Redação

A seção de Nova York da “Worker’s Voice” (“Voz dos trabalhadores”, organização simpatizante da Liga Internacional dos Trabalhadores) entrevistou Kiki Makandal, ativista da “One Struggle” (“Uma luta”), em Nova Iorque e um dos organizadores da Rede de Solidariedade do “Batay Ouvriye”. Esse experiente ativista haitiano, que vive em Nova York desde 1981, nos falou sobre a luta de seu povo contra o imperialismo e a ocupação de seu país.

Worker’s Voice – Em 1º de Junho de 2013, completou nove anos da invasão militar do Haiti, promovida pela ONU e apoiada por muitos governos latino-americanos. Qual tem sido o impacto dessa intervenção na vida dos trabalhadores haitianos?
Kiki Makandal – A ocupação atual do Haiti feita pela aliança ONU-EUA, usando mais de 8000 militares e 3500 policiais, vindos de 52 países e 4 continentes, é somente o capítulo mais recente na tentativa permanente de implementar reformas neoliberais no Haiti, o país mais pobre do ocidente. Para resumir, o impacto, na classe operária haitiana, de uma série contínua de intervenções e ocupações imperialistas têm sido desastroso. A repressão é usada constantemente contra o movimento operário e suas organizações. Aos sucessivos golpes se seguiu uma intensa repressão das organizações operárias, que têm de se reconstruir a todo momento. Tem prevalecido a impunidade generalizada aos patrões, mesmo sob administrações populistas nas quais violações aos direitos dos trabalhadores têm sido implacáveis e sistemáticas e diretamente auxiliadas, muitas vezes, pela repressão patrocinada pelo Estado. Os tanques, helicópteros e tropas da MINUSTAH intervieram, em 2009, para esmagar os protestos dos trabalhadores que reivindicavam um reajuste adequado do salário mínimo. As tropas da MINUSTAH foram as principais impulsionadoras do “salário barato” como vantagem comparativa promovida pelo imperialismo e pelas classes dominantes haitianas para atrair investimentos estrangeiros. Ao longo dos últimos 28 anos de intervenções, o salário mínimo diário nominal no Haiti foi de 13.20 gourdes (US$ 2.64), em 1980, para 200 gourdes (US$ 1.61), em 2013. Ou seja, quase metade do salário mínimo de 1980, sob a ditadura de Duvalier. Enquanto isso, uma inflação violenta continua a corroer o salário dos trabalhadores.

Worker’s Voice – Qual é o impacto da intervenção nas organizações e lutas operárias?
Kiki Makandal – A presença da MINUSTAH esconde a cumplicidade das forças do Estado engajadas na repressão aos protestos dos trabalhadores, a completa impunidade aos patrões e sua segurança privada, que podem espancar trabalhadores sem medo de qualquer conseqüência e a quase completa ausência de direitos trabalhistas no sistema legal haitiano. Foi isto que vimos em 2009, quando as tropas da MINUSTAH agiram para esmagar as mobilizações dos trabalhadores e assegurar a exigência imperialista de rebaixamento do salário mínimo. E como também é evidente em todos os processos eleitorais, a MINUSTAH é a fiador dos interesses imperialistas; é o braço que impõe e implementa as políticas do neoliberalismo. Ocupado, o Haiti tornou-se a “República das ONG’s” e essas milhares de ONG’s (Organizações não-governamentais) não só têm contribuído para o enfraquecimento sistemático do Estado haitiano, mas elas, também, estão trabalhando na cooptação da classe trabalhadora e dos movimentos populares. O movimento operário tem tentado se perseverar em face aos diversos ciclos de repressão, muitas vezes tendo que reconstruir, da poeira, sindicatos que foram destruídos através de demissões ilegais ou organizações de trabalhadores que tiveram de entrar na clandestinidade durante período de forte atuação de esquadrões da morte. E a intervenção da ONU é chamada a agir, sempre, depois que os esquadrões da morte já tenham feito a “limpeza”. Mas, apesar disto tudo, apesar dos muitos retrocessos, o movimento operário tem se perseverado e está prestes a fazer alguns importantes avanços à frente do movimento popular.

Worker’s Voice – Nos Estados Unidos há uma grande comunidade de haitianos. Você poderia falar um pouco da história de formação dessa comunidade?
Kiki Makandal – Na área da grande Nova York estima-se que haja 400.000 imigrantes haitianos. O fluxo contínuo de imigrantes para os EUA inclui uma ampla gama de estratos sociais, com um maior número de pobres e socialmente desfavorecidos, fugindo do Haiti e vindo para os EUA. A maior parte de forma “ilegal”. Isso faz com que um amplo setor da comunidade imigrante haitiana viva sob a ameaça da deportação e incapaz de legalizar sua situação; o que faz com que a luta pelos direitos dos imigrantes seja muito importante para a comunidade haitiana. No mesmo contexto, o estigma da AIDS que o Centro de Controle de Doenças (CDC) colocou sobre a comunidade haitiana se choca com uma forte resistência. O CDC impedia imigrantes haitianos de doarem sangue. Em 20 de Abril de 1990, em um dos maiores protestos em Nova York naquele período, mais de 100 mil marcharam sobre (e, literalmente, balançaram) a ponte do Brooklyn, cercando a prefeitura. Após esse protesto o CDC interrompeu essa política.

