Gustavo Treistman, médico da rede pública do Rio de Janeiro e militante do PSTU

Nos últimos dias, começaram a ser divulgadas iniciativas de solidariedade e agradecimento da população aos profissionais de saúde, como salvas de palmas das janelas das casas e apartamentos. Essas iniciativas são importantes, pois mostram o reconhecimento com o trabalho daqueles que estão nesse momento na linha de frente do combate à pandemia. Infelizmente, porém, o mesmo respeito não parece ser compartilhado pelos governos.

Uma guerra, dois fronts

O mundo inteiro está em alerta por conta do Covid-19. Sabemos que é uma doença que se espalha muito rapidamente e tem um alto potencial destruidor. Dentro disso, os profissionais de saúde estão especialmente expostos aos riscos, uma vez que são eles que estão lidando diretamente com a população infectada. Na Itália, por exemplo, até o dia 16, cerca de 2000 profissionais da área já haviam contraído a doença, respondendo por 8% do total de casos.

Essa situação agrava ainda mais a epidemia por dois motivos: O primeiro é o fato de que aqueles que apresentarem sintomas terão que ficar afastados das atividades por pelo menos 14 dias, sobrecarregando ainda mais as unidades de saúde. Além disso, em boa parte dos casos, os trabalhadores podem ficar infectados, mas não apresentarem sintomas. Como no Brasil o governo determinou a testagem apenas de casos graves, esses profissionais não vão saber que estão infectados e vão acabar funcionando como propagadores da doença que estão combatendo.

Estes riscos poderiam ser reduzidos caso todos os que estão na linha de frente tivessem os equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados. Mas o que estamos assistindo é justamente o contrário. Faltam máscaras, óculos, luvas, e capotes (um tipo de avental) adequados. No hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, chegaram a ser flagrados profissionais usando sacos plásticos no lugar do equipamento correto.

Por essa situação esta é uma guerra em dois fronts. Por um lado temos que mobilizar todas as forças no combate do vírus. Por outro, também é preciso enfrentar os governos que não têm tomado as medidas necessárias para esse combate e estão expondo profissionais de saúde e a população em geral aos riscos da doença.

A pandemia do novo coronavírus deixa cada vez mais evidente que esse sistema capitalista em que vivemos não dá a menor importância pras nossas vidas. Bolsonaro, por exemplo, já declarou várias vezes que a quarentena geral irá prejudicar a economia. Por estes motivos não podemos confiar em nenhum governo para o combate a pandemia. Temos que, enquanto trabalhadores, nos organizar para mudar essa situação e colocar toda a estrutura da sociedade a serviço de garantir as nossas vidas. Precisamos estatizar os hospitais privados para que possam ser usados por toda a população. Precisamos estatizar as fábricas de insumos hospitalares, e aumentar sua produção para que não faltem EPIs, ventiladores mecânicos, medicamentos e tudo o mais que seja necessário para enfrentar o Covid-19.

Precisamos expropriar hotéis e apartamentos inabitados para que sejam utilizados para aqueles que necessitam de quarentena, mas que não tem condições de moradia digna. Mas tudo isso nunca será colocado em prática nesse sistema, que privilegia o lucro no local das vidas. Por isso precisamos construir o nosso sistema. Precisamos de um governo socialista dos trabalhadores, que seja apoiado em conselhos populares em cada local de moradia e trabalho para colocar esse plano para frente!

Leia abaixo a entrevista da médica Luiza Leal (nome fictício) , sobre as condições de trabalho nas unidades de saúde do Rio de Janeiro. O relato feito pela médica nos deixa evidente a situação precária de trabalho que os profissionais da saúde estão enfrentando para combater esta epidemia e o quanto isto representa de risco não somente para estes profissionais, mas também para o conjunto da população. É urgente a reversão deste quadro. Exigimos dos governos que todos os trabalhadores da saúde tenham a sua disposição os equipamentos de segurança necessários!

“As unidades não tem máscara para os funcionários, tampouco para usuários”

PSTU-Rio: Neste momento o Rio tem 170 casos confirmados de coronavírus, a grande maioria na Zona Sul e uma minoria na Zona Oeste. Estes números refletem a realidade que está se vendo nas UPAs?
Luiza Leal: Eu trabalho em três UPAS distintas na Zona Oeste, todas elas atendendo quadros de síndromes gripais, todavia não existem testes disponíveis nas unidades. O diagnóstico é síndrome gripal. Quando o paciente nos indaga sobre a possibilidade de ser Covid-19 e relatamos que não é possível afastar essa causa eles se desesperam, alguns ficam revoltados. E eles estão com razão.

PSTU-Rio: Existem condições nas UPAS para receber os pacientes com suspeita de coronavírus?
As UPAs, sejam municipais ou estaduais, não tem estrutura para esses pacientes, as unidades não tem máscara para os funcionários, tampouco para usuários. Os pacientes chegam com os sintomas, passam pela classificação e ficam sem máscara, sentados e tossindo do lado do pacientes que estão ali por conta de uma hipertensão ou hiperglicemia (esses inclusive são os grupos de risco). Após passar pelo médico, alguns seguem para a sala de medicação, fazem nebulização ao lado de pacientes asmáticos (outro grupo de risco). Quando o estado do paciente é grave, vai para a sala vermelha, pois no isolamento não há condições de monitorização, no leito ao lado tem um paciente com alguma comorbidade (existência de duas ou mais doenças em simultâneo na mesma pessoa) internado para monitorar até sair a vaga para um hospital com recursos, o que não acontece…

PSTU-Rio: Existe material e condições para proteger os funcionários das UPAs de contágio?
Não existe. Uma das unidades do estado em que trabalho não tem máscara cirúrgica, os funcionários questionam no grupo dos médicos e a resposta do coordenador era que havia sido realizada a solicitação, no entanto, o fornecedor não havia feito a entrega e que estavam buscando alternativas.