O Opinião Socialista entrevistou Didier Dominique, sindicalista haitiano da organização Batay Ouvriye (Batalha Operária). A entrevista foi gravada pouco antes de sua presença ser anunciada no 2º Congresso Nacional da Conlutas, nos dias 3 e 4 de junho, em Santos (SP). Dominique não falou apenas da terrível situação enfrentada pelos haitianos pós-terremoto, marcada pela violência das tropas dos EUA e da Minustah (força de segurança da ONU liderada pelo Brasil. Falou também da resistência que se gesta no país contra essa opressão. Uma prova foi a mobilização do Dia da Bandeira, que reuniu milhares de pessoas contra o governo e a ocupação. Confira.

O país que foi abandonado pelo terremoto vem assistindo a crescentes mobilizações contra o governo de René Préval e as forças de ocupação. Descreva esse processo.

Há mobilizações quase todos os dias. Por diversas razões. Por que não se distribuiu bem a comida, ou contra os assaltos e a violência. Recentemente os estudantes realizaram uma mobilização no dia 24, que teve um enfrentamento com a Minustah. Os soldados brasileiros entraram na faculdade de etnologia reprimindo os estudantes, com gases lacrimogêneos e prenderam um estudante chamado Mathieu. Mas o pior de tudo isso é que a faculdade de etnologia fica ao lado de um dos maiores acampamentos de desabrigados, o Campo de Março, com milhares e milhares de pessoas. Os gases lançados na faculdade chegaram até o acampamento, afetando crianças, mulheres e idosos.

O responsável pela Minustah, na manhã seguinte, pediu desculpas e admitiu que não as tropas não poderiam entrar na faculdade. Ele disse que “isso não iria ocorrer novamente”. Os estudantes estão tentando levar os soldados à justiça, mas não podem fazer isso, pois o contrato da Minustah não permite levar os soldados à justiça haitiana.

É como acontece aos soldados norte-americanos no Iraque?
Sim, é como no Iraque. Uma vez soldados do Sirilanka da Minustah foram acusados de molestarem mulheres e garotas de 12 e 13 anos. Foi realizada uma investigação que comprovou que isso era verdade. Eles voltaram ao seu país e nada aconteceu.

Teve outras mobilizações de peso no país?
Quando começou a época de chuvas, no final de abril, a condição das pessoas nos acampamentos tornou-se dramática. A água sobe e as pessoas que já viviam mal, em situação de não ter o que comer ou onde tomar banho, como é o caso das mulheres que correm o risco de serem estupradas. Para piorar, as autoridades vendem a ajuda que chega.

Nós da Batay Ouvriere e outras organizações de acampamentos começamos a nos reunir e organizar uma marcha no dia 28 de abril. Uma marcha que não iniciou com muitas pessoas, com umas 400 apenas, porque queríamos realizar uma agitação ambulante, ou seja, passando pelos acampamentos, distribuindo panfletos e arrastando as pessoas.
Essa mobilização deu lugar a outra no 1° de maio, que reuniu companheiros dos acampamentos e também os trabalhadores dos serviços públicos que foram demitidos arbitrariamente por Préval. Novamente, essa mobilização agiu como uma brigada de agitação, passado por aqui, lá e acolá, distribuindo panfletos, fazendo discursos etc.

Depois do 1° de maio, a gente decidiu que iria realizar por um mês mobilizações como essa, de agitação, para chegar ao dia 18 de maio, o Dia da Bandeira. No dia 18 de maio de 1803, durante a guerra de independência, o exército revolucionário haitiano fez uma nova bandeira para lutar contra a bandeira francesa. Desde então, esse dia sempre é comemorado.

Mas distribuímos um panfleto perguntando: devemos comemorar qual bandeira? Por que hoje no Haiti flamejam as bandeiras dos Estados Unidos, a francesa, a canadense, a brasileira, a argentina. Qual é delas vamos comemorar?

A mobilização do dia 18 foi muito importante. Mas houve uma confusão porque todos os setores nacionalistas e patriotas, setores burgueses de oposição ao governo, setores duvalierista, diziam na manifestação abaixo Préval, mas nenhum deles fazia alguma crítica ao conteúdo do governo de Préval, como por exemplo, a denúncia da ocupação. Tampouco denunciavam o projeto burguês de exploração da mão de obra barata que Préval aplica com Bill Clinton, com as multinacionais, empresários brasileiros que visitaram o Haiti pouco antes do terremoto.

Clinton trouxe 150 investidores e depois voltou com Bush. Agora eles apresentam um projeto para criar 40 Zonas Francas nas principais cidades do país. Nós da Batay Ouvriere fazemos uma diferenciação com todo esse plano. A mobilização está crescendo, mas com bastante confusão. Então, achamos que é preciso definir o conteúdo da luta contra Préval, que deve ser de uma luta cassita.

Qual é a situação dos operários?
Muito difícil. As fábricas estão aumentando as metas a serem cumpridas pelos operários. E como muita gente está sem trabalho, se o operário não realizar essas metas será demitido. Agora, se o operário não consegue alcançar as metas, ele não terá nenhum tipo de aumento nos salários. Se um operário, por exemplo, fazer 10 dezenas, receberá o salário mínimo. Agora se ele cumpre a meta e faz 25 dezenas, receberá o dobro. Agora se o operário faz 24 dezenas, receberá apenas o salário mínimo. Mas quase ninguém consegue cumprir as 25 dezenas.

Para entender os valores sobre o que estamos falando: o salário mínimo é de 120 gurdes, isto é, US$ 3 dólares diários. Caso o operário dobre as metas, receberá US$ 6.

Os operários trabalham muito mais de oito horas. Não recebem horas-extras e quando tentam se organizar são reprimidos. O movimento operário recebe uma repressão adicional àquela que é promovida pela ocupação militar depois do terremoto. Recebe uma exploração e uma repressão a mais em relação a população do país.

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