São Paulo 17/01/2017 Fila para tomar a vacina contra a Febre Amarela no Posto de Saúde de Santa Cecília. Foto Paulo Pinto/FotosPublicas
Maria Costa

Entre dezembro e janeiro passamos de 4 para 35 casos confirmados, um aumento de 775%. No surto de 2009 foram 49

Há cerca de um ano atrás o país estava em polvorosa por conta do surto de febre amarela que em 20 de janeiro já tinha 47 casos confirmados só em Minas Gerais. Este ano os números são ligeiramente inferiores, temos 33 casos confirmados a nível nacional desde novembro de 2017, sendo que só na segunda semana de janeiro houve um aumento de 24 casos. No total até agora 20 pessoas morreram. 145 casos ainda estão sob investigação.[1]

A OMS passou a considerar o estado de São Paulo como área de risco para a febre amarela e recomendou a vacinação para todos os viajantes internacionais que passarem pelo estado, por conta do aumento do número de casos em humanos e animais.[2]

Apesar de em 2017 ter havido uma corrida à vacinação, uma percentagem grande da população não se encontra vacinada. Este ano as filas nos postos de saúde para vacinação se repetem e também os locais em que a vacina esgotou.

No ano passado escrevi um artigo sobre a febre amarela, em que trato de o que é e como se transmite esta doença, pelo que não vou repetir esse tema neste artigo, para mais informações pode-se consultar o artigo aqui.

O que é e como se transmite a febre amarela
A febre amarela é causada por um vírus, do mesmo grupo da Dengue e da Zika.  Pode ser transmitida por 3 tipos de mosquitos: nas regiões rurais e de mata é transmitido por mosquitos das espécies Haemagogus e Sabethes; nas regiões urbanas é transmitido pelo Aedes aegypti. Nas regiões rurais e de mata os macacos são hospedeiros naturais, ou seja, são os naturalmente infectados e só raramente os humanos contraem a doença. Os surtos silvestres da doença em humanos acontecem de forma cíclica, normalmente de 7 em 7 anos. O último surto foi em 2009.

O ciclo urbano, ou surto urbano, pode acontecer se uma pessoa infectada for picada por um mosquito Aedes numa região urbana, nesse caso a infecção passa a ser transmitida de forma semelhante à Dengue. O último surto urbano aconteceu em 1941.

Há ou não um surto silvestre
Após a OMS marcar o estado de São Paulo como área de risco e recomendar a vacinação para todos os viajantes internacionais, o ministro da Saúde veio a público dizer que a situação encontra-se sob controle e que “é uma ampliação da cautela, um excesso de zelo que a OMS está colocando (…)”. Para o estado de São Paulo, o ministério da Saúde está intensificando a vacinação apenas nas áreas em que foi mapeado maior risco de circulação do vírus.[3]

Segundo o ministro da Saúde “hoje estamos falando no aumento da circulação viral e no aumento da incidência no número de casos, mas não em surto.[4]

Segundo o livro Módulo de Princípios de Epidemiologia para o Controle de Enfermidades [5] publicado pelo ministério da Saúde, um surto de uma doença é um aumento não esperado de novos casos de uma doença em um espaço restrito como uma comunidade, um povoado, ou uma instituição fechada. Uma epidemia é, segundo o mesmo livro, um problema de saúde pública, de grande escala, em que uma doença se propaga para um número maior de pessoas e em numa área superior à de um surto, como por exemplo várias comunidades e claro, quando vários estados são atingidos. Na prática estes termos são muitas vezes usados quase como sinônimos e também é costume usar o termo “surto epidêmico”.

O surto silvestre do ano passado foi um dos maiores de sempre no Brasil, como disse o médico Carlos Starling, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia.[6] Para termos uma ideia, os surtos de 2000 e 2009 contaram com 85 e 49 casos confirmados, respectivamente. O surto do ano passado teve no total 777 casos confirmados, sendo que destes 271 morreram.[7] Nos anos em que não foram registrados surtos, o número total de casos oscilou entre 2 e 13 casos anuais.

Este ano só entre dezembro e janeiro passamos de 4 para 35 casos confirmados, um aumento de 775%. 31 novos casos em cerca de um mês é pouco menos que o total de casos do surto de 2009 (49).

É muito fácil concluirmos que não só estamos perante um surto, como na verdade estamos vivendo uma epidemia de febre amarela silvestre. Neste caso, as classificações são importantes já que elas implicam em medidas de controle da disseminação da doença. Nomeadamente implica que seja necessária a vacinação massiva da população em todos os estados afetados e não apenas nas áreas mapeadas com maior circulação do vírus. No entanto, a postura do governo Temer é a de, mais uma vez, fingir que não se passa nada para não ter que fazer o devido investimento no combate à febre amarela.

A possibilidade de um surto urbano
Eduardo Massad, epidemiologista da USP dizia no ano passado que “o Brasil está sentado em uma bomba relógio[8], e que a probabilidade de ocorrer um grande surto urbano é muito grande: “Ainda é um desafio entender como a febre amarela não voltou para os centros urbanos, já que temos um grande número de pessoas que vão a áreas endêmicas para turismo ou a trabalho e voltam para cidades infestadas de Aedes Aegypti.

