Um dos dribles fantásticos de Garrincha
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Em 29 de junho de 1958, há exatos 50 anos, o Brasil conquistava a sua primeira Copa do Mundo na Suécia. O título curava a mágoa do mundial de 1950, quando perdemos para o Uruguai em pleno Maracanã lotado. Mas quem pensa que foi fácil, está enganado.

O caminho do Brasil para chegar à Copa foi duro, apesar dos brilhantes jogadores. Em 1956, numa excursão pela Europa que tinha como objetivo iniciar a seleção dos jogadores que disputariam a Copa, o Brasil decepcionou. Em sete jogos amistosos, foram três vitórias, dois empates e duas derrotas.

No retorno, a comissão técnica elaborou um relatório sobre o comportamento dos jogadores que possuía conotações racistas, conforme descreve o jornalista João Máximo (Cadernos de História, o Globo, 2000): “O jogador brasileiro era imaturo, emocionalmente vulnerável, inseguro. Numa palavra, ‘amarelava’. O relatório apontava, eufemisticamente, para certas características raciais que nos faziam sofrer mais que um anglo-saxão, um gaulês, um nórdico ou um tedesco, terríveis saudades de casa, a nostalgia profunda, o banzo. Não foi por outro motivo que a seleção brasileira estreou em Gotemburgo com um time tão branco quanto possível”.

A classificação para a Copa veio numa apertada disputa contra o Peru. No primeiro jogo, em Lima, 1 a 1. No segundo, no Maracanã, 1 a 0 no final, com um gol de falta de Didi que ficou conhecido como “folha seca”, um chute cheio de efeito que deixava os goleiros paralisados.

Por tudo isso, a seleção brasileira não chegou ao mundial como favorita entre as 16 participantes. A França de Just Fontaine, o maior artilheiro de todas as copas (13 gols em 1958) e a URSS, que jogava seu primeiro mundial e contava com o maior goleiro de todos os tempos, Lev Yasshin, estavam em vantagem.

O que todos não esperavam, porém, é que nessa Copa seria revelado o maior jogador de todos os tempos. Com 17 anos, marcou gols decisivos. Foi peça fundamental daquele time que contava também com Gilmar, Castilho, De Sordi, Bellini, Orlando, Zózimo, Nilton Santos, Djalma Santos, Zito, Dino Sani, Moacir, Didi, Joel, Garrincha, Dida, Mazola, Zagalo, Pepe e era treinado por Vicente Feola.

Pelé não era um desconhecido como muitos afirmam. Já havia sido artilheiro do Campeonato Paulista de 1957, participado do torneio Rio–São Paulo e já havia sido convocado para a seleção brasileira. Foi ele quem marcou um dos gols na derrota para a Argentina no Maracanã. Mas com certeza a projeção para todo o Brasil e o Mundo veio a partir da Copa de 1958.

Curiosamente, a mística da camisa 10 teve origem numa desorganização da CBD (antecessora da CBF). Ao não enviar a numeração dos jogadores, fez com que a FIFA simplesmente a distribuísse.

A campanha
Para sagrar-se campeão, o Brasil venceu a Áustria por 3 a 0 e empatou em 0 a 0 com a Inglaterra. No último jogo da primeira fase, o técnico brasileiro, pressionado por Nilton Santos, Didi e Bellini, escalou Zito, Garrincha e Pelé. Vencemos a temida URSS por 2 a 0. Gols de Vavá, num jogo em que apareceu toda a técnica de Garrincha. Enfim, o Brasil apresentava um bom futebol que viria a encantar o mundo. Somente então “pintava” o favorito.

Nas quartas de finais, um jogo dificílimo contra o País de Gales que se armou bem na defesa e segurou o empate. Até que Pelé, aos 26 minutos do segundo tempo, marcou 1 a 0, credenciando o Brasil para a próxima fase.

Nas semifinais, a seleção enfrentou a França, que tinha o goleador Just Fontaine, até então com oito gols em quatro jogos. Chegou a marcar um contra o Brasil, mas não foi o suficiente: Didi e Vavá marcaram e Pelé fez três. No final, Brasil 5 a 2. Estávamos classificados para a decisão.

A decisão
Na final, enfrentamos os donos da casa, a Suécia. Em Estocolmo, no Estádio Rasunda, o público foi de 51.800 pessoas. Aos quatro minutos de jogo, a seleção sai perdendo. Imediatamente, voltou o fantasma de 1950.

