Os trabalhadores franceses deram um grande exemplo neste dia 29 de janeiro. Pela primeira vez em muitos anos, os oito principais sindicatos uniram-se para chamar um dia de paralisações contra o desemprego e ataques aos serviços públicos e acusam o governo de, perante a crise econômica, proteger apenas os banqueiros e os grandes empresários.

Milhares de trabalhadores do setor público e privado cruzaram os braços. Participaram da greve os trabalhadores da educação, transportes ferroviários e aéreos, hospitais, da companhia de gás (GDF) e eletricidade (EDF), da France Telecom, correios, justiça, imigrantes em situação ilegal, aposentados, entre muitas outras categorias. Trabalhadores da Renault, Peugeot-Citroën, bancos, supermercados, metalúrgicas e até operadores da bolsa Euronext.

O destaque foi para o setor de educação que esteve mobilizado no final do ano passado contra um projeto de reforma do ensino. Segundo o sindicato do setor, 67,5% aderiram a greve no ensino primário e 60% no secundário.

As ruas das principais cidades do país foram invadidas por uma maré de gente, faixas e bandeiras. Sob o lema de defesa do emprego e do salário, mais de 2,5 milhões de pessoas participaram das manifestações, segundo as estimativas da CGT (Central Geral dos Trabalhadores). Em Paris, cerca de 300 mil pessoas marcharam, de acordo com a central.

O descontentamento com o presidente Nicolas Sarkozy é cada vez maior. A crise da economia fechou empresas e fez o desemprego explodir. A resposta de Sarkozy, no entanto, foi a edição de um pacote de 20 bilhões de Euros (R$ 34 bilhões) de ajuda aos banqueiros e empresários.

“Mesmo não sendo responsáveis, os trabalhadores, os desempregados e aposentados, são as primeiras vítimas desta crise. Ela ameaça o futuro dos jovens, prejudica a coesão social e a solidariedade, e aumenta as desigualdades e a precariedade”, afirma a declaração comum dos oito principais sindicatos dos setores público e privado.

A greve geral também contou com amplo apoio popular. Uma sondagem do jornal Le Parisien revelou que 69% dos franceses apóiam a paralisação e acham que Sarkozy deveria apoiar os desempregados e trabalhadores como foi capaz de acudir aos bancos. Segundo Guy Groux, membro do comitê nacional da CNRS (sigla em francês para Centro Nacional de Investigação Científica), “existe uma unidade sindical total, algo que não se via desde a mobilização contra o CPE em 2006. Além disso, a simpatia da opinião pública é muito elevada. Não se via isso desde 1995. É inclusive mais importante do que naquela época: 69% dos franceses são favoráveis à greve de amanhã, contra 65% em 1995”.

O jornal francês Liberation considera que a atual jornada de protesto não pode ser encarada como um protesto qualquer, mas sim um verdadeiro “grito de alarme”. Opinião semelhante é do jornal britânico The Guardian que, de maneira lúcida, aponta que a França se encontra numa atmosfera de “medo e ansiedade”. Os jornais expressam o temor da burguesia européia de que qualquer faísca desencadeie uma explosão social de consequências imprevisíveis na França.

Não começou hoje
Já nos primeiros dias de 2009, protestos sociais atormentavam o governo francês, com manifestações de funcionários públicos, juízes, desempregados, trabalhadores de montadoras, sem-teto e estudantes. Nos subúrbios, carros arderam em chamas na noite de Reveillon. Mais de 1,1 mil automóveis foram incendiados, um aumento de 30% em relação à mesma data do ano anterior.

A crise social vem produzindo movimentos que reúnem desempregados e trabalhadores em condições precárias. Um deles é o dos “Robin Wood dos supermercados”, que promove invasões em supermercados nas periferias de Paris e outras cidades para saquear as prateleiras e distribuir alimentos entre as pessoas necessitadas. O episódio pode até parecer banal, mas dá uma boa dimensão do descontentamento social.

Temendo uma explosão social, Sarkozy foi obrigado a recuar nos seus planos de ataques. Pela primeira vez desde sua posse, em maio de 2007, o presidente evita entrar em confronto direto com os trabalhadores e sindicatos e adiou dois nefastos projetos neoliberais: a do ensino secundário e a da liberalização do trabalho aos domingos.

A reforma na educação previa o corte de 13,5 mil vagas de professores e provocou a fúria da categoria e dos estudantes. Sua resposta veio por inúmeras manifestações que sacudiram a França no mês de dezembro. O governo recuou depois de olhar atentamente para a Grécia, onde, simultaneamente, milhares de jovens saíram às ruas e deixaram o governo na corda bamba. Sarkozy temia que uma rebelião semelhante – catalisada pela crise – pudesse chegar a Paris e adiou as discussões sobre a reforma.

Em seguida veio outro recuo. No início de 2009, o governo anunciou o adiamento do projeto que permitia o trabalho aos domingos, amplamente contestado pelos sindicatos. A cautela de Sarkozy contrasta com suas atitudes no início de seu mandato.

Em novembro de 2007, apesar de uma grande greve que paralisou a França por dez dias, o presidente francês não cedeu um centímetro no seu projeto de mudanças no sistema de aposentadorias dos funcionários dos transportes públicos. Há alguns meses, Sarkozy exibia todo seu triunfalismo e arrogância dizendo que quando havia uma greve na França, “ninguém a notava”.

A possibilidade de uma explosão social, porém, forçaram o presidente a adotar um outro tom. Desta vez, o presidente preferiu o isolamento no Palácio Eliseu e declarou um dia antes da greve geral que compreendia as dificuldades dos trabalhadores “mas devo ver isto com sangue frio, com calma e reflexão e não decidir em função do que sai nos jornais ou do que diz aquele que grita mais forte” .

A cautela foi repetida pelo porta-voz do governo Luc Chatel que logo após os protestos disse: “O executivo está atento as inquietudes da opinião pública, no momento em que atravessamos a mais grave crise em anos”. Os manifestantes, porém, não pouparam o presidente e com muita ironia seguravam cartazes dizendo: “Sarko, estamos aqui!”.