Mídia golpista ou ataques à liberdade de imprensa?Alguém que acompanhe a realidade do país exclusivamente por meio dos grandes veículos de imprensa poderia ter a nítida impressão de que uma verdadeira guerra está sendo travada entre o governo federal e a grande mídia.

De um lado, o governo Lula, imitando seus colegas da América Latina, estaria avançando de forma implacável sobre a liberdade de imprensa e de expressão, instalando uma verdadeira ditadura nos meios de comunicação. De outro, as grandes empresas de comunicação conspirariam entre si para derrubar o governo do PT, constituindo um verdadeiro Partido da Imprensa Golpista, ou PIG, na terminologia criada pelos blogueiros pró-governo.

Polarização midiática
A relação entre o governo Lula e os principais veículos vem se estremecendo de uns tempos para cá. Com a campanha eleitoral, a guerra foi declarada e as duas partes começaram a se atacar aberta e mutuamente. Em um comício, Lula fez um chamado aos eleitores para “derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos”.

Junto a isso, entidades ligadas ao governo e ao PT realizaram um protesto público contra a mídia, que reuniu organizações como CUT, CGTB e Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), partidos da base governista como PT, PCdoB, PDT e até mesmo o MST. De outro lado, as grandes empresas de comunicação reagiram e, em editoriais, atacaram o que seria um avanço ditatorial do governo.

Os lances dessa “briga” vêm produzindo cenas tragicômicas. Por exemplo, um ato público em defesa da liberdade de imprensa em pleno Clube Militar, entidade que reúne militares da reserva. Estaríamos realmente vivendo uma conjuntura tão politicamente polarizada? Quem, no meio dessa batalha de versões tão diferentes, estaria com a razão?

Aspectos de uma batalha
Que as mais tradicionais empresas de comunicação no país sejam simpáticas ao PSDB não é novidade para ninguém minimamente informado. Assim, mesmo que apenas o jornal O Estado de S. Paulo tenha formalmente declarado voto em José Serra, ninguém tem dúvidas das afinidades ideológicas de empresas como a Globo ou a Folha de S. Paulo com o tucanato. São ligações históricas e, ao que parece, regionais, concentradas no eixo Rio-São Paulo, que se espalham nacionalmente a partir daí.

O fato de que os principais veículos de mídia sejam ligados ao PSDB, com a revista Veja à frente, significa que estejam no extremo oposto ao governo e sejam golpistas? Não é o que parece. Golpista foi, por exemplo, a imprensa venezuelana no golpe de 2002 contra Hugo Chávez, em que os donos das empresas de comunicação tiveram ação decisiva, submetidos às ordens da embaixada norte-americana.

O que ocorre nos principais veículos de mídia é, na verdade, uma campanha pró-PSDB contra o governo e sua candidata, mas que não se aproxima do golpismo. Nem mesmo poderia, já que os grandes setores da burguesia estão apoiando a candidatura Dilma. A campanha da petista, por exemplo, havia arrecadado até setembro quase o triplo de doações eleitorais dos bancos e empreiteiras que o candidato tucano (R$ 11 milhões contra R$ 3 milhões), considerando os “recursos contabilizados”.

O que se tem, portanto, é a oposição política de uma burguesia específica, historicamente reacionária, talvez mais retrógrada que os próprios latifundiários, mas que não pode ser golpista, já que outros setores burgueses estão com Dilma e o governo. São rusgas de setores cujos interesses, além disso, não são antagônicos, contrários.

A democracia e a liberdade de imprensa
Um aspecto também ressaltado por setores alinhados ao governo é a hipocrisia dos veículos de mídia ao pedirem democracia e liberdade de imprensa apesar de terem sido, eles próprios, agentes e beneficiados com a ditadura militar no país. Como a Globo, que se constituiu e cresceu muito nesse período, ou a Folha de S. Paulo, que emprestava caminhonetes para a Operação Bandeirantes (de repressão policial da ditadura), como bem lembrou o documentário de Chaim Litewski, “Cidadão Boilense”.
São empresas que, amparadas pelo regime militar, consolidaram grandes monopólios de comunicação no país, a ponto de todo o setor ser controlado até hoje por apenas sete famílias. O que poucos lembram é que o governo nada fez contra isso. Muito pelo contrário, no governo Lula as rádios comunitárias, por exemplo, que exercem a duras penas um contraponto ao controle da grande mídia, enfrentaram uma repressão implacável da Polícia Federal.

A história nos mostra que a democracia não é um valor intrínseco aos grandes veículos de imprensa. Muito menos eles são os guardiões da liberdade de expressão, uma vez que controlam o que é dito e discutido no país. Ou alguém leu alguma nota em algum jornal sobre a demissão em massa no paulista Diário de S. Paulo? Ou conheceu os meandros da perda do controle do Estadão pela família Mesquita? Pôde ver alguma reportagem sobre o trabalho estafante dos jornalistas nas redações? A liberdade de imprensa e expressão, no Brasil, é uma via de mão única.

Por outro lado, sobram matérias criminalizando os movimentos sociais, como o MST, ou advertindo sobre os perigos do excesso dos gastos do governo ou sobre o suposto rombo da Previdência Social. Pontos, inclusive, não contraditórios com a atual política econômica do governo. Os recentes desentendimentos, por esse ângulo, parecem ter muito mais motivação eleitoral do que expressar projetos políticos distintos.

Uma guerra sem inocentes
O presidente Lula tem razão em um ponto. A imprensa no Brasil age sim como um partido político, como bem já havia observado o jornalista Perseu Abramo. Enganam-se os petistas, porém, ao atribuir-lhe o caráter golpista. Todos os recentes escândalos políticos, do mensalão à recente queda de Erenice Guerra na Casa Civil, tirando o exagero e a manipulação, contavam com bases concretas, não eram invenção.

Se a imprensa tem partido e ele não é o de Lula, por outro lado, as convergências entre os dois são bem, bem maiores que as eventuais divergências.

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