As consequências de tal acontecer seriam dramáticas: “A probabilidade de levar uma picada de Aedes aegypti no Rio durante o Carnaval é 99,9%. É inescapável. As pessoas ficaram preocupadas com Olimpíada, Copa do Mundo. Isso é besteira. Imagine se chega alguém com febre amarela no Rio no Carnaval.

Este ano a ameaça mantém-se, é apenas uma questão de sorte que alguém infectado com febre amarela possa ser também picado por um mosquito do tipo Aedes aegypti. Se isso acontecer estaremos perante uma doença com a mesma capacidade de contágio da Dengue mas com uma mortalidade que pode chegar a 50% dos infectados.

O novo surto de febre amarela e a mineração

Os surtos silvestres de febre amarela são cíclicos, tendem a acontecer em intervalos de 7 a 9 anos. Todas as ações humanas que diminuem a mata e interferem no habitat dos macacos, levando a que eles saiam da mata e entrem em contato com os humanos aumentam a possibilidade desses surtos. Presentemente no Brasil o desmatamento promovido pelo agronegócio e a própria mineração são as atividades que mais destroem o habitat dos macacos e aumentam o risco de surtos de febre amarela em humanos.

O rompimento da barragem da Samarco aumentou exponencialmente os danos ambientais da própria mineração. Não por acaso o surto do ano passado foi o maior surto silvestre de sempre. Para além disso, grande parte das cidades mineiras afetadas pelo surto de febre amarela localizam-se na região do Rio Doce afetada pelo rompimento da barragem, tanto em Minas Gerais como no Espirito Santo.

A vacina
A vacina contra a febre amarela é a única forma eficaz de combater a doença. É, tal como a maioria das vacinas para doenças virais (poliomielite, catapora, sarampo…), composta pelo vírus vivo atenuado, ou seja sem a capacidade normal de causar infecção. Este tipo de vacina, apesar de segura para a maioria da população, tende a ter mais efeitos secundários, como febre, e normalmente não é administrada em pessoas que estejam com imunidade baixa (em tratamento por câncer, ou com AIDS por exemplo), grávidas e crianças com menos de 9 meses. Para além disso as pessoas com mais de 60 anos devem passar por uma consulta antes de tomar a vacina para garantir que podem toma-la.

As mortes causadas pela vacina
Todas as vacinas, assim como a grande maioria dos medicamentos, podem ter efeitos secundários graves. No caso da vacina da febre amarela está previsto que uma a cada 400 mil pessoas vacinadas pode morrer. É de fato muito, e é um obstáculo que a medicina deveria tentar ultrapassar, no entanto, a mortalidade da febre amarela no Brasil é de cerca de 30 a 50 mortos em cada 100 pessoas infectada… muito mais que 1 a cada 400 mil.

No entanto, só no estado de São Paulo morreram 3 pessoas em decorrência da vacina, uma delas uma idosa de 76 anos. É de duvidar que tenham sido vacinadas 1,2 milhão de pessoas nas últimas semanas que justifiquem essas mortes. Não é plausível que seja um problema com a vacina já que, se fosse o caso, haveria um número bem maior de mortes. O mais provável é que parte das mortes sejam de pessoas que tivessem baixa imunidade que não foi apurada antes da vacinação. Para apurar qual a causa dessas mortes deveria ser eleita uma comissão de trabalhadores, incluindo trabalhadores da saúde, para apurar onde aconteceu o erro.

A vacina fracionada
A dose normal da vacina da febre amarela é de 0,5 ml, a dose fracionada corresponde a 0,1 ml. A eficácia desta vacina, segundo a OMS, não está completamente estabelecida. Os estudos realizados até hoje, incluindo os estudos feitos pela Fiocruz são insuficientes já que têm sido feitos em pequenos grupos de indivíduos com características que não refletem a população em geral. Explicando, os estudos feitos no Brasil que deram base à administração da dose fracionada foram feitos, segundo a própria Fiocruz, em militares que atuam na Amazônia, ou seja, trata-se de indivíduos adultos, em condições no geral ótimas de saúde e vigor físico, e na sua maioria homens.

Consequentemente, a OMS, e na minha opinião corretamente, apenas indica o uso de vacina fracionada nos surtos urbanos e em situação de escassez de vacina. Para além disso recomenda que se considere o período de eficácia da vacina fracionada de apenas 1 ano, e não 8 anos como o governo Temer quer estabelecer.

Na verdade o que o Governo Temer está fazendo é poupar recursos na vacinação da população para destiná-los aos grandes capitalistas e também aos deputados que quer comprar para aprovar a reforma da Previdência

É possível combater a febre amarela e o surgimento de um surto urbano
Bastava que a distribuição da vacina da febre amarela fosse universalizada e que houvesse um esforço sistemático para que a quantidade de pessoas vacinadas atingisse um percentual acima de 95%. Até o ano passado a vacina só estava disponível nos estados do interior, onde a febre amarela existe “naturalmente” nas populações de macacos. Como o surto do ano passado atingiu o Rio e Espirito Santo, a vacina passou a ser obrigatória também nestes dois estados. Neste momento estão de fora 6 estados brasileiros, onde se encontram grandes concentrações urbanas: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Todos estes estados têm uma situação de completo descontrole da reprodução do Aedes aegypti.

