Para os governos imperialistas, o que menos importa é a sorte do povo haitianoNão apenas pedras e tijolos desabaram sobre a cabeça dos haitianos em Porto Príncipe. Não apenas casas e prédios vieram abaixo, deixando centenas de milhares de mortos e soterrados. Depois do tremor de terra que durou apenas alguns segundos, a fúria da natureza foi substituída pela fúria do grande capital, a ganância das grandes multinacionais imperialistas.

Garantido pelos capacetes azuis da ONU e os capacetes verdes dos marines americanos, armados com a última palavra em petrechos de guerra, o grande capital multinacional já começou a rapinagem. Enquanto o mundo inteiro corre para arrecadar milhões em ajuda humanitária – calcula-se que se tenha arrecadado mais de um milhão de dólares –, os governos imperialistas se digladiam como corvos para ver quem consegue tirar mais vantagens do terremoto.

O imperialismo já anuncia um “Plano Marshall” para o Haiti. Liderado pelos Estados Unidos, o Plano Marshall foi o plano de reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Um dos planos mais corruptos de que se tem notícia. Passou à história como uma grande ajuda humanitária para os países devastados pela guerra, mas serviu para afirmar a nova hegemonia dos EUA na Europa e no mundo e ainda por cima gerou uma briga de foice entre as empreiteiras para ver quem lucrava mais com tudo aquilo.

O mesmo vai ocorrer no Haiti. Os EUA se aproveitam do terremoto para colocar suas tropas diretamente no controle para canalizar para suas empresas a reconstrução do país, que deverá envolver grandes empreiteiras e orçamentos milionários por muitos anos. O trabalho de reconstrução começa justamente depois da fase emergencial, quando os olhos do mundo já não estão mais centrados no Haiti.

É o momento em que surge um ambiente propício à corrupção, ao desvio de verbas, a falta de controle sobre a forma como as empresas vão trabalhar, o tipo de material que vão usar, se a reconstrução será feita de acordo com os interesses e as necessidades da população mais pobre ou segundo os desejos dos ricos e milionários.

Não é a primeira vez que isso acontece. A ONG Transparência Internacional cita o caso da reconstrução da Província de Aceh, na Indonésia. Seis anos depois do tsunami, milhares de vítimas ainda vivem sob tendas porque suas casas, reconstruídas por uma empreiteira norte-americana, ruíram pouco depois de serem construídas. A empreiteira deveria erguer as casas sobre fundações de pelo menos 60 centímetros, mas entregou as estruturas de madeira apoiadas superficialmente sobre pedras.

Em grandes tragédias, os mecanismos de controle sobre as empresas contratadas acabam ficando em segundo plano. E elas se aproveitam disso. A disputa está esquentando. O Brasil já criticou os EUA por tentarem liderar o plano de reconstrução. Porque os norte-americanos se posicionaram para tomar tudo para si e as empreiteiras brasileiras, como a Camargo Correia e a Odebrecht, estão de olho nos grandes negócios que o Haiti promete daqui em diante. De país mais pobre do mundo, o Haiti transformou-se numa verdadeira mina de bons negócios para empresas de todo tipo: aeroportos, portos, hospitais, escolas, moradias, infra-estrutura urbana, rede de saneamento básico, energia elétrica, sistema de transportes enfim, um paraíso para quem enfrenta uma grave crise econômica e precisa ter oportunidades de investir com retorno garantido.

Quanto ao povo do Haiti, este continua lutando por tudo, desde um prato de comida a moradia, atendimento sanitário, todas as mínimas condições de vida estão em xeque. Não se consegue saber o que está sendo feito com tudo o que foi arrecadado no mundo inteiro, uma quantia mais que suficiente para resolver os problemas urgentes da população afetada pelo terremoto, como a construção de abrigos, a distribuição de comida e água, medicamentos e hospitais. Esses problemas persistem e se agravam a cada dia, e a ajuda que de fato chega aos necessitados é ínfima. Segundo a própria ONU, menos de 25% das pessoas afetadas pelo terremoto receberam algum tipo de ajuda até agora.

Os jornais informam que os voos que levavam feridos haitianos para os Estados Unidos estão suspensos há dias. Foi uma decisão política do governo americano, tomada em razão da falta de acordo sobre quem pagará a conta pela transferência e tratamento dos haitianos. O governador da Flórida, Charlie Christ, quer dividir os custos, e a Casa Branca alega que tomou a decisão porque não há mais espaço na rede hospitalar do Estado para tratar novas vítimas do terremoto.

Pergunta: onde estão os milhões de dólares arrecadados? Até os artistas de Hollywood – Julia Roberts, George Clooney, Brad Pitt, Angelina Jolie entre outros famosos – fizeram uma maratona de telemarketing pedindo ajuda para o Haiti. Houve doações do mundo inteiro sob as mais diversas formas. Arrecadaram milhões e milhões de dólares. Onde foi parar esse dinheiro? “Tenho pelo menos cem pacientes que morrerão em um ou dois dias se não forem levados para os EUA”, disse Barth Green, médico da Universidade de Miami.

