Mobilização dos controladores rompe com hierarquia militar e gera crise no interior das Forças ArmadasTranstorno, confusão, agressões e muita reclamação. Cenas típicas do ambiente de qualquer serviço público utilizado pela população pobre que são cada vez mais comuns no ambiente feio dos aeroportos. A crise do setor aéreo, denominada pela imprensa de “apagão aéreo”, chegou ao auge no último final de semana.

No dia 30 de março, os controladores aéreos do Cindacta 1 (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo) paralisaram suas atividades, ocuparam as instalações militares e iniciaram uma greve de fome. Tudo começou quando lideranças do movimento foram transferidas como uma forma de punição a protestos anteriores dos controladores.

A movimentação dos controladores afetou todo o setor aéreo brasileiro, suspendendo todas as decolagens do país. A greve durou cerca de cinco horas, tempo suficiente para virar de cabeça para baixo todos os aeroportos.

Um manifesto divulgado pela Federação Internacional dos Controladores, a fim de evitar punições, denuncia as precárias e inseguras condições de trabalho aos quais os trabalhadores são submetidos. O país tem cerca de 2.300 controladores de trafégo aéreo, sendo que 80% desse contingente é composto por militares. Ou seja, além de serem obrigados a agüentar sobrecarga de trabalho e extremo estresse, os controladores ainda são por lei impedidos de fazer greve.

“Passados seis meses de crise, não há nenhuma sinalização positiva para as dificuldades enfrentadas pelos controladores de tráfego aéreo. Ao contrário, as mesmas agravaram-se.Não bastassem as dificuldades de ordem técnica-trabalhista, somos também acusados de sabotadores, numa tentativa de encobrir as falhas de gestão do sistema”, denuncia o manifesto, que também revela as condições de pressão e precariedade em que os controladores são obrigados a trabalhar.

“Não confiamos nossos equipamentos e não confiamos nos nossos comandos! Estamos trabalhando com os fuzis apontados para nós, vários representantes de associações legais estão sendo perseguidos, com afastamentos e transferências arbitrárias. A represália do alto escalão militar contra os sargentos controladores tem gerado tamanha insatisfação que não suportaremos calados em meio à tamanha injustiça e impunidade aos verdadeiros responsáveis pelo caos. Clamamos por mudanças tão quanto os passageiros desesperados por soluções imediatas”, afirma o texto.

Bode expiatório
Os controladores reivindicam o fim das punições militares, gratificação salarial emergencial, desmilitarização do setor e a participação dos trabalhadores na transição para um novo modelo civil de controle do tráfego aéreo. A reação do comando da aeronáutica foi típica. O Comandante Juriti Saito classificou a greve como motim e determinou a prisão imediata dos controladores.

No entanto, o presidente Lula, em viagem à casa de campo do presidente Bush, temendo um desgaste ainda maior com o agravamento da crise foi forçado a não prendê-los, pois não havia quem substituí-los.

Ao mesmo tempo em que revogava o pedido de prisão, Lula se somou ao comando militar – e a toda campanha realizada pela grande imprensa – na tentativa de transformar os controladores em bode expiatório para a crise. “Eu acho muito grave o que aconteceu, acho grave e acho irresponsabilidade pessoas que têm funções que são consideradas essenciais e funções delicadas, porque estão lidando com milhares de passageiros que estão sobrevoando o território nacional”, disse Lula em seu programa semanal de rádio, Café com o Presidente.

Ou seja, enquanto os trabalhadores sofrem perseguição, são punidos e paralisam suas atividades contra as condições precárias que acarretam inclusive perigo de vida a milhares de passageiros, Lula joga toda a culpa pela crise em seu elo mais fraco, os controladores.

A Coordenação Nacional de Lutas, ao contrário do silêncio da CUT, divulgou nota prestando total apoio à mobilização dos controladores. “A Coordenação Nacional da Conlutas vem a público manifestar sua total solidariedade aos controladores de vôo. Sua luta era e é justa, pois visa conquistar condições dignas de vida para si, e assegurar segurança e qualidade ao serviço que prestam ao país, controlando o tráfego aéreo”, afirma a nota.

Imagem perfeita do descaso com que o governo enfrenta a crise, enquanto passageiros e funcionários se esgoelavam nos aeroportos, diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) se esbaldavam numa festa de casamento em Salvador. A diretora do órgão Denise Abreu foi flagrada fumando um charuto enquanto o caos dominava os aeroportos.

Uma vitória parcial
A paralisação dos trabalhadores e quebra da hierarquia militar a causaram a fúria da grande imprensa, que pedia punição imediata e exemplar aos controladores. Mesmo com o clima de perseguição e a tentativa de execração pública, o movimento dos controladores obteve uma vitória parcial.

A Força Aérea se retirou dos comandos dos Cindactas, que ficaram sob o comando dos próprios sargentos. No entanto, os problemas estruturais não têm prazo para serem resolvidos. Há 15 anos, o número de controladores no Brasil era de 3.200. Atualmente existem pouco mais de 2 300 mil controladores, enquanto o tráfego aéreo no país duplicou nesse período.

Por outro lado, as tentativas de punição ainda não cessaram e o Ministério Público Militar pediu a abertura de processo contra os líderes dos controladores.
O próprio governo planeja voltar suas baterias contra os trabalhadores. Lula se reuniu com o chamado “gabinete” da crise na tarde do dia 2 de abril e planeja punir os líderes da rebelião. “O presidente vai tomar decisões que vão restabelecer a ordem e a hierarquia”, afirmou o senador Romero Jucá (PMDB).

Um exemplo que pode ser seguido
O movimento dos controladores fez explodir uma crise no interior das Forças Armadas. Também se tornou um exemplo de que a mobilização é capaz de produzir vitórias. Foi justamente por isso que greve provocou a fúria da imprensa e da burguesia. Mesmo parcial, a vitória dos controladores pode servir de exemplo para outros setores, inclusive dentro do próprio aparato policial do Estado.
Recentemente, a Polícia Federal (parte fundamental das forças repressivas do Estado) realizou uma paralisação reivindicando melhores salários. A expansão de lutas por reajustes salariais em outras categorias e no interior do aparato policial do Estado provoca calafrios no governo.

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