Anos de neoliberalismo e a degradação da saúde pública colocam os trabalhadores na mira de uma possível pandemiaO mundo acompanha com apreensão o risco de uma nova pandemia. Desde o alerta emitido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 24 de abril até 8 de maio, quando fechávamos esta matéria, foi confirmada a contaminação de aproximadamente 2.400 casos pela chamada gripe suína em 24 países diferentes. O número oficial de mortes, segundo a OMS, é de 44. No entanto, só no México já foram confirmadas 42 mortes.

Em poucos dias, a gripe suína tomou conta dos noticiários, dividindo o espaço com a recessão mundial. A pandemia, uma epidemia que se alastra rapidamente por vários países, foi inicialmente identificada no México. Seria uma nova espécie de gripe (vírus influenza), surgida através de uma mutação do vírus em porcos. Isso permitiu atingir e ser transmissível em seres humanos.

Em pouco tempo, a nova variação do vírus mostrou ser facilmente transmissível, espalhando-se para outros países e até mesmo a outros continentes. Já apareceram casos na França e Grã-Bretanha.

No Brasil, foram confirmados quatro casos nesta quinta-feira. Se acordo com o Ministério da Saúde, estas pessoas teriam contraído o vírus no exterior. Outras 15 pessoas que viajaram ao México estão sendo monitoradas.

Origens da gripe
O país mexicano, que sofre o drama de ser o epicentro da doença, vive dias de pânico. Com as ruas desertas, os locais públicos fechados e o transporte paralisado, o México está em estado de emergência. As poucas pessoas que se aventuram a caminhar pelas ruas tentam se proteger da infecção com máscaras cirúrgicas, cujo efeito contra o vírus é controverso. Segundo a OMS, 19 pessoas teriam morrido no país vítimas da gripe suína, mas esse número pode ser bem maior.

A doença teria aparecido no distrito de La Glória, a 10 quilômetros das Granjas Carrol, enorme criação de porcos subsidiária da multinacional norte-americana Smithfield Foods. Moradores da região reclamam dos dejetos depositados a céu aberto e da contaminação causada pela empresa. A multinacional já teria sido sediada nos estados norte-americanos da Virginia e Carolina do Norte, sendo expulsas por danos ao meio-ambiente. Aproveitando-se das facilidades do Nafta (bloco econômico que engloba Canadá, EUA e México), a empresa decidiu se instalar no país mexicano. A partir daí, a gripe se alastrou.

No dia 29 de abril, a OMS acionou o alerta 5 para pandemias, numa escala que vai de 1 a 6. O nível desse alerta corresponde à “pandemia iminente”, embora muitos já considerem que ela é uma realidade hoje. O medo e o pânico logo se espalharam, reflexo da catastrófica gripe espanhola de 1918, que atingiu metade da população mundial e ceifou de 20 a 40 milhões de vidas.

História mal contada
O primeiro aspecto que chama atenção do mais recente surto de gripe se refere à demora das autoridades mexicanas e internacionais em alertarem publicamente para o risco da doença. Funcionários de saúde do México e de organismos latino-americanos e internacionais já tinham conhecimento do risco da nova gripe pelo menos duas semanas antes do alerta oficial da OMS. Mas preferiram guardar silêncio.

Após serem anunciados os primeiros casos da doença e seu rápido alastramento para outros países, a primeira medida concreta tomada pela OMS foi mudar o nome do vírus. Pressionada pelos grandes pecuaristas e multinacionais, a organização trocou o nome “gripe suína” por H1N1, aumentando ainda mais a desinformação sobre o problema.

Se o risco de uma pandemia já não fosse dramático, ele ocorre em plena recessão. O México é um dos países mais afetados pela atual crise, sendo um dos países que recentemente fecharam acordo de empréstimo com o FMI. Apesar de esse novo vírus parecer não ser tão letal quanto o da gripe aviária não dá para prever sua ação nos próximos dias. Especialistas argumentam que, enquanto a gripe aviária é pouco infecciosa e extremamente letal, a gripe suína é mais facilmente transmissível, mas pouco letal.

As informações sobre o H1N1, porém, ainda são bastante precárias. Ninguém garante que esse vírus não possa sofrer mutações e tornar-se mais forte e prejudicial ao organismo humano. Governos e autoridades internacionais se esforçam em mostrar que estão preparados para enfrentar uma possível pandemia. Mas a pergunta que surge é: após décadas de neoliberalismo, que destroçaram os serviços públicos de saúde, e em plena crise, isso seria mesmo verdade?

Vírus da pobreza
Segundo reportagem do espanhol El País, um sistema precário de saúde pública e a pobreza foram dois dos principais responsáveis pelo fato do México ter registrado mortes com a gripe suína. Ainda segundo o jornal, embora as autoridades mexicanas mantenham as identidades dos mortos em segredo, inspetores da OMS teriam constatado que grande parte seja pobre.

Com um sistema público ineficaz e insuficiente, a população que não pode pagar por atendimento privado, prefere se automedicar a procurar ajuda nos postos de saúde. Para piorar, os medicamentos são caros para uma população em que 40% se encontra no nível de pobreza absoluta. A reportagem chama o sistema público de saúde do México de “cúmplice” do vírus.

“Está morrendo gente pobre. Por quê? Porque são as pessoas que estão acostumadas a ficarem doentes, a sofrerem gripes mais ou menos fortes e não ir ao médico. Se um soldado de uma base norte-americana apresenta os mesmos sintomas, em dez minutos está na enfermaria. É uma questão de costumes sociais. O povo sabe que ir ao médico custa dinheiro”, afirmou ao jornal o funcionário da OMS.

É o outro reflexo perverso dessa pandemia. A pandemia da pobreza e miséria, aprofundados pela crise. Mas não é apenas nos países periféricos que a crise afeta a saúde pública. No próprio Reino Unido, a crise econômica fez com que nos dois últimos anos o pais adiasse a compra de reservas de antivirais e antibióticos. O país se viu nos últimos dias, em pleno risco do alastramento da gripe suína, sem medicamentos suficientes para debelar uma provável crise.

Nos EUA, epicentro da crise econômica, a saúde pública está passando por momentos difíceis, nas palavras de Richard Besser, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças. “Nós sabemos que milhares de trabalhadores do sistema público de saúde irão perder seus empregos por causa dos orçamentos estaduais”, disse o diretor. Só no ano passado, os departamentos responsáveis pela prevenção de doenças perderam 300 milhões de dólares e demitiram 7 mil trabalhadores.

Pandemia econômica
Ainda é cedo para dizer qual a trajetória da atual pandemia. Se é catastrofista anunciar a iminência de uma crise com as proporções de uma gripe espanhola, também parece precipitado o anúncio de autoridades mexicanas afirmando que o pior já passou. Existe inclusive a hipótese de essa nova gripe ter sido conscientemente superdimensionada pelos governos e pela mídia, a fim de encobrir propositalmente a recessão econômica. O que parece certo é que, no caso de uma real pandemia, os trabalhadores serão os que mais sofrerão.

A degradação da saúde pública nos últimos anos, tanto nos países pobres quanto nos países desenvolvidos, expõe mais ainda a população pobre aos riscos de uma pandemia global. Enquanto isso, trilhões são despejados aos mercados financeiros. Assim como na crise econômica, os trabalhadores é que pagarão no caso de uma pandemia. Nesse caso, com a própria vida.