Publicamos, abaixo, a declaração da organização haitiana Batalha Operária sobre a postura do presidente René Preval diante dos protestos contra a fome e da dura repressão ao povo do país caribenhoDepois de ter deixado a crise de se envenenar até chegar a brotar sangue, fogo e morte, o presidente René Préval se resignou a dizer algumas palavras. Enquanto todo mundo esperava consignas claras para pelo menos aliviar a cruel fome e a total desolação que o povo sofre, não fez mais que se esquivar da situação concreta. Na realidade, defendeu sua posição de classe.

Antes que nada, ao mencionar que a crise do custo de vida “está amadurecendo há uns vinte anos”, e que é fruto de uma “orientação muito nefasta”, parece esquecer que, nesse tempo, ele mesmo passou cinco anos como presidente, quase um ano como primeiro-ministro e agora já está há quase dois anos como presidente outra vez! Em outras palavras: ele foi muito ativo para pôr em prática essa tão “nefasta orientação” à qual faz referência!

Continuando seu argumento, deixa toda a responsabilidade pela situação no “comércio internacional, que dita os preços”. Sem deixar ver que isso é precisamente a globalização capitalista, que faz todos os povos sofrerem e que um governo responsável não deve acatá-la passivamente. Outros países dominados resistem, como podem, outros, pelo menos, tratam de aliviar a dor da população. Em vez disso, Préval nos mandou esperar, em uma suposta correção nacional, que dará resultados dentro de dois, três, dez, vinte anos! Com cara dura, nos propõe essa resolução da crise, nós que estamos morrendo de fome hoje, agora! Tal inconsistência não tem nome.

Tudo isso para não mencionar os reais responsáveis pelo alto custo de vida, a saber: os grandes comerciantes, capitalistas de todos os níveis e o Estado reacionário que dirige, a serviço dessas pessoas. Todos juntos se beneficiam do alto custo de vida.

A burguesia local está intimamente ligada à burguesia internacional. Juntas atuam no mundo inteiro contra os povos. Não é uma questão de nacional versus internacional: trata-se de uma rede de exploradores que une todos os burgueses comerciantes, industriais, banqueiros e os corruptos do Estado. Eles todos, juntos, dominam e exploram todos os povos em todos os lugares do planeta.

O alto custo de vida não é mais que uma das manifestações desse fenômeno global. Funciona junto com o salário de miséria, o desemprego, a miséria generalizada, a corrupção. Trata-se da mesma lógica global. O presidente esconde tudo isso. Simplesmente porque, ao mencioná-lo, denunciaria seus próprios amigos – ou patrões.

Préval preferiu criminalizar a violência popular. Sem estabelecer a lógica dessa atitude nossa como resposta frente à violência do projeto burguês de exploração e de dominação extremas, o qual, hoje, quer nos reduzir a escravos ou cadáveres. E chegou a felicitar a Minustah! Uma Minustah que passa o tempo apontando o fuzil para nossa cara, nos matando sempre e onde queira, agora, semeando de novo o terror em nossos bairros, onde já não pode haver nem manifestação pacífica. Uma Minustah cujo papel de defender as classes dominantes já está claro para o povo. Uma Minustah que o povo já odeia! Préval a felicitou!

Por isso, dizemos que esse presidente, no qual o povo infelizmente acreditou, segue se desmascarando. Sua intervenção na TV serve simplesmente para tentar resolver a crise extrema em que se encontram as classes dominantes. Não tem nenhuma intenção de resolver o mais mínimo problema dos trabalhadores ou do povo. Ao contrário!

Ainda em sua proposta de “produção nacional” (que a recente situação o forçou a considerar, dado o rotundo fracasso – e rechaço – da orientação “zonas francas / salário de miséria”), ainda em sua nova “produção nacional”, não diz quem se beneficiará dos supostos subsídios do Estado. Serão os pequenos produtores ou os grandes latifundiários de sempre? O que acontecerá com o salário dos operários agrícolas, bloqueado há uma década? Evitando tocar nas relações sociais de produção, o presidente fica assim conscientemente na mesma lógica podre de dominação-exploração que nos levou à situação explosiva de hoje. Fica, portanto, no mesmo beco sem saída que as classes dominantes construíram. Na realidade, defende sua posição de classe: falou, pois, um inimigo.

Frente a essa evidência, permanece a mesma lógica que tínhamos declarado há uns meses: só a mobilização geral pode desbloquear a inércia do poder. Depois desse discurso lacaio do presidente, que sequer tomar em conta a fome infinita e o grito desesperado de um povo inteiro, é preciso retomar a mobilização! Dadas as novas relações de força, estabelecidas desde a recente invasão brutal das forças armadas da ONU, novas formas certamente deverão se desenvolver. O mais importante é que elas deverão ser autônomas em relação a qualquer esperança nas decisões do poder vigente.

Viva a mobilização autônoma das massas populares!
No marco sua luta, seu projeto e sua organização, também autônomos!

Haiti, 10 de abril de 2008