Mais de 1 milhão de pessoas estão sem abrigo, dormindo na rua, em meio aos escombros. Ao invés de socorrê-las com a enorme ajuda humanitária já arregimentada, a ONU anuncia que vai construir acampamentos para elas, bem distantes do centro de Porto Príncipe. É uma forma de manter os sobreviventes afastados, impossibilitados de protestar e muito menos de participar das decisões que estão sendo tomadas pelo governo e pelo imperialismo, totalmente à sua revelia.

A realidade demonstra cabalmente que para as grandes potências, o que menos importa é o povo do Haiti. O terremoto lhes trouxe boas oportunidades de negócios, muito mais lucrativos do que ficar distribuindo comida e água aos feridos. O presidente americano Barack Obama aproveitou-se da tragédia para se promover. Fez discursos inflamados pedindo a solidariedade de todos os países, mas ao mesmo tempo suspende os vôos do Haiti para os EUA, deixando milhões de pessoas, que precisam de um atendimento hospitalar especial, à beira da morte. A guarda costeira dos EUA tem instruções de reprimir duramente qualquer tentativa de refugiados chegarem às costas dos EUA.

Mesmo diante do terremoto, que matou quase 200 mil pessoas, continua em vigor a política imperialista de dominação colonial do Haiti. A mesma política que levou ao saque sistemático do país durante anos e às sangrentas e corruptas ditaduras de Duvalier e Papa Doc, sob cujo manto as empresas capitalistas multinacionais sugaram até o osso as riquezas e a mão-de-obra haitiana. Com seus tonton macoute assassinos, esses governos, apoiados pelo imperialismo, trataram durante anos o povo do Haiti como se fossem animais.

É o que continua ocorrendo. Os EUA e outras potências imperialistas estão pisoteando e fazendo letra morta a autodeterminação do povo haitiano. Um exemplo cabal é o roubo de crianças que vem ocorrendo. A Justiça haitiana acaba de indiciar dez norte-americanos por seqüestro de menores. O grupo foi preso quando tentava cruzar a fronteira com a República Dominicana levando 33 crianças haitianas, entre 2 meses e 12 anos. Membros de uma ONG religiosa dos EUA, o grupo literalmente estava roubando as crianças, já que não tinha papéis necessários para a adoção, sem falar que algumas mães haitianas reclamaram seus filhos dias depois do terremoto e acusaram o grupo religioso de ter levado os menores com a promessa de devolvê-los minutos depois. O grupo alegou que eram órfãos, mas o governo haitiano confirmou que todas as crianças tinham famílias que sobreviveram ao terremoto.

O que dissemos no Correio Internacional de janeiro se confirma. Nesse jogo de forças, quem fica em último plano é o povo do Haiti, duplamente vitimado – pelo terremoto e pelos interesses imperialistas. Tanto a Minustah quanto os governos imperialistas estão mais preocupados em controlar militar e economicamente o Haiti, para transformá-lo numa colônia, do que com as condições de vida do povo haitiano.

Por isso, os trabalhadores e as organizações populares devem assumir um papel de destaque. Eles é que devem controlar a ajuda humanitária, tentando furar o bloqueio da ONU, Minustah e outras organizações do imperialismo que estão controlando tudo e impedindo que a ajuda chegue à população mais carente. É preciso que os trabalhadores organizados tomem o controle da ajuda humanitária, construindo abrigos, organizando cozinhas comunitárias, postos de saúde populares para os primeiros socorros às vítimas e, criando organismos de autodefesa contra a repressão, assim como contra o estupro das mulheres e contra o roubo de crianças.

Mas tamanha tarefa não pode ficar apenas nas mãos dos trabalhadores haitianos, profundamente afetados pelo terremoto. É preciso que a classe trabalhadora mundial mostre a sua força, se mobilize e ajude a arrecadar fundos, que devem ser destinados direta e unicamente às organizações operárias e populares do Haiti, como Batay Ouvriye (Batalha Operária). É preciso seguir o exemplo da Conlutas, aqui no Brasil, cuja campanha já arrecadou mais de 100 mil reais junto aos sindicatos para enviar aos trabalhadores no Haiti e que esta enviando essa soma diretamente a Batay Ouvriye.

Solidariedade sim, ocupação militar não! O que disse Marx há dois séculos, que a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores, volta a confirmar-se com toda a sua força. Não temos nenhuma dúvida: se alguma esperança de vida ainda resta aos sobreviventes do terremoto, ela está nas mãos das organizações populares e dos trabalhadores do Haiti e de todo o mundo.