No entanto, logo em seguida, o Brasil empatou: gol de Vavá. Passamos a dominar o jogo, mostrando um futebol envolvente, com dribles espetaculares de Garrincha e passes perfeitos de Didi no meio-campo. Foi assim que viramos a partida numa jogada de Garrincha que driblou dois marcadores e foi à linha de fundo, cruzando para Vavá desempatar a partida.

No segundo tempo, Pelé marcou um gol que ficaria na história. Recebe a bola dentro da área de costas para o gol, dá um “chapéu” no zagueiro Gustavsson e, sem deixar a bola cair, chuta para o gol, fazendo 3 a 1. Daí em diante, o Brasil se soltou mais ainda em campo com Pelé. Zagalo marca mais um e Simonsson desconta para a Suécia.

Final de jogo: 5 a 2. Finalmente, o capitão Bellini levanta a taça com as duas mãos, imortalizando uma imagem que passaria a ser repetida pelos demais campeões. Era a primeira vez que uma seleção vencia um mundial fora de seu continente. Proeza somente alcançada pelo Brasil.

Já nos dias de hoje…
Vendo o futebol nos dias de hoje e, principalmente, a nossa seleção, fica difícil acreditar que um dia tivemos jogadores como Garrincha, Didi, Nilton Santos, Vavá, Zagalo e Pelé. O time selecionado de 1958 foi um dos melhores da história do futebol mundial e reunia craques que hoje deixam saudades.

Até nossos adversários reconheciam o talento brasileiro. Para o artilheiro Just Fontaine, os jogadores brasileiros “eram infernais. Ninguém os conteria. Se você marcasse o Pelé, garrincha escapava e vice-versa. Se você marcasse os dois, o Vavá entraria e faria o gol. Eles eram endemoniados”.

Para o então técnico da Suécia, George Raynor, “a seleção brasileira era tão boa que eu temia começar a torcer por ela”.

Para muitos dos que acompanham atualmente o futebol, aquela seleção e seus jogadores somente puderam ser vistos pelas poucas imagens de televisão. Por sorte, a Copa de 1958 foi a primeira a ser televisionada, ainda que ao vivo e somente para a Suécia. Com isso, puderam ser vistas as “pernas tortas” de Garrincha, que para muitos foi melhor do que Pelé.

Vivia-se numa época em que o futebol não era tão mercantilizado. Isso permitia que a técnica e a beleza se sobrepusessem à necessidade de vencer os jogos a qualquer custo. Não que vencer fosse pouco importante ou que não existissem interesses comerciais na época. Mas as vitórias vinham acompanhadas de belas jogadas, dribles e trocas de passes.

Atualmente, com os interesses comerciais predominado nos esportes, o que vale é ganhar e ter um bom patrocínio. Nem que para isso tenha-se que destruir o adversário com faltas violentas, que por vezes encerram carreiras promissoras, e acabam intimidando os jogadores talentosos a fazerem belas jogadas.

Os jogadores das principais seleções são tratados como celebridades. Ganham salários milionários e muitas vezes deixam de se apresentar quando convocados por pressão de seus clubes, ou são escalados por pressão de seus patrocinadores. Quem não se lembra, por exemplo, de Ronaldo ‘Fenômeno’ na final da Copa de 1998 contra a França? Mesmo sem condições de jogar, foi escalado. Na premiação, quando recebeu a medalha de vice-campeão, exibia suas chuteiras Nike penduradas no pescoço.

Nos curtos períodos de preparação para a Copa, os treinamentos, quando acontecem, são na verdade exibições para as câmeras, com sessões de fotos e entrevistas com os patrocinadores, como foi no caso da seleção brasileira na última copa do mundo. Pouco treino, muita badalação e, nas quartas de finais contra a França, o Brasil levou um gol que o desclassificou enquanto o lateral esquerdo Roberto Carlos arrumava suas meias ao invés de marcar Thierry Henry.

Os esquemas táticos também sofreram transformações. Hoje prioriza-se muito mais marcação e a destruição das jogadas do que o ataque e criação. Zagueiros e volantes defensivos passam a ser as peças fundamentais dos esquemas táticos, fazendo com que tenhamos mais faltas por jogo, mais tempo de bola parada, jogadas lentas, passes curtos e sem criatividade e, por óbvio, menos gols.

Ou seja, o futebol atende centralmente os interesses do mercado e não da maioria dos torcedores que gostariam de ver seus clubes e seleções conquistando vitórias e jogando um futebol com técnica e de grandes jogadas como aquelas da copa de 1958.

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