No entanto para que tal seja possível é necessário um reforço orçamentário para o combate à febre amarela, para os laboratórios da Fiocruz e estatais poderem produzi-la com qualidade, e na quantidade necessária. É necessária a contratação de técnicos de saúde e trabalhadores para a administração da vacina. Todos os trabalhadores envolvidos, incluindo médicos e enfermeiros devem receber formação no tema. Todo este processo deve ser feito sob controle de comissões de trabalhadores e usuários do SUS eleitos em assembleias.

O tratamento da febre amarela
Para os que foram infectados só resta o tratamento dos sintomas, não existe cura para a doença. A taxa de mortalidade pode variar entre 30 a 50%. A possibilidade de sobrevivência depende da qualidade do tratamento. É mais do que urgente que se destine 10% do PIB para o SUS, para restituir medicamentos, insumos, pagar aos profissionais de saúde os salários em atraso. Para isso é necessário suspender o pagamento da dívida pública imediatamente e destinar parte desse dinheiro ao SUS. É necessário também a estatização dos grandes hospitais e grupos de saúde privados sem indenização.

Foto: Valdecir Galor/SMCS

Um programa da classe trabalhadora para responder ao surto de febre amarela

  1. É necessária a distribuição imediata de vacinas às populações em risco, ou seja, para os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo;
  2. É urgente a incorporação da vacina da febre amarela no calendário vacinal do SUS para todos os estados do Brasil, juntamente com uma campanha que permita que mais de 90-95% da população seja vacinada. Essa campanha deve ser feita sob controle de trabalhadores do SUS e usuários eleitos em assembleia;
  3. Não ao uso da vacina fracionada neste momento pois os estudos que existem sobre o seu uso ainda não são conclusivos. Esta vacina só deve ser usada perante um surto urbano e no caso de escassez de vacinas;
  4. As grandes mineradoras e empresas do agronegócio devem ser taxadas em uma alíquota especial de impostos a ser destinado para um fundo de prevenção e combate à febre amarela dado que os impactos causados pelas suas atividades levam a um aumento da susceptibilidade dos macacos a esta doença e logo a uma maior probabilidade de surtos;
  5. Colocar em prática, desde já, um plano consequente para o combate ao Aedes aegypti, com medidas com efeito a curto e longo prazo, que passam por contratação massiva de agentes de saúde para a eliminação de focos de reprodução do mosquito, limpeza de descampados especialmente nas áreas urbanas, eliminar todos os lixões a céu aberto, construção de rede de esgoto e saneamento básico em todas as cidades e que sirvam a toda a população;
  6. Tal só será possível se se suspender o pagamento da dívida pública e a se forem revogadas todas as medidas que atacam os serviços públicos. É necessária uma Greve Geral para barrar este e outros ataques do governo;
  7. A prioridade de financiamento dos governos não podem ser as empresas privadas de saúde e o pagamento da dívida pública em detrimento do financiamento do SUS. É necessário a estatização das empresas privadas de saúde e dos seus hospitais e clínicas, assim como o fim do pagamento da dívida pública e investimento de 10% do PIB na saúde pública;
  8. É urgente a produção estatal de todas as vacinas presentes atualmente no calendário vacinal do SUS. A pesquisa e a indústria farmacêuticas não podem estar subordinadas ao lucro, devem estar a serviço do bem-estar e da vida da classe trabalhadora. Por isso, todas as empresas farmacêuticas devem ser estatizadas e colocadas sob controle da classe trabalhadora de conjunto. As patentes devem ser abolidas e a investigação científica deve ser feita por universidades e hospitais públicos e controlada pela classe trabalhadora.
  9. A defesa da saúde pública passa pelo fortalecimento do SUS, como garantia de uma saúde pública universal, gratuita, estatal, de qualidade e sob o controle da classe trabalhadora de modo a que seja capaz de atender às múltiplas demandas de toda a população;
  10. Para garantir que essas medidas sejam de fato aplicadas, é necessário lutar por um governo socialista dos trabalhadores, sem patrões, apoiado em conselhos populares.

[1] http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/febre-amarela/situacao-epidemiologica-dados

[2] http://www.who.int/ith/updates/20180116/en/

[3] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-42685293

[4] https://g1.globo.com/bemestar/noticia/febre-amarela-ministerio-registra-35-casos-confirmados-da-doenca-seis-somente-em-2018.ghtml

[5] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/modulo_principios_epidemiologia_5.pdf

[6] http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/01/21/interna_gerais,841343/surto-febre-amarela-assombra-mais-cidades-minas.shtml

[7] http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/febre-amarela/situacao-epidemiologica-dados

[8] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38578064