Protecionismo disfarçado está por trás da disputa cambial entre os paísesNo dia 18 de outubro, o ministro da Fazenda Guido Mantega anunciou a elevação da taxa sobre o capital estrangeiro de curto prazo, o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), de 2% para 4%. Segundo o próprio representante da equipe econômica do governo, foi uma tentativa de conter a excessiva desvalorização do dólar frente ao real.

O mais correto talvez fosse afirmar que esta é mais uma tentativa do governo de conter a valorização da moeda nacional. Após um ano da instituição do imposto sobre o capital volátil, o dólar não parou de cair. E por que não? É opinião quase unânime que essa taxação dos investimentos especulativos tem efeito quase nulo sobre o câmbio.

Isso acontece porque o Brasil virou rota preferencial dos especuladores internacionais, atraídos por uma das maiores taxas de juros do mundo. O especulador toma dinheiro emprestado lá fora e investe aqui, com uma rentabilidade de 100% ao ano sem ao menos se mexer. Depois da África do Sul e da Austrália, o Brasil é o país preferido pelos especuladores.

Com a avalanche de dólares chegando até aqui, o preço da moeda norte-americana se desvaloriza e o real sobe, numa espécie de gangorra monetária. Nesse movimento, o real atingiu uma das maiores cotações desde sua implementação no governo FHC, em 1994.

O problema é que, se por um lado o real forte faz a alegria da classe média alta, que tem mais acesso aos importados e a viagens internacionais, por outro ele arrebenta setores da indústria nacional, assim como o setor agroexportador. Com a moeda valorizada, os produtos exportados perdem competitividade frente aos de outros países.

Isso gera dois grandes entraves ao governo. Primeiro, prejudica o setor agroexportador, que sempre foi beneficiado durante os oito anos de governo Lula. E, segundo, aumenta o rombo nas contas externas.

O real forte favorece as importações, prejudica as exportações e afeta a balança comercial (diferença entre o que o país “compra” e o que “vende”), o que já vem preocupando o governo. Segundo a LCA Consultores, o Brasil pode ter, já em 2011, seu primeiro resultado negativo, ou déficit, em 11 anos.

A taxação do capital estrangeiro pretende, assim, resguardar os interesses dos exportadores, ao mesmo tempo que mantém os altos juros e os gordos lucros desse mesmo capital que é taxado.

O dólar baixo
O problema do câmbio, porém, está longe de ser uma questão restrita ao Brasil. O país, ao contrário, se vê no meio do fogo cruzado de uma guerra cambial internacional. Não foi por menos que esse tema monopolizou as discussões da última reunião do G20, em Seul. Mais do que um simples tema pontual, essa guerra reflete as encruzilhadas provocadas pela crise econômica mundial desatada em 2007 e que até agora estão sem solução.

Após o estouro da crise, a solução encontrada por todos os países, principalmente os imperialistas, foi despejar bilhões nos mercados financeiros em forma de pacotes de ajuda. Nesse aspecto, os EUA têm uma vantagem sobre os demais. Expressando sua hegemonia imperialista, o país tem total controle da moeda internacional, o dólar. Os EUA, então, expandiram o crédito ao sistema financeiro, ou seja, “imprimiram dólares” à vontade. O país usou seu poder de “fazer dinheiro” para salvar os banqueiros e investidores. Com uma maior quantidade de dólares circulando, a moeda americana vai perdendo seu valor frente às outras, que se valorizam.

Os juros baixos bancados pelo banco central norte-americano, como forma de reativar a economia, combinados com essa montanha de dólares gerados no último período, explicam o volume de investimentos externos, inclusive aqui. Outro problema é que o déficit financeiro norte-americano, já há algum tempo insustentável, vem ganhando proporções gigantescas. Essa é a chave para entender a atual crise cambial.

Os países se armam
Após o estouro da crise de 1929, os países trataram de se defender. Apelaram às barreiras comerciais e implementaram uma política protecionista que precipitou a depressão nos anos 30.

Durante os dois anos que se seguiram ao auge da atual crise, em 2007, sucessivas reuniões do G7 e do inflado G20 tentaram, sem maiores sucessos, estabelecer soluções articuladas para resgatar a economia mundial. Nas crises, ressurge a contradição entre a “globalização” da economia e os limites dos Estados nacionais.

A ação dos pacotes bilionários para o sistema financeiro impediu por enquanto o agravamento da crise, à custa de uma enorme crise fiscal que está explodindo na Europa. Essa guerra não-declarada do câmbio que surgiu agora pode estar fazendo ressurgir, de forma disfarçada, o fantasma do protecionismo.

Após a desvalorização do dólar, Japão e Alemanha tentaram manter sua competitividade seguindo o mesmo caminho e desvalorizando suas moedas. A China já mantinha o yuan desvalorizado, situação que inclusive possibilitou a explosão do consumo norte-americano nos anos anteriores à crise. Acontece que, diante da nova situação, os EUA se esquecem do passado e pressionam o governo chinês a valorizar o yuan. Querem reverter o desequilíbrio: enquanto têm déficit, países como China e Alemanha acumulam enormes superávits.

No atual estágio da crise mundial, portanto, as tarifas alfandegárias estão sendo substituídas pela guerra do câmbio. Cada país tenta se tornar mais competitivo que o outro reduzindo o valor de sua moeda e, consequentemente, de seus produtos.
A disputa pelo valor das moedas entre os países, assim, mostra que a crise não terminou e que o fantasma da quebra de 1929 não desapareceu.

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