Algumas professoras a gente nunca esquece, principalmente aquelas que têm como método dar uma estrelinha a cada vez que você faz algo que ela julgue correto. Se você teve uma professora assim, ainda deve estar marcado na sua memória aquele cartaz com o nome de todos os alunos da turma com o número de estrelinhas conquistadas por cada um.

É exatamente desta maneira que o mercado financeiro trata os governos, principalmente dos países periféricos. E neste cenário, o governo Lula ganhou mais uma estrelinha.

No final de Abril, a agência americana Standard & Poor’s, uma das mais importantes na classificação de risco de investimentos, elevou a nota da dívida brasileira de BB+ para BBB-, classificando-a como “grau de investimento”.

A agência classifica os governos em dois grupos, conforme a nota que eles recebem. Da nota D, a pior de todas, até BB, o país é considerado como “grau especulativo”. Teoricamente, seriam países com economia instável, trazendo risco dos governos não conseguirem pagar suas dívidas.

A partir de BBB até AAA, a melhor nota, o país entra na categoria de “grau de investimento”. Em bom português, isso significa que o governo do país em questão foi classificado como confiável para o mercado financeiro, como um bom pagador da sua dívida pública. Foi neste grupo que o Brasil recém ingressou.

Euforia no Brasil deles
O mercado financeiro ficou eufórico logo após o anúncio da reclassificação do Brasil: a Bolsa de Valores de São Paulo disparou e fechou na maior alta da sua história, e o dólar caiu ainda mais, indo para R$ 1,66.

O governo também comemorou. Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, usou o discurso padrão: falou de maturidade das instituições, solidez da moeda, responsabilidade fiscal, blá, blá, blá. O presidente Lula também fez como de costume: agradeceu a Deus.

Por que tanta euforia? Isso significa que o Brasil vai conseguir aumentar o salário mínimo, acabar com o desemprego, reduzir o preço dos alimentos e poder investir mais em educação e saúde? Nada mais longe disso.

A classificação de risco da dívida dos países serve como referência para investidores estrangeiros. Alguns fundos de investimento só têm permissão de comprar títulos da dívida de países classificados como “grau de investimento”, como é o caso de várias das milionárias seguradoras e fundos de pensão americanos.

Portanto, a principal mudança é que, a partir de agora, estes fundos também poderão especular com os títulos da dívida pública brasileira, aquela mesma dívida que o governo Lula havia anunciado o seu fim e aqueles mesmos fundos e seguradoras que foram responsáveis pela crise do sistema imobiliário norte-americano. Com a crise por lá, é um alento para eles poderem desembarcar aqui.

Com a entrada de novos compradores, a tendência é que os títulos da dívida brasileira aumentem de preço, beneficiando os seus detentores. Não será necessário nem esperar fechar o ano: em 2008, os bancos brasileiros vão bater um novo recorde de lucros em pleno período de recessão mundial. Ainda assim, nem por isso o preço do feijão, do pão, do arroz, do transporte… deixarão de subir.

O que a classificação de risco realmente classifica?
Se levarmos a sério a declaração do governo de que a nova classificação do Brasil significa solidez na economia, uma rápida olhada na lista da Standard & Poor’s para a América Latina pode causar algumas dúvidas, pois países com economias muito mais frágeis do que a brasileira são mais bem avaliadas, como é o caso de El Salvador e Panamá, com AAA (a melhor nota possível), Trinidad e Tobago, com AA e Barbados, com A.

Além disso, o óbvio: será que a alta dos alimentos, a crise na saúde e na educação, a epidemia de dengue, o desemprego, a informalidade, enfim, será que o Brasil verdadeiro não entra no cálculo? Portanto, fica a justa dúvida sobre o que de fato está sendo avaliado pelas agências de classificação de risco.

No caso dos países periféricos, a classificação é, em última instância, política. Mais precisamente, avaliam-se duas coisas: a política econômica adotada pelo governo e as possibilidades destas medidas se manterem sem sobressaltos, resistindo às pressões por parte dos trabalhadores.

Assim, desculpe a caricatura, mas a conta das agências é mais ou menos essa: governo submisso ao capital financeiro + movimento sindical submisso ao governo = grau de investimento. Com essa conta simples, basta trocar a palavra investimento por submissão que realmente entendemos o que a nova classificação do Brasil representa.

Manual para se tirar uma boa nota no “grau de submissão”
Entre os critérios para se avaliar a submissão do governo, um dos mais importantes é o controle dos gastos públicos. A lição é clara: o país deve reduzir ao máximo o seu gasto para não comprometer o pagamento da dívida. Isso significa privatizar as empresas estatais, arrochar os salários dos servidores públicos e fazer reformas que cortem direitos e gastos sociais, como as da Previdência, Trabalhista e Universitária.

Não por acaso, países como México, Chile e Peru estão mais bem avaliados do que o Brasil, porque foram países que aprofundaram ainda mais do que aqui a aplicação das políticas neoliberais, além de manterem acordos comerciais privilegiados com os EUA, como é o caso principalmente do México com o Nafta.

Por outro lado, a Argentina, com índices de crescimento muito superiores aos do Brasil, e a Venezuela, que nunca cogitou em parar de pagar sua dívida externa durante o governo Chávez, são avaliados como países de grande risco.

Não porque estes governos não sejam confiáveis para o mercado financeiro. O problema é que os trabalhadores desses países é que não são “confiáveis” ao pressionarem por medidas como a moratória da dívida externa (Argentina) ou reestatização de empresas privatizadas (como a recente vitória da nacionalização da Sidor na Venezuela.

Junto com a estrelinha, o cinto e a mordaça
Quando Lula assumiu o governo, o Brasil era avaliado apenas como B+. Como bom aluno, o governo Lula passou para BB- em 2005, BB em 2006, BB+ em 2007 e agora “grau de investimento”, com BBB-. O PSDB deve estar morrendo de inveja, porque, justiça seja feita, ambos os partidos são responsáveis pelo Brasil ter atingido o “grau de submissão”.

O problema é que a cada nova estrelinha que o governo recebe, ela significa que os trabalhadores tiveram que apertar ainda mais o cinto. Daí a necessidade de também amordaçar o movimento sindical. Justiça seja feita, a CUT, o PT e o PCdoB também merecem uma estrelinha no grau de submissão.

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