma de Arafat, Abbas perdeu a confiança das massas palestinas.

Entretanto, como é um homem totalmente fiel ao imperialismo e ao sionismo, estes últimos fazem de tudo para respaldá-lo e conservá-lo no poder. Israel bloqueou as fronteiras e cortou o envio dos impostos de exportação que cobra das zonas palestinas. A União Européia, a maior fornecedor dessa ajuda, e os EUA suspenderam, com apoio da ONU, o envio de fundos ao governo de Hamas e propuseram criar um mecanismo que, supostamente, garanta a entrega desses subsídios diretamente ao povo palestino.

Tudo isso se constitui num gigantesco operativo de pressão imperialista e sionista para que o Hamas aceite os Acordos de Oslo, renuncie a ‘violência’ e reconheça o Estado de Israel. Buscam assim, repetir o caminho de capitulação de Al Fatah. Mas em quanto isso não acontece, adotam medidas que, na prática, não reconhece o governo do Hamas. Os recursos financeiros, por exemplo, seriam administrados, segundo Benita Ferrero Waldner, porta-voz da UE, pelo Banco Mundial junto com o presidente da ANP, Abbas, mesmo que esse represente apenas uma minoria de palestinos.

Por outro lado, nenhuma exigência a Israel é feita por esses senhores. Recordemos que Israel se apropriou das melhores terras e fontes de água da Cisjordânia, isolando a zona árabe de Jerusalém e as populações palestinas da região. A situação se agravou a partir da política de ‘separação unilateral’ do governo de Sharon-Olmert e a construção do famoso muro. Ao mesmo tempo, Israel segue assassinando dirigentes palestinos ou matando civis inocentes, como ocorreu recentemente numa praia em Gaza.

A ameaça de guerra civil
A Al Fatah tem a ampla maioria dos postos do aparato estatal criado pela ANP. Manter estes cargos é decisivo para seguir dominando administração e o orçamento do território. A derrota eleitoral frente ao Hamas ameaça excluí-los deste controle e, por isso, recorrem aos seus mentores imperialistas e ao Estado sionista para ajudá-los.

Nem sequer tiveram a vergonha de receber de Israel armamento novo para a “guarda presidencial” de Abbas. O primeiro-ministro israelense, Olmert, justificou o ‘presente’, dizendo que “teme que Abbas possa ser vítima de ataques de seus adversários extremistas do Jihad Islâmico e do movimento islâmico radical Hamas”.

Por outro lado, Abbas manteve sob seu controle a polícia e as forças de defesa. Já houve vários choques entre estas forças e os milicianos do Hamas, na disputa pelo poder militar entre o novo governo e a antiga administração. As forças de Abbas, chegaram inclusive a invadir o Parlamento Palestino, em Ramallah, detendo deputados do Hamas.

Em outras palavras, Abbas e o Fatah mostram que, com o respaldo imperialista e sionista, estão dispostos a iniciar uma guerra civil para obrigar o Hamas a capitular e, por tabela, defender seus cargos governamentais e seus negócios.
O plebiscito
A política de Abbas de chamar um plebiscito a favor da ‘paz com base nas fronteiras de 1967’ é uma vergonhosa tentativa de forçar o governo do Hamas a ceder aos Acordos de Oslo e trair o seu mandato eleitoral. Para isso, Abbas se refugiou em um manifesto firmado por presos políticos palestinos em Israel, como Marwan Barguti, da ‘ala combatente’ da Al Fatah.

Hamas tentou negociar, mas Abbas definiu unilateralmente a data do plebiscito, o dia 21 de julho. Sem dúvida, alguns prisioneiros de outras organizações, que assinaram o manifesto original, já denunciaram o texto e retiraram suas assinaturas. Este plebiscito é uma manobra ao serviço da ocupação israelense e, por isso, deve ser boicotado pelas organizações da resistência palestina.

As alternativas de Hamas
O projeto do Hamas é a criação de um Estado islâmico. Esta posição e seu caráter burguês poderia levá-los a ceder as pressões e aceitar, de fato, os Acordos de Oslo para ter, pelo menos, um pequeno Estado dirigido por eles. Alguns fatos recentes apontam nesse sentido. O primeiro-ministro do Hamas, Ismail Haniyeh, por exemplo, substitui as declarações ‘duras’ pelos chamados à negociação e tenta demonstrar ao imperialismo, em particular ao europeu, que poderia vir a ceder.

Recentemente, a imprensa informou que um acordo entre Abbas e Haniyeh foi fechado. O fato é que Haniyeh considerou positiva a posição da UE de retomar as doações financeiras, mesmo que estas sejam remetidas as mãos de Abbas. O primeiro-ministro só pediu que “se leve em conta a existência de seu governo”. Ao mesmo tempo, disse que estava disposto a negociar e estender a trégua com Israel ‘por 20 anos’. O discurso é muito semelhante ao da Al Fatah, quando começou a negociar os acordos de Oslo.

Ao invés de denunciar a ocupação e exigir a imediata devolução de todos os territórios ocupados por Israel, dizendo claramente as massas palestinas que os Acordos de Oslo só servem para favorecer os planos imperialistas e sionistas, o Hamas segue negociando com Israel. Se esta política avança, como é muito provável que ocorra, será responsável por uma nova frustração às aspirações do povo palestino.

O Hamas, por outro lado, tem uma alternativa: apelar ao povo palestino e, inclusive, a base da Al Fatah, para denunciar o plebiscito e a chantagem da guerra civil e chamar a unidade para combater o Estado sionista, o imperialismo e seus agentes palestinos. O povo palestino deve exigir que o Hamas o faça.

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