O QUE O PAPEL NÃO DIZ

O Ministério da Fazenda divulgou neste dia 13 de novembro, através da Secretaria de Política Econômica, um documento intitulado “Gastos Sociais do Governo Central- 2001 e 2002“. O estudo pretendia analisar o gasto do governo nas áreas sociais, tal como sua eficácia. Na verdade, não passou de pura propaganda neoliberal contra os parcos gastos do governo com a educação superior e a favor da privatização do sistema público de previdência.

Diz o documento que as despesas com as universidades públicas, principalmente as federais, são benefícios do governo que atendem somente a poucos privilegiados e ajudam a manter a atual situação de desigualdade social. Aliado a isto, os “enormes“ gastos com a previdência social também constituiriam outro fator determinante para a miséria em que encontram milhões de brasileiros. Por exemplo, diz o texto que “em razão do aumento dos gastos com Previdência Social, a carga tributária aumentou 3,5 % do PIB no período de 99 a 2003“.

Para o Governo a Culpa é dos Aposentados

Mais adiante o documento afirma: “cabe lembrar que o argumento para que a Previdência Pública incorpore preocupação com justiça social é reforçado pela natureza compulsória das contribuições que a financiam“. Ou seja, a previdência, financiada através de contribuições compulsórias, teria que cumprir sua parte na tarefa de redistribuir a renda. A vultuosa sonegação de encargos previdenciários praticada por grandes empresas, assim como pelo Estado, não é sequer citada.

Para o Ministério da Fazenda, a maior parte dos recursos sociais do governo são destinados a financiar privilégios a certos setores da sociedade, principalmente “os mais organizados“. Daí a necessidade de redirecionar as verbas hoje destinadas à universidade pública e à previdência para programas de assistência social, como o Fome Zero e o Bolsa Família. Tão logo a polêmica surgiu, o presidente nacional do PT, José Genoíno, declarou à imprensa ser contra o fim da gratuidade da universidade pública. Disse também que o documento divulgado pela Fazenda era apenas “uma contribuição“ ao debate e era importante pois comprovaria a existência de enormes desigualdades sociais no Brasil.

Proposta Indecente

No entanto, na página três do estudo, afirma-se “A possibilidade de ampliação de recursos destinados aos brasileiros mais pobres e de fornecer uma verdadeira rede de proteção social (…) depende de forma decisiva da realização de reformas estruturais que reduzam os privilégios concedidos pelo atual sistema (grifo meu)“. Percebe-se que o documento ultrapassa quilômetros a mera análise e faz propostas concretas sobre o que fazer. A seguir uma pequena amostra do que seria parte destas reformas estruturais, presente na página 35: “Cerca de 46% dos recursos do Governo Central para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população. Ao mesmo tempo, a expansão dos empréstimos a estudantes de baixa renda, com taxas subsidiadas permitiria ampliar o acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior, com custos mais reduzidos para o setor público, através do FIES“.

O governo sugere, como alternativa ao financiamento das universidades públicas, o aumento do FIES. Isto representaria o desvio de verbas destinadas à educação pública para as universidades privadas, ou seja, a completa privatização do ensino superior. Essa é a mesma proposta para a educação feita pelo Banco Mundial ao país nos anos 90. Aliás todas as orientações presentes nesse documento são as mesmas defendidas pelo Banco Munidal e o FMI.

A chamada focalização dos serviços públicos permeia toda a proposta. Trata-se do princípio de que o Estado, impossibilitado de garantir serviços públicos a toda população, deve apenas gastar com aqueles em “situação de risco social“. Outra lógica explícita no texto é a que afirma que as desigualdades sociais são gritantes no Brasil por causa dos tais setores “privilegiados“, leia-se funcionários públicos e universitários de instituições públicas. Em nenhum momento são lembrados os gastos com os juros da dívida pública.

Os Verdadeiros Culpados

O que a equipe econômica do governo Lula se esquece é que o Orçamento Federal deste ano, por exemplo, destina R$145 bilhões para o pagamento de juros da dívida interna e externa. Enquanto isso, todos os gastos sociais juntos mais as despesas com Ciência, Tecnologia, Energia e Transporte não chegam a R$82 bilhões. Os impostos aumentam não para financiar a previdência social, mas para garantir o pagamento de uma dívida que consome mais de 57% do PIB brasileiro.

Até maio o governo havia destinado R$11 bi para a Saúde e R$5,34 bi para a Educação. Para honrar os juros da dívida foram gastos R$46 bi. Estes são os números que a Secretária de Política Econômica omite no documento divulgado pelo Ministério da Fazenda. O Ministro Palloci e seus subordinados querem vender a idéia do Banco Mundial de que a pobreza e a miséria persistem no país pôr causa da má utilização dos recursos públicos. Para resolver o problema propõem o desmantelamento dos serviços públicos em troca de programas assistenciais.

O documento divulgado pela equipe econômica do governo Lula não consiste em mero prognóstico econômico, mas na sinalização clara da política neoliberal a ser aprofundada no próximo período.