Worker’s Voice – A administração Obama tem deportado milhares de haitianos dos Estados Unidos, algo que não parou mesmo depois do terremoto de 2010. Como a comunidade haitiana está resistindo a essas deportações?
Kiki Makandal – A maioria dos haitianos nos EUA se alinhou com os afro-americanos no apoio a Obama. Isso tem tornado mais difícil a resistência às políticas anti-imigração da administração Obama. Também, setores significantes de imigrantes haitianos estão, agora, integrados à sociedade norte-americana e isso tem, de alguma forma, marginalizado os problemas dos imigrantes mais recentes, que ficam isolados diante dos ataques impostos pela continuidade das políticas racistas das administrações anteriores. A extensão do Programa de Asilo Temporário (TPS, na sigla em inglês) e a atual propaganda sobre os esforços do legislativo, como o “Dream Act” (“Decreto dos Sonhos”, nome criado a partir da abreviação do nome do projeto: “Desenvolvimento, Assistência e Educação para Minorias Imigrantes), também contribuem para frear as mobilizações. Embora um número estimado de 250 mil imigrantes haitianos pudessem se candidatar ao TPS, menos de um quarto deles pediu para ingressar no programa, em grande parte por causa do medo de serem perseguidos pelo Departamento de Imigração norte-americano e pela incerteza sobre uma situação temporária. A maioria dos imigrantes “sem papéis” (ou seja, “ilegais”, sem documentos) está à espera de uma solução permanente. Cabe a comunidade progressiva norte-americana encarar este desafio. Mesmo que os haitianos continuem sendo injusta e especificamente perseguidos, como um grupo, fazendo com que seus pedidos de asilo sejam quase impossíveis, mudanças reais virão somente com a luta pelos direitos de todos os imigrantes.

Worker’s Voice – Você poderia falar um pouco sobre a implantação dos “sweatshops” (literalmente, “fábricas de suor”, em referência às péssimas condições de trabalho e extrema precarização) no Haiti começou?
Kiki Makandal – Os anos 70 viram o início da implantação do setor de fábricas de montagem de peças no Haiti, que foi facilitado pelos salários extremamente baixos, a ausência de sindicatos (devido à repressão da ditadura Duvalier) e os enormes incentivos fiscais concedidos aos investidores estrangeiros. Isso, rapidamente, fez do Haiti o principal produtor de bolas de beisebol no mundo e um produtor significante de produtos eletrônicos e têxteis. No entanto, o desenvolvimento das “sweatshops” no Haiti foi limitado pelas condições inerentes a uma ditadura reacionária: uma economia em desmoronamento, devido à falência do setor agrário e uma estrutura econômica arcaica; uma infra-estrutura muito pobre (sem eletricidade, estradas muito pobres, instalações portuárias muito pobres etc.), corrupção excessiva e um potencial constante para instabilidade política, devido a décadas de intensa repressão.

Worker’s Voice – Quais são as maiores dificuldades e desafios em organizar a luta contra este tipo de fábricas no Haiti e internacionalmente?
Kiki Makandal – O movimento “anti-sweatshops” deve buscar se aliar àqueles que, no movimento dos trabalhadores, busquem transformá-lo radicalmente em um movimento que arme os trabalhadores para lutar pelos seus direitos, incluindo o direito de acabar com a exploração. É preciso construir um novo movimento operário, autônomo, baseado na organização e mobilização pela base e na participação democrática. Um movimento não seja focado apenas nas demandas econômicas dos trabalhadores, mas, também, em nossa agenda política autônoma. O movimento “anti-sweatshop” também deve confrontar a cooptação do movimento dos trabalhadores por agências e organizações que promovem e patrocinam os “sindicatos amarelos” (pelegos) e tentam domesticar a luta dos trabalhadores, dizendo que agem “em nome dos trabalhadores”. Agências como o Departamento de Estado, o Ministério do Trabalho, o Centro de Solidariedade da AFL-CIO (a maior central sindical dos EUA: Federação Americana do Trabalho – Congresso de Organizações Industriais), financiado pelo NED (Fundo Nacional para a Democracia) e até mesmo o Banco Mundial estão somando esforços para transformar os movimentos “anti-sweatshop” em organizações “conformistas”, que apóiem as políticas imperialistas e que possam ser parte da “espinha dorsal” de sociedades estáveis nas quais as multinacionais possam prosperar.

Tradução: Daniel Luz (Secretaria de Negros e Negras do